Casas de Detenção

"Risco de incêndios mantêm presos sob ameaça de morte"

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2 de março de 2013, 7h12

A tragédia na Boate Kiss, em Santa Maria, e a interdição de dois presídios em Torres, no litoral gaúcho, no início de fevereiro, acenderam a luz amarela sobre os riscos de incêndio no sistema prisional. Se as acomodações reservadas aos detentos nem de longe lembram um local de acolhimento nos moldes previstos pela Lei de Execução Penal (LEP), dado o seu depauperamento e a superlotação, os incidentes mostraram que os presos vivem sob permanente ameaça de morte.

No caso de Torres, a juíza de Direito Liniane Maria Mog da Silva, da Vara Criminal e da Vara de Execuções Criminais da comarca, determinou a interdição do Presídio Estadual Feminino e do Instituto Penal Masculino por falta de um Plano de Prevenção e Combate a Incêndio (PPCI). O presídio masculino sequer tinha extintores de incêndio. As duas casas prisionais não poderão admitir o ingresso de novos presos até que apresentem os alvarás do Corpo de Bombeiros.

A juíza afirmou que não só os presos correm risco de vida, mas também os familiares visitantes, os agentes penitenciários que lá trabalham, assim como as autoridades que inspecionam periodicamente as instalações dessas casas.

Embora os poucos episódios de incêndios em prisões estaduais tenham sido causados por rebeliões, onde são queimados colchões, o perigo constante de incêndio preocupa a Defensoria Pública do estado. É a instituição que presta serviços jurídicos não só para os detentos, fiscalizando seus direitos no cumprimento da pena, mas também para seus familiares. 

Em entrevista à ConJur, o responsável pela cordenação e fiscalização das Casas Prisionais na Defensoria, Irvan Vieira Filho, diz que os colegas que atuam em Torres vêm fiscalizando e fazendo inúmeros pedidos de interdição parcial das unidades, por detectarem ‘‘inaceitáveis ilegalidades’’. Na sua opinião, a Defensoria tem o dever de alertar o Judiciário e, juridicamente, valer-se de todos os remédios disponíveis para tutelar o direito dos presos a uma custódia digna e segura. O risco de incêndio foi um dos temas da representação do Presídio Central de Porto Alegre à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

‘‘No Rio Grande do Sul, eu arriscaria dizer que, hoje, é muito comum nos estabelecimentos penais observarmos deficiência no sistema de combate a fogo, considerando a inexistência e mesmo a impossibilidade de aprovação de um Plano de Prevenção e Combate a Incêndio’’, afirma Irvan.

Esse risco motivou um pedido de interdição total da Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ), no município de Charqueadas, no fim do ano passado. Segundo a Defensoria, um incêndio na unidade ou no Presídio Central, o maior do estado, em Porto Alegre, seria catastrófico. ‘‘A total decadência das redes elétricas e outros problemas estruturais gravíssimos tornam esses ambientes propícios para tragédias’’, constatou o coordenador.

Formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), de São Leopoldo, em 1996, Irvan Vieira trabalhou por sete anos no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul antes de ser aprovado no concurso para defensor público estadual. Entrou na área prisional dois anos mais tarde, no município de Osório. Depois, assumiu a Coordenadoria das Casas Prisionais da Defensoria. Desde abril, é ele quem orienta e administra as atividades dos 26 defensores especializados em execução penal nas Varas de Execuções Criminais das comarcas de Porto Alegre; Novo Hamburgo; Osório; Ijuí; Santa Maria; Passo Fundo; Rio Grande; Pelotas; Uruguaiana; e Caxias do Sul, além de 54 outros agentes com atribuição não-exclusiva na matéria. O grupo é responsável por atender toda a massa carcerária do estado — 28 mil homens e 2 mil mulheres. Ao longo de 2012, 37 mil detentos receberam assistência jurídica da Defensoria.

Com as alterações da LEP, promovidas pela Lei 12.313, de 2010, a Defensoria foi instituída como órgão da execução penal, ficando encarregada de acompanhar a execução da pena, podendo requerer providências necessárias e representar ao juiz da execução ou à autoridade administrativa em caso de violação das normas.

Com quatro anos de atuação na área, o defensor critica omissões do Estado, fala sobre gestão compartilhada e sinaliza os rumos da instituição.

