Segunda Leitura

Os resultados da nova Suprema Corte do Reino Unido

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

3 de março de 2013, 8h23

Spacca" data-GUID="vladimir_passos_freitas1.jpeg">O Reino Unido é uma monarquia constitucional  da qual fazem parte a Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte, 14 territórios ultramarinos e, ainda, exerce sua influência sobre diversos pequenos países, localizados em ilhas e no passado por ele dominados, como Trinidad Tobago no Caribe, que no conjunto formam uma confederação (Commonwealth).

No passado, o chamado Império Britânico chegou a dominar boa parte do mundo, levando seu sistema de governo e de Justiça a países tão diferentes como Índia, Quênia, Guiana e Estados Unidos. Neles, o sistema judicial baseia-se na Common Law, que nas palavras de René David “é uma regra que visa dar solução a um processo e não formular uma regra geral de conduta para o futuro” (Os grandes sistemas do Direto Contemporâneo, Martins Fontes, p. 19).

O Reino Unido não tem Constituição escrita, como os Estados Unidos e o Brasil. Todavia, possui uma Constituição não-escrita, histórica e flexível. Nas palavras de Rafael da Silva, “as Constituições não-escritas, por sua vez, não se baseiam em um único documento escrito, mas em um conjunto de atos emanados pelo Parlamento, assim como pelos costumes e convenções fixadas ao longo da história” (em A Nova Corte Suprema do Reino Unido e o Controle da Constitucionalidade).

Nele não havia uma Suprema Corte nos moldes como conhecemos. Os conflitos, em última instância, eram decididos pelo Comitê de Apelações da Câmara dos Lordes, ou seja, pelo Parlamento. Os poucos parlamentares com poder jurisdicional tinham comprovada experiência em funções judiciárias. Mas, um Tribunal dentro do Legislativo gerava desconfiança.

Tal motivo levou a que se criasse, no ano de 2005, através do Ato de Reforma Constitucional, a Suprema Corte do Reino Unido (UKSC). Todavia, ela só foi instalada  em outubro de 2009, face às inúmeras providências necessárias. Entre elas, a escolha e adaptação do edifício que a abriga, edificado em 1913 no Middlesex Guildhall, próximo ao Parlamento e à Abadia de Westminster, estrategicamente no centro histórico de poder.

A Corte é composta por 12 Justices, aproveitados da Câmara dos Lordes, onde exerciam funções jurisdicionais. Seus sucessores são nomeados através de um complexo processo, sendo que o último deles, Justice Robert Carnwath, nomeado em abril de 2012, pertencia a um Tribunal de Apelação.

A UKSC pouco semelhança tem com o nosso STF. A começar  pelo número de processos. Enquanto no Brasil milhares de ações originárias ou em grau de recurso  chegam ao Supremo, na Corte do Reino Unido, de 1º de abril 2011 a 31 de março de 2012 foram recebidas apenas 249 apelações, julgadas 64,  rejeitadas 156 e cinco tiveram decisões diversas (The Supreme Court Anual Report and Accounts, 2011-2012, p. 22).

A apelação é interposta perante o Tribunal de origem e, se não admitida, permite-se à parte formular requerimento à UKSC. As custas situam-se ente 800 e 1.000 libras, ou seja, em torno de R$ 2.400,00 a R$ 3.000,00.   A tramitação dos recursos não está prevista em lei processual, rege-se pela The Supreme Court Rules 2009.

A UKSC tem missão, valores e objetivos bem definidos. A missão é assegurar o cumprimento justo e efetivo das regras de Direito e a administração da Justiça. Quanto aos valores, elegem a imparcialidade, transparência, profissionalismo, responsabilidade, eficiência, acessibilidade e influência. Os objetivos estratégicos são oito, sendo o primeiro deles manter a independência de seus juízes, de forma que eles estejam protegidos, no seu trabalho, de pressões externas. O sexto chama a atenção. Coloca como prioridade manter a diversidade dos servidores da Corte, que representem jurisdições de todo o Reino Unido.

