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EUA discutem sobre transmitir sessões de julgamentos

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4 de março de 2013, 12h06

O Congresso dos EUA vai tentar aprovar, mais uma vez, um projeto de lei que libera transmissões de julgamentos em tribunais federais, por uma rede pública de televisão e de rádio. Com maior chance de ser aprovada desta vez, por ter apoio bipartidário, a lei terá um prazo de validade de três anos. Se depois desse prazo os efeitos dessa lei experimental se comprovarem positivos, a lei será "efetivada".

As transmissões seriam feitas pela C-SPAN (Cable-Satellite Public Affairs Network), uma rede de emissoras de televisão privada, sem fins lucrativos, criada em 1979 como um serviço público. A C-SPAN, C-SPAN2 e C-SPAN3 e uma estação de rádio transmitem o dia a dia das atividades do Congresso e uma vasta programação de interesse público. Fazem transmissões completas de sessões e eventos. Mas ainda não há nada nos EUA nos moldes da TV Justiça do Brasil, criada em 2002, ou da do Canadá, onde sessões da Suprema Corte também são transmitidas por TV.

A lei dará aos juízes e ministros de todas as instâncias federais a opção de abrir ou não as portas dos tribunais para as câmeras e para transmissão por rádio. A proposta é bem aceita pela maioria dos juízes, mas ainda encontra fortes resistências na Suprema Corte dos EUA. Entre os nove ministros da corte, uma ministra é declaradamente a favor, dois ministros são contra e os demais estão indecisos.

O projeto de lei foi apresentado pelo senador republicano Chuck Grassley e pelo deputado republicano Steve King, ambos de Iowa, com apoio de parlamentares democratas das duas casas. A principal justificativa é: "A transmissão dos julgamentos melhora o entendimento da população sobre o que acontece dentro dos tribunais. Nosso sistema judicial permanece um mistério para os cidadãos em todo o país", disseram.

Os parlamentares acreditam que as transmissões vão "inspirar maior confiança e apreciação aos juízes que garantem Justiça igual e imparcial a todos", de acordo com o Blog of Legal Times. A lei terá dispositivos de proteção a testemunhas e de garantia ao direito do devido processo a cada parte.

As câmeras já estão presentes em muitos tribunais dos EUA — mais para a produção de vídeos do que para transmissões diretas. Na Justiça estadual, a transmissão de julgamentos tem sido experimentado, em alguns casos "com grande sucesso", dizem os parlamentares. Um exemplo é o estado de Iowa, onde se considera que o uso de câmeras "produz grandes resultados, sem interferir nos procedimentos do tribunal", eles afirmam. Na outra ponta, a Justiça do Distrito de Colúmbia (o distrito federal dos EUA) proíbe inteiramente qualquer cobertura em tribunais de primeira instância e nos tribunais de recurso.

Projeto experimental
Na Justiça federal há um projeto-piloto em andamento desde julho de 2011, de acordo com o site oficial da United States Courts. É um experimento de três anos, com a participação de 14 tribunais voluntários, que prevê a produção de vídeos digitais apenas — não a transmissão direta. Os vídeos são editados e publicados no site www.uscourts.gov e nos sites dos próprios tribunais. Os vídeos são feitos pelos próprios funcionários dos tribunais. A qualidade deixa a desejar, como pode ser visto na página da US Courts.

As regras do projeto-piloto foram estabelecidas pelo Comitê de Administração dos Tribunais e Gerenciamento de Casos, em consulta com o Centro Judicial Federal. Elas estabelecem que filmagens dos julgamentos só podem ser feitas com autorização do juiz e das partes envolvidas, caso a caso. Somente os tribunais participantes do projeto podem publicar vídeos, que serão editados para cortar partes que não devam ser divulgadas.

Só podem ser filmados procedimentos civis. Fotografar ou transmitir procedimentos judiciais é proibido em casos criminais. Procedimentos relativos a processos de falência também são proibidos. O juiz pode ordenar a interrupção da filmagem, se necessário, para proteger os direitos das partes ou das testemunhas e preservar a dignidade do tribunal. Pode também decidir não publicar o vídeo. O juiz pode ter um dispositivo em sua mesa para desligar o sistema quando achar conveniente.

Cabe ao juiz selecionar os casos que serão filmados, mas as partes no caso ou a mídia podem solicitar cópias do vídeo. No entanto, as gravações de julgamento, dentro do projeto-piloto, bem como qualquer transcrição feitas a partir dos vídeos, não são consideradas documentos oficiais e, portanto, não podem ser usadas como prova ou parte de qualquer petição a um tribunal.

As gravações devem ser feitas por pessoal do tribunal, a não ser que a corte decida contratar terceiros para prestar serviços de filmagem e edição. Filmagens por outras pessoas não são permitidas. A mídia, especialmente, continua proibida de gravar ou fotografar nas salas de julgamento. Se houver preocupação com a segurança do juiz, ele deve consultar os órgãos de segurança.