Leia a entrevista:

ConJur — A Defensoria Pública do estado tinha conhecimento das condições de segurança dos dois presídios interditados em Torres por risco de incêndio, no início de fevereiro?
Irvan Vieira — Sim. A Defensoria, por intermédio do agente que atua na execução penal daquela comarca e atende aquelas unidades penais, tem a exata dimensão das mazelas específicas das unidades de Torres, atuando ativamente para minorá-las e reverter as ilegalidades que causam uma execução arriscada ou mais gravosa aos presos e presas. No caso deste episódio específico, a interdição veio por inspeção do próprio Juízo da Execução, de ofício, inspirado, certamente, pelo lamentável evento desencadeado no município de Santa Maria nos dias que antecederam. Merece destaque que os colegas que atuam em Torres vêm fiscalizando e promovendo inúmeros pedidos de interdição parcial daquelas unidades e requerimento de prisões domiciliares, por detectarem inaceitáveis ilegalidades. Em Torres, os presos do regime aberto estão em prisão domiciliar por força de ações da Defensoria Pública.

ConJur — É dever da Defensoria denunciar esse tipo de risco? Que outras casas prisionais apresentam o mesmo problema?
Irvan Vieira — Evidentemente. Diante das modificações introduzidas na Lei de Execução Penal, a Defensoria passou a ter a atribuição expressa de visitar periodicamente os estabelecimentos penais. Essa visita, já ensinava a doutrina especializada no assunto, não era no sentido de cortesia, mas com o propósito de possibilitar a fiscalização, passando a instituição a ter o poder e dever de adotar as providências para o adequado funcionamento das unidades penais, inclusive promovendo a apuração de responsabilidades. Então, detectada a fragilidade do sistema de combate a incêndio de um estabelecimento, gerando um risco potencial para as pessoas recolhidas, a Defensoria, evidentemente, não pode se omitir. Tem o dever de alertar o Judiciário e, juridicamente, valer-se de todos os remédios disponíveis para tutelar o direito dos presos a uma custódia digna e segura, inclusive levar os casos às cortes internacionais de proteção dos direitos humanos, quando necessário. No estado do Rio Grande do Sul, eu arriscaria dizer que, hoje, é muito comum nos estabelecimentos penais observarmos deficiência no sistema de combate a fogo, considerando a inexistência e mesmo a impossibilidade de aprovação de um Plano de Prevenção e Combate de Incêndio. Aliás, esse foi um dos temas da representação do Presídio Central de Porto Alegre à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O mesmo assunto foi um dos pontos do pedido de interdição total da Penitenciária Estadual do Jacuí, no município de Charqueadas, no fim do ano passado. Como qualquer prédio, um estabelecimento penal deve ter o Plano de Prevenção e Combate de Incêndio e, inclusive, contar com plano de evacuação urgente, em caso de sinistros como incêndios. Entretanto, isso não se observa em nossas unidades penitenciárias. De se imaginar a verdadeira catástrofe que seria um incêndio de proporções consideráveis em locais como o Presídio Central ou a PEJ. A total decadência das redes elétricas e outros problemas estruturais gravíssimos tornam esses ambientes propícios para tragédias.

ConJur — Já houve algum incidente com incêndio em presídios gaúchos? 
Irvan Vieira — Com exceção de pequenos incidentes em institutos penais, como o de Novo Hamburgo, Viamão e Miguel Dario, em Porto Alegre, em que a consequência foi a desativação e reforma da unidade e transferência dos presos, desconheço histórico recente de grandes incêndios em unidades do Rio Grande do Sul.

ConJur — Onde há maior risco?
Irvan Vieira — Hoje, quem trabalha com execução penal tem consciência de que o maior problema são os grandes presídios, que contam com expressivo acúmulo de pessoas. Nesse grupo estão o Presídio Central, a maior casa prisional do Rio Grande do Sul, que abriga cerca de quatro mil detentos; e a Penitenciária Estadual do Jacuí, a segunda maior. Isso é fruto de uma política penitenciária equivocada e que causa grandes problemas, especialmente na Região Metropolitana de Porto Alegre, onde se concentra o maior contingente populacional e, por via de consequência, de delitos. No interior, a situação tende a ser diferente, pois as unidades prisionais são menores e melhor administradas. A comunidade e as prefeituras participam bem mais da gestão, da fiscalização e da manutenção destes presídios. Claro, existem algumas unidades pequenas que apresentam grandes problemas, como os do Central.