A jurisdição da Corte baseia-se em casos de grande interesse público. O impacto de suas decisões não se destina apenas às partes envolvidas, mas sim a toda a sociedade que, direta ou indiretamente, é afetada por elas. Ela recebe apelações da Inglaterra, País de Gales, Irlanda do Norte e Escócia ― deste país excluídas as criminais.

Além de conhecer das apelações que preencham tais requisitos, a UKSC tem um relevante papel na análise da compatibilidade de sua legislação com as regras (Diretivas) emitidas pela União Europeia e a Convenção Europeia de Direitos Humanos. Neste particular ela representa uma autêntica Corte Constitucional.

Ressalte-se que o Ato Constitucional que criou a UKSC determina que suas regras sejam simples e expressas com clareza, tornando a Corte rápida e eficiente. A discussão de aspectos processuais é desestimulada. Recebida a apelação, marca-se a sessão, podendo as partes sugerir, de comum acordo, quanto tempo levará o julgamento. Normalmente, eles duram dois dias.  A Corte não julga às sextas-feiras, dia destinado  ao  preparo de novos casos. Os Justices sentam-se em uma mesa reta, defronte aos advogados. Eles decidem usualmente em Turmas de cinco, que podem aumentar para sete ou nove julgadores em casos mais complexos.

Como resultado do pequeno número de recursos conhecidos, a Corte Suprema tem apenas 42 funcionários. Cada Justice tem uma secretária e um assistente. A remuneração dos servidores varia, sendo o menor de cerca de R$ 1.250 e o maior de R$ 27.500, vencimentos estes do Diretor-Geral (Chief Executive). A preocupação com o meio ambiente é exteriorizada na economia de recursos naturais. Os gastos de energia elétrica são controlados por estatísticas e diminuíram 33% no período 2010-2011. Recentemente, foram instalados detectores nos gabinetes dos Justices e o ar condicionado só liga quando alguém entra no gabinete.

Junto à Suprema Corte funciona um órgão denominado Judicial Committee of the Privy Council – JCPC, que é a última instância para os recursos dos Tribunais Ultramarinos e países da Confederação. Dele fazem parte dez Justices da Suprema Corte. As apelações para a JCPC só são recebidas se houver permissão na Constituição do país de origem ou se o Tribunal que julgou a admitir. De 1º de janeiro de 2011 a 31 de março de 2012 foram recebidas 49 apelações e  32 foram julgadas (Annual Report, p. 31). Vejamos um caso decidido pelo JCPC.

Max Tido, natural das Bahamas foi acusado de matar, em 30 de abril de 2002,  Donnell Conover, uma adolescente de 16 anos. Donnel teria sido persuadida, através de um telefonema, a sair de sua casa, à 1h20 da madrugada, sendo horas depois assassinada. O telefonema havia sido dado de um restaurante e Max foi identificado como seu autor. Além disso, ele tinha maus antecedentes. Tal fato influenciou a decisão do juiz, que o condenou à pena de morte.

Julgando o caso, o JCPC decidiu que a pena de morte só se justifica em casos extremos, que causem revolta, e que seja evidente e impossibilidade de recuperação do acusado. No caso, o assassinato foi considerado terrível, mas não havia provas de ter sido planejado, nem que tivesse  sido praticado com violência incomum. Por tal motivo a JCPC deu provimento ao recurso, para que os autos fossem a novo julgamento na Suprema Corte das Bahamas, recomendando que em casos de pena de morte o réu fosse submetido a exame psiquiátrico.

Esta é uma visão panorâmica da UKSC e do JCPC do Reino Unido, órgãos que tendem a consolidar sua importância ao longo do tempo, influenciando a jurisprudência de outros países, tal qual ocorre hoje com a Suprema Corte norte-americana.

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