Os tribunais devem usar pelo menos três câmeras, mas não mais do que quatro, com microfones para gravar os procedimentos. As câmeras devem ser usadas com discrição, enquadradas no juiz, na testemunha, no advogado ou no promotor na tribuna ou nas mesas das partes. A tela pode mostrar uma câmera de cada vez ou ser dividida para mostrar todas elas. Sistemas eletrônicos de apresentação de provas podem ser embutidos nos vídeos.

Não podem ser gravadas comunicações privilegiadas entre advogados e clientes, discussões privadas entre advogados e promotores ou entre eles e o juiz, sem permissão expressa do juiz que preside o julgamento. Jurados também não podem ser filmados durante o julgamento ou na sala de deliberação, em tempo algum.

Suprema Corte
Não existem declarações recentes dos ministros sobre o uso de câmeras na Suprema Corte. O que existe é uma coletânea de declarações feitas pelos ministros nos últimos anos, publicadas no site da C-SPAN.

A ministra Ruth Ginsburg é a favor. "Nossos tribunais estão sempre lotados. Sempre há filas e muitas pessoas ficam de fora. Há muito interesse e os tribunais devem ser mais abertos", ela diz. O ministro Antonin Scalia é contra. "De maneira alguma vamos permitir câmeras na corte, porque não somos parte da indústria do entretenimento", ele afirma. "E quem pode estar interessado em ver um julgamento de ponta a ponta? Só mesmo advogados", diz.

O ministro Clarence Thomas também é contra o uso de câmera em qualquer tribunal. Ele teme pela segurança dos ministros e dos juízes. E vê um risco de as câmeras mudarem a maneira com que consideram os casos. "Certamente vai mudar nossos procedimentos", prevê.

A ministra Elena Kagan já foi uma grande defensora da proposta. "Acho uma grande ideia. Levaria as pessoas a sentir melhor o Judiciário. Hoje, apenas 200 pessoas podem entrar no plenário e o resto da população só tem acesso ao que ocorre dentro da corte pelo noticiário. Mas ler não é igual ver", ela declarou em 2010. Mas em 2012, mudou de ideia. Disse recear que as pessoas passem a representar para as câmeras.

O mesmo fez a ministra Sonia Sotomayor. Declarou, na audiência de confirmação no Senado, em 2009, que teve boas experiências com câmeras nos tribunais. "Isso traz transparência ao Judiciário", disse. Mas também mudou de ideia: "Acho que os telespectadores não vão entender os argumentos jurídicos. Vão fazer especulações. Muito poucos entendem o que é o processo". Foi duramente criticada por dar a entender que o público não é suficientemente inteligente. E por abandonar a ideia da "transparência do Judiciário".

O ministro Samuel Alito não mudou de ideia totalmente, mas ficou indeciso depois que um ex-colega declarou que uma câmera de TV só entraria na Suprema Corte sobre seu cadáver. A declaração foi do ministro David Hackett, que se aposentou em 2009. Ele convenceu Alito de que advogados, promotores e ministros poderiam deixar de lado sua audiência no tribunal para falar, por exemplo, para um eleitorado. Mas Alito garante que manterá sua mente aberta.

O ministro Anthony Kennedy tem argumentos contra e a favor. "Eu vejo meus colegas, os advogados e os promotores, produzindo frases de efeito para impressionar o grande público ou ter repercussão na imprensa. Isso criaria uma dinâmica insidiosa na corte", diz. Mas ele vê pontos positivos. Um é que advogados, promotores e ministros iriam se preparar melhor para falar durante o julgamento. "Se formos ter um debate na televisão, vamos nos concentrar mais no lado afirmativo do debate e, provavelmente, apresentar uma argumentação mais positiva".

O ministro Stephen Breyer também vê razões a favor e contra a proposta, tanto na Suprema Corte quanto nos demais tribunais. A maior preocupação dele é com os fóruns criminais. Ele acha que as transmissões por TV podem afetar muito o comportamento das testemunhas. "Elas podem ficar hesitantes, podem mudar seus testemunhos, porque sabem que seus vizinhos, seus amigos e parentes estão de olho no julgamento". E o perigo maior para uma testemunha, segundo ele, é ser identificada por criminosos com a ajuda da TV e ela mesma se tornar vítima de crime.

O presidente da Suprema Corte, ministro John Roberts, não é contra, nem a favor. "Precisamos discutir com muito cuidado o impacto das transmissões no Judiciário", ele declarou. O acadêmico da faculdade de Jornalismo da Universidade de Oregon, especializado na Primeira Emenda da Constituição dos EUA, diz que é bom o ministro pensar bem, mesmo: "A Suprema Corte não pode trair o compromisso distintivo do povo americano para com a liberdade de expressão e o acesso à informação", afirma.

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