ConJur — Se um detento morrer queimado ou ficar inválido, o Estado paga indenização?
Irvan Vieira — Isso está relacionado à questão da responsabilidade civil do Estado, que pode advir de quaisquer danos à saúde ou à vida de um preso que esteja sob custódia da administração pública. A partir do momento em que o Estado tem a custódia de uma pessoa, é responsável pela sua integridade física, saúde física e mental. Quando o Estado se omite diante do dever legal de impedir a ocorrência de danos, pode ser responsabilizado civilmente e obrigado a reparar os prejuízos patrimoniais e morais, mediante o pagamento de indenizações, inclusive à família do preso, que, dependendo da situação concreta, pode, sim, ter direito a um pensionamento. Os valores não são tabelados, dependem das circunstâncias de cada caso. Nessas hipóteses, os custos de possíveis indenizações recairiam sobre a própria sociedade, não sendo, pois, admissível a perpetuação do discurso de alguns que julgam impertinente o gasto do dinheiro público com presos.

ConJur — Nesse cenário, o Judiciário acaba solucionando um problema do Poder Executivo estadual?
Irvan Vieira — Exatamente. Mas, atenção: o Poder Judiciário não tem o dever de administrar o sistema prisional. O juiz é um garantidor de direitos daquelas pessoas que estão recolhidas, não um administrador do sistema. Se intencionar fazê-lo, pode deixar de lado a sua necessária imparcialidade e, logo, estará padecendo das mesmas vicissitudes governamentais, de justificar ilegalidades evidentes com o argumento da ‘‘reserva do possível’’ [condição de realidade que estabelece a sujeição dos direitos fundamentais prestacionais aos recursos existentes]. Esse tipo de pensamento nos levou ao caos que hoje assistimos no sistema prisional.

ConJur — Qual a importância da participação de agentes públicos municipais e da comunidade na gestão dos presídios?
Irvan Vieira — Parece ser ponto pacífico que as unidades administradas exclusivamente pelo estado perdem muito em eficiência e fiscalização. É o caso dos grandes presídios nos maiores centros urbanos. Por outro lado, a gestão melhora sensivelmente quando há unidades pequenas com o envolvimento da comunidade. Temos de considerar, também, que é mais fácil gerenciar o atendimento jurídico, a questão da assistência à saúde etc, numa unidade que abriga 100 presos, por exemplo. Imagine oferecer assistência médica para uma massa carcerária formada por cinco mil presos, onde as galerias são dominadas pelo tráfico?

ConJur — A gestão compartilhada seria uma solução?
Irvan Vieira — Já existem discussões sobre o compartilhamento da execução da pena. Inclusive, se fala até na municipalização da execução criminal e do aprisionamento. Hoje, a experiência mais exitosa que se tem notícia são os métodos da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac), empregados em Minas Gerais. Esse método é muito interessante porque retira a execução penal da mão do Estado, entregando-a à Apac. O projeto nasceu em São Paulo, mas deu certo, mesmo, foi em Minas, porque o Judiciário, o governo do estado, o Ministério Público e a Defensoria encamparam a ideia. E tanto frutificou que já se tornou um novo paradigma de execução penal. Atualmente, cerca de 4% dos presos daquele estado, quase dois mil dos 50 mil presos, dos três regimes prisionais (fechado, semiaberto e aberto), cumprem pena no método Apac, em estabelecimentos em que não há presença de servidores do Estado (agentes penitenciários) e não se observam as mazelas do sistema convencional.

ConJur — De onde surgiu a ideia?
Irvan Vieira — Conceitualmente, é uma metodologia que se baseia em 12 elementos que visam à modificação do trato prisional, dando ao homem preso condições de se recuperar e se reintegrar à sociedade. A Apac é uma entidade civil de direito privado, com autonomia administrativa e jurídica, que administra estabelecimentos chamados de Centros de Reintegração Social de Presos, onde desenvolve um método de valorização humana, vinculada à evangelização. Em Minas Gerais, as Apacs são mantidas, principalmente, pelo convênio entabulado com o Estado, custando aos cofres públicos um terço do valor que seria despendido para a manutenção do preso no sistema comum. A principal diferença entre a Apac e o sistema prisional comum é que, nela, os próprios presos — chamados de ‘‘recuperandos’’ — são corresponsáveis pela sua recuperação e têm assistência espiritual, médica, psicológica e jurídica prestada pela comunidade. A segurança e a disciplina do CRS são asseguradas com a colaboração dos recuperandos, tendo como suporte funcionários, voluntários e diretores da entidade, sem a presença de policiais e agentes penitenciários.

