Questões éticas

Saiba como pensava Roberto Civita, o criador de Veja

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27 de maio de 2013, 16h09

Em um depoimento para um livro sobre a corrupção na imprensa, que acabou não sendo publicado, o empresário e jornalista Roberto Civita — que morreu neste domingo (26/5), aos 76 anos — exibe uma de suas características. Ele era capaz de dar as opiniões mais chocantes como se estivesse falando de seu fim de semana com os netos.

O depoimento é antigo. Data de janeiro de 1989, quando o governo José Sarney já estava na sua reta final. Mas guarda certa atualidade no que diz respeito ao drama da venalidade no negócio da imprensa. Certamente, no curso dos governos petistas, Roberto Civita não repetiria que considera os jornalistas cruéis demais para com o governo — o que poderia ser verdade nos anos Sarney.

As menções que faz referem-se, basicamente todas, à revista Veja, sua menina dos olhos, por ter sido planejada, concebida e esculpida por ele nos menores detalhes. Durante os primeiros anos, o empresário fazia questão de não ler a revista antes da publicação. Mas a cada segunda-feira devolvia um exemplar todo corrigido, como uma prova aplicada a aluno relapso. Foi o critério que ele usou para montar uma redação à sua imagem e semelhança. 

"Mino, melhor dividir as cartas por assuntos e não por cidades de origem dos missivistas", ensinava ele, candidamente. Roberto Civita usava de lógica cartesiana para dar dinâmica à leitura e facilitar a visualiação de elementos na página. Nessas correções, o editor insistia para que críticas opinativas e resenhas deveriam ter a assinatura do autor ou que números na casa do bilhão ou milhão deveriam ser grafados de forma reduzida para não confundir o leitor. Quem teve acesso a essa coleção de revistas não duvida que foi o dono e não seus contratados que deram forma à publicação.

Leia o depoimento de Roberto Civita: 

“As mesmas tentações que se oferecem a quem está na trincheira se oferecem a quem está no comando também. O jogo do custo, da oferta e da troca de favores e represálias é permanente. Agora acho que tudo depende da postura básica do órgão.

O papel da direção é o de dar o tom, estabelecer as diretrizes. Se você não dá o exemplo em cima, não terá integridade na base. Eu estava aqui nesta sala com o Odylo Costa, Filho, quando me telefonou um ministro. Ele queria que Realidade cobrisse a inauguração de uma rodovia. “Olha, Roberto, vamos inaugurar tal rodovia neste sábado e há duas passagens à disposição para um fotógrafo e um repórter”. Sem arrogância, eu expliquei ao ministro que se o fato interessasse à revista nós mesmos arcaríamos com as despesas, mas se não interessasse, seria inútil mandar as passagens.

O Odylo ficou perplexo e disse que eu não poderia falar assim com um ministro. É provável que o ministro tenha se assustado, possivelmente porque esse tipo de oferta fosse uma coisa consagrada. Mas sempre agimos assim e acho que fizemos muito bem. Eu não posso exigir de ninguém o que eu não puder fazer, em termos de comportamento ético.

“Eu gostaria de colocar quatro pontos de vista sobre esse assunto, que são as coisas que ouço diariamente de empresários políticos e todo mundo com quem converso:

“1 – Quem está na trincheira é da esquerda para lá. No mínimo PT. E está aí para distorcer, denegrir. De nada adianta a direção da empresa estar comprometida com a livre iniciativa e tudo o mais porque lá embaixo estão contra;

“2 – As redações se vingam das minhas ligações. Têm ciúme. Um claro sinal de imaturidade, é óbvio que tem de haver contatos de cúpula.

“3 – O governo é visto com excesso de crítica. Não existe tentativa de elogiar o elogiável. Não existe acerto. Como se fosse possível num universo de milhares ou centenas de autoridades se estar fazendo tudo errado, tudo contra o país. É evidente que isso não é possível;

“4 – Os jornalistas que cobrem o governo não entendem o que é importante. O despreparo é assustador. É inacreditável o índice de fofocas, intrigas e sacanagens que se procura. Não se enfoca o que é verdadeiramente essencial.

Eu gostaria de maior clareza de quem cobre o conjunto do que quem cobre a parte. Ou seja, minha expectativa é maior em relação ao material de Brasília. Por isso é imprescindível não se esquecer o essencial. Agora você não terá o essencial se os repórteres estiverem agindo como uma matilha de cães enraivecidos em torno da crise da raposa. 

O favor recebido da fonte, por outro lado, neutraliza a isenção. Na política básica da Abril não se prevê a possibilidade de manutenção de conflitos de interesses. Tudo o que vicia o seu comportamento ou isenção ou dever, deve ser evitado. Se você não pode comer num dia, ou beber em três, o presente que recebeu, devolva. Não esteja à venda. Não importa o valor e nem adianta buscar atenuantes. (Lembra a história da madame e Churchill – “o que a senhora é, nós já discutimos, agora estamos tratando do preço”). Colunas sociais e suas práticas, por exemplo, é um absurdo. Inacreditável que um órgão saiba o que ocorre e deixe.

 A questão ética básica é essa: estamos todos à venda ou temos