Direto do júri

Transmissão de julgamentos contribui para trabalho sério

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4 de março de 2013, 14h38

O julgamento do caso Mércia Nakashima já seria, por si só, um daqueles dignos de registro entre os mais rumorosos da história dos Tribunais do Júri. Todavia, na última sexta-feira, deparei-me com a surpreendente e grata notícia de que a audiência será transmitida ao vivo por um pool de empresas de comunicação que engloba emissoras de televisão, rádio e internet. A iniciativa, que é marco de transparência do Poder Judiciário, partiu do próprio juiz responsável pelo feito, Leandro Bittencourt Cano, e foi adotada da forma mais democrática possível, com a participação do promotor de Justiça, dos advogados da Defesa, da Assessoria de Imprensa do Tribunal de Justiça de São Paulo e dos meios de comunicação.

Entretanto, a transmissão de julgamentos sempre foi tema polêmico e recentemente chegou a ser objeto de acalorados debates quando do julgamento do Mensalão (designação que uso sem qualquer intuito valorativo, mas apenas por reputar pouco acessível e demasiadamente pasteurizado o nome Ação Penal 470).

Dentre as vozes contrárias, é possível destacar a do eminente professor Dalmo de Abreu Dallari, o qual, em recente artigo publicado no final do ano passado, afirmou que “a transmissão dos julgamentos dos tribunais feita ao vivo, pela televisão, tem grande possibilidade de influir sobre a atitude dos julgadores e, em última análise, sobre o próprio resultado do julgamento, podendo ser responsável pelo comprometimento da justiça da decisão”. Segundo Dalmo Dallari, pesa o fator humano, ou seja, o fato do julgador saber que está sendo visto e avaliado por milhões de pessoas, muitas vezes influenciadas por uma persistente e tendenciosa campanha de imprensa, que transmite a ideia de que só será justa uma decisão condenatória.

Outro habitual argumento desfavorável é de que a transmissão atenta contra a dignidade da Justiça, transformando julgamentos penais numa espécie de “reality show”.

Contudo, conforme muito bem colocado em entrevista concedida pelo magistrado responsável pelo caso Mércia, “em casos de clamor social, a transparência é a única forma de dar mais legitimidade ao veredito seja condenatório ou de absolvição”. Ainda de acordo com Leandro Cano, a pressão sobre os julgadores, mais precisamente os jurados, já existe, pois, afinal de contas, o processo é de repercussão e o plenário estará repleto de jornalistas, familiares dos envolvidos e prováveis curiosos.

É justamente nesse efervescente contexto que se dá uma das principais missões do juiz presidente do Júri, que é a de serenar os ânimos e colocar os jurados na posição de verdadeiros julgadores, razoáveis e imparciais, orientando-os a decidir de acordo com a própria consciência e os ditames da Justiça (cabendo lembrar que tal dever encontra-se bem sintetizado na exortação aos jurados, prevista no artigo 472 do Código de Processo Penal: Formado o Conselho de Sentença, o presidente, levantando-se, e, com ele, todos os presentes, fará aos jurados a seguinte exortação: “Em nome da lei, concito-vos a examinar esta causa com imparcialidade e a proferir a vossa decisão de acordo com a vossa consciência e os ditames da justiça”. Os jurados, nominalmente chamados pelo presidente, responderão: “Assim o prometo”).

Quanto à alegada espetacularização da Justiça, tenho para mim que a veiculação de julgamentos, em especial dos Tribunais do Júri, poderá contribuir para uma maior seriedade dos trabalhos. Afinal, a eloquência e a teatralidade são inerentes ou, no mínimo, corriqueiras nos plenários e, não raramente, há excessos por parte de promotores, advogados e até mesmo juízes, sendo que todos esses agentes, ou atores, provavelmente serão mais cautelosos em suas manifestações, justamente por saberem que suas ações serão eternizadas em meio magnético e assistidas por milhares de pessoas.

Outro argumento favorável à plena publicidade das sessões diz respeito ao efeito pedagógico e de acessibilidade da Justiça ao grande público, coisa que pôde ser notada no julgamento do Mensalão, que popularizou expressões como “relator”, “revisor” e “dosimetria de penas”. Aliás, recentemente fiquei feliz e surpreso ao ver um comentarista de evento esportivo que, ao ser indagado se concordava com determinada colocação do locutor, com naturalidade respondeu “acompanho o relator”.

Finalmente, cumpre lembrar que a Constituição Federal estabelece que, ressalvado pontuais casos de segredo de justiça, todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos (artigo 100, IX, da C.F.). Assim, considerando as limitações físicas dos nossos plenários, cuja capacidade na maioria das vezesnão chega a cem lugares, e o enorme alcance dos veículos de comunicação, vetar a transmissão de julgamentos de grande apelo ou interesse popular equivaleria a usurpar um direito da sociedade, colocando-se uma placa na entrada da Corte: “É Proibida a entrada do Povo”.

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