ConJur — Privatizar o sistema prisional seria viável? No Espírito Santo, existe um exemplo que deu certo.
Irvan Vieira — Temos receio em falar de privatização do sistema prisional. A Defensoria Pública não vê com bons olhos essa alternativa. O método Apac, sim, porque ele não trabalha com o conceito de privatização, mas com a autogestão. Ou seja, a associação dos próprios condenados é que gerencia a execução, exercendo controle e fiscalização. A privatização, embora gerencie e fiscalize também, tem como fundo do seu objetivo o lucro, o que não é o caso das Apacs. Precisamos ter um pouco de cuidado com isso, para não subverter os objetivos da execução penal. O receio é que tudo vire um grande negócio, divorciado dos objetivos da LEP. Na verdade, o aprisionamento de pessoas já é considerado um grande negócio no Brasil. São cerca de 500 mil detentos, entre presos provisórios e em cumprimento de pena. Prover insumos, infraestrutura e serviços para todo esse público movimenta a economia brasileira.

ConJur — Juridicamente, quais são as maiores necessidades dos detentos?
Irvan Vieira — As maiores aflições de uma pessoa que se encontra recolhida estão diretamente relacionadas ao fator tempo, que tem uma dimensão dramática para quem é privado de sua liberdade. Uma vez implementado em toda sua amplitude, o atendimento integral e gratuito da Defensoria Pública no interior de cada unidade penal — ou seja, superada a questão do pleno acesso à Justiça —, devemos começar a refletir em mecanismos tecnológicos para diminuir o tempo que envolve os diversos fatores relacionados ao aprisionamento. Por exemplo, reduzir o tempo para que o Estado-Defesa detecte que uma pessoa tem direito a algum benefício execucional, como o livramento condicional, é algo perfeitamente possível, observando a evolução da tecnologia. Detectado esse direito, reduzir o tempo de resposta do Estado-Juiz é outro desafio facilmente superável por essa esperada evolução tecnológica. Isso sem cogitar na necessidade da redução drástica do tempo de julgamento das pessoas provisoriamente presas. Nessa linha, tenho destacado a necessidade de implantação urgente do processo de execução penal de forma virtualizada no estado do Rio Grande do Sul, a exemplo do que já se observa em outros estados da Federação, pois tenho certeza de que isso seria decisivo para diminuir a permanência desnecessária de uma pessoa no sistema prisional.

ConJur — O que a Defensoria tem feito para atingir esses objetivos?
Irvan Vieira — Em 2012, a Coordenadoria das Casas Prisionais promoveu a implantação de um programa de computador que objetiva auxiliar os defensores nos atendimentos prestados no interior do cárcere, permitindo cadastrar os presos provisórios e definitivos e seus respectivos históricos prisionais. O chamado “Sistema Integrado de Gerenciamento de Atendimentos em Unidade Penal” é uma ferramenta a permitir que, hoje, um defensor atenda a um preso e agende a formulação de um requerimento para o futuro, evitando o segundo contato com essa mesma pessoa pelo mesmo motivo. Na data em que implementado o direito, o defensor é avisado pelo programa e formula o requerimento, sem necessidade de pedido do preso. É simples. É fácil. É, também, extremamente eficaz. Observe-se que, no cumprimento de uma pena privativa de liberdade, há inúmeras rotinas puramente matemáticas. O investimento em tecnologia específica para essa finalidade poderia representar uma verdadeira revolução no âmbito prisional.

ConJur — Há atendimento para todas as demandas jurídicas na Defensoria?
Irvan Vieira — Temos um quadro de quase 400 defensores públicos, nas mais diversas especialidades do Direito, para prestar assistência jurídica nas questões relacionadas à esfera da Justiça comum estadual. Desse contingente, existem defensores com atribuições especializadas em execução criminal. Em Porto Alegre, por exemplo, temos uma equipe com 12 defensores que só atuam na área prisional: atendem as várias unidades penais, também no Instituto Psiquiátrico Forense (IPF), e atuam nos presídios estaduais diretamente nas VECs e na Vara de Medidas e Penas Alternativas. Em Novo Hamburgo, na Região Metropolitana de Porto Alegre, onde tem uma expressiva VEC Regional, também há seis defensores especializados. No interior do estado, com VECs menores, que gerenciem, por exemplo, 300 detentos, os defensores não têm atribuição exclusiva. Resumindo, temos as três figuras: o defensor ‘‘clínico geral’’, que faz tudo numa unidade judiciária pequena; o defensor de comarca média, que faz o atendimento nas Varas Criminais e também se ocupa da execução penal; e os defensores com atribuições exclusivas, com aquilo que chamamos de ‘atendimento integral especializado’, sempre nos grandes centros populacionais de presos — Osório; Ijuí; Santa Maria; Passo Fundo; Rio Grande; Pelotas; Uruguaiana; e Caxias do Sul —, principalmente em Porto Alegre e Novo Hamburgo.

ConJur — Há uma regra sobre a carga de trabalho para cada defensor? 
Irvan Vieira — O Conselho Nacional dos Defensores Públicos Gerais traçou uma diretriz no sentido de que cada grupo de 600 pessoas encarceradas tem de contar com atendimento de pelo menos um defensor especializado; ou seja, aquele com dedicação exclusiva na execução. No Rio Grande do Sul, estamos nesse patamar.

ConJur — O tráfico de drogas já é motivo de um terço das condenações. Isso merece providências extras das autoridades prisionais, responsáveis por vigiar chefes do tráfico que estão encarcerados?
Irvan Vieira — Pela minha experiência, arriscaria dizer que esse percentual é bem maior. É preciso considerar que existe a vinculação direta e a indireta com o tráfico — como os roubos, os furtos e os homicídios decorrentes. Se agregarmos todos os crimes correlatos, esse percentual chegaria a 80%. Entretanto, a questão do tráfico deve ser enfrentada exclusivamente pelas polícias, que, inclusive, podem monitorar os popularmente chamados de “chefes do tráfico” que se encontrarem recolhidos no sistema prisional. Não creio que essa questão do aumento expressivo da criminalidade vinculada ao tráfico ilícito de entorpecentes, que é um problema social e não exclusivamente prisional, deva receber uma providência diferenciada das autoridades prisionais, na seara repressiva, diversa da manutenção da disciplina. O esforço da administração prisional deve concentrar-se no sentido de fornecer o devido tratamento contra a dependência química e promover formas de evitar a opressão no interior do cárcere. Entendo que a observância estrita das distribuições de competências no sistema de segurança pública é absolutamente necessária para que ele cumpra o seu papel e, efetivamente, garanta a segurança dos integrantes da sociedade. Acredito que o papel das autoridades prisionais, no prisma da segurança pública, é aquele que está definido expressamente na LEP, ao prever que a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições da decisão condenatória e proporcionar condições para a harmônica integração social das pessoas condenadas ou internadas. Não podemos esquecer que, como regra, todos os presos, um dia, cumprirão as penas e sairão dos presídios. A administração prisional, como integrante do sistema de segurança pública, tem o papel de fazer com que ele saia melhor do que entrou, reinserido socialmente.

ConJur — Qual sua expectativa sobre as alterações na Lei de Drogas, de autoria do deputado Osmar Terra (PMDB-RS)? Recrudescer a execução é uma solução?
Irvan Vieira — Como não tive contato com a minuta do projeto de lei, me abstenho de comentá-lo. De tempos em tempos, volta a discussão sobre recrudescimento da execução, como se o aumento das penas fosse solucionar o problema da criminalidade. A Defensoria tem uma posição clara a respeito: aumentar penas não resolve os problemas da segurança pública.

ConJur — A minuta prevê a internação forçada de dependentes químicos, desde que a pedido da família e com recomendação médica. 
Irvan Vieira — A própria Defensoria já se vale do mecanismo de internação compulsória, ingressando diariamente com ações nesse sentido. A internação compulsória como pena é algo a ser melhor refletido por mim e pelos demais operadores do Direito. O receio que me vem, inicialmente, seria se teríamos estabelecimentos adequados para conter e ministrar um tratamento, de forma compulsória, a todas as pessoas que necessitariam cumprir esse tipo de reprimenda. Teria o Estado estrutura para submeter todos ao tratamento forçado? E onde seria esse tratamento? Se for uma forma de privar alguém de sua liberdade em estabelecimentos similares ao que temos no sistema prisional, sou radicalmente contra.

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