Tira de julgamento

Denúncia troca falsidade ideológica e material, diz HC

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4 de março de 2013, 14h44

A denúncia do Ministério Público de São Paulo contra o desembargador aposentado Pedro Luiz Ricardo Gagliardi, do Tribunal de Justiça de São Paulo, deve ser anulada por vícios formais e materiais. É o que sustenta o advogado do desembargador, o criminalista Paulo Sérgio Leite Fernandes, em Habeas Corpus impetrado para trancar a acusação, subscrita por quatro promotores de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco).

O caso de Gagliardi, segundo sustenta a defesa, é fruto de uma confusão processual típica de um tribunal do tamanho do de São Paulo. Ele é acusado de fraudar a súmula de julgamento de um processo em que foi relator, mas que foi voto vencido.

O caso em questão era uma Apelação Criminal que rediscutia a condenação de um policial, membro da extinta Guarda Civil, porque “passou o pênis no braço de uma menina de 11 anos”, conforme consta dos autos. Mas anos depois, a menina, já com mais de 60 anos, disse ter mentido quando acusou o policial. Foi então apresentada uma Revisão Criminal ao TJ de São Paulo.

A Revisão discutia se o policial, morto em 1998, cometera mesmo o crime pelo qual fora condenado, em 1959. O caso foi distribuído ao 3º Grupo de Câmaras Criminais do TJ-SP, que reúne a 5ª e 6ª câmaras, e Pedro Gagliardi foi o relator designado. Na sessão do dia 15 de outubro de 2007, ele votou pela absolvição e foi acompanhado pelo desembargador Carlos Biasotti.

Houve pedido de vista e o caso só voltou à pauta do 3º Grupo em janeiro de 2008. Os demais 11 desembargadores rejeitaram a Revisão, deixando Gagliardi e Biasotti vencidos por 11 a 2. Só que a súmula, ou tira, de julgamento, saiu como se o policial tivesse sido absolvido por unanimidade.

O caso foi apresentado ao Ministério Público pelo desembargador Damião Cogan, hoje presidente do 3º Grupo. A denúncia do Gaeco do MP de São Paulo é justamente para investigar por que, no momento da edição da súmula, houve essa distorção. A acusação, ajuizada na 11ª Vara Criminal da capital paulista (Gagliardi não tem mais prerrogativa de foro, pois aposentou em 2010), diz que o desembargador, “mesmo ciente do resultado do julgamento negativo ao acusado, concorreu para que terceira pessoa não identificada inserisse na ‘tira’ do julgamento declaração falsa, qual seja, que o pedido revisional havia sido deferido para absolver o interessado por inexistência do fato”.

A acusação conclui, então, que o desembargador falsificou a súmula para fazer valer o seu entendimento sobre o de seus colegas. Outra conclusão do MP é que Gagliardi falsificou o resultado para que a família do policial entrasse, como entrou, com ação indenizatória contra a suposta vítima do atentado.

Promotor natural
Antes mesmo de entrar no mérito das acusações, o advogado Paulo Sérgio Leite Fernandes já aponta falhas na acusação. É que a denúncia foi feita pelo Gaeco, braço do Ministério Público destinado a investigar organizações criminosas e o crime organizado, e a acusação menciona o desembargador e uma “terceira pessoa não identificada”. Não há organização criminosa, afirma a defesa de Gagliardi, mas apenas um réu. Foi violado o princípio do promotor natural, segundo a argumentação da defesa.

“Se terceiro tivesse alterado ideologicamente a ‘folha de rosto’ do acórdão, em concurso com o Desembargador Relator, isso viria em sequência à tira de julgamento rubricada pelo Presidente do 3° Grupo de Câmaras. Cuidar-se-ia, então, de um concurso perneta, manquitolante, coxo até, pois a andadura estaria sem parceiro, não se pesquisando sequer se havia um companheiro também voltado ao mesmo desiderato. Deu-se ali, portanto, um concurso de agentes fantasmagórico, nova figura doutrinária posta na hermenêutica acusatória. A denúncia, nesse passo, é inepta”, diz o HC.

Outro problema é justamente o fato de haver um só réu. Na defesa, Fernandes afirma que seu cliente não pode ser responsável por erros de tramitação de processos. Ele conta que Gagliardi estava mudando da 6ª Câmara para a 15ª Câmara na época em que relatou o caso, e, por isso, deixando o 3º Grupo. A Revisão do policial era um processo remanescente, que fora distribuído a Gagliardi antes de sua troca de câmara.

Sendo assim, narra o HC, Gagliardi votou e não acompanhou mais o andamento do processo. Só recebeu a “folha de rosto” do resultado, rubricada pelo então presidente do 3º Grupo, desembargador Debatin Cardoso, e, como relator, assinou. O que aconteceu entre o voto do relator e proclamação do resultado, não se sabe, mas não se pode imputar ao desembargador Pedro Gagliardi, diz o advogado Leite Fernandes.

A acusação diz que os autos não foram remetidos ao revisor, desembargador Ricardo Tucunduva, mas o advogado de Gagliardi rebate que isso não pode ser atribuído a seu cliente, pois ele “não é fiscal de tramitações”. “Por outro lado, a ata da sessão de 31 de janeiro de 2008 foi lida e aprovada em Plenário na sessão posterior, à qual Gagliardi não estava presente, mas os outros estavam, não havendo impugnação. Os autos foram ao paciente depois, servindo seu voto como acórdão, porque havia uma tira de julgamento, rubricada pelo Presidente do 3° Grupo, dando a exculpação por votação unânime.”

Corpo do delito
Outra falha apontada pela defesa de Pedro Gagliardi, e provavelmente a principal, é técnica e de Direito. O Ministério Público afirma que Gagliardi falsificou documento para fazer constar seu voto como o vencedor. No entendimento de Paulo Sérgio Leite Fernandes a denúncia “mistura falsidade material e ideológica num bailado descontrolado, não se sabendo qual seria uma e qual seria outra”.

Ele explica que a falsidade ideológica implica fazer constar de documento o que não deveria. Já a falsidade material é concreta. Consiste em tirar coisa de documento, rasurar papel, rasgar, deformar etc. Por isso, continua, seria necessário exame de corpo de delito, que não foi feita justamente por causa dessa confusão.

Não há na acusação nenhuma afirmação de que a assinatura do desembargador Debatin Cardoso tenha sido falsificado. Uma servidora do TJ atesta sua veracidade, mas não há qualquer análise técnica sobre a rubrica. “No organograma positivo brasileiro (artigo 158 do Código de Processo Penal) tal perícia, sob pena de nulidade absoluta, precisa existir, podendo-se supri-la se e quando os vestígios desaparecerem”, afirma o advogado no Habeas Corpus.

Clique aqui para ler a denúncia do Gaeco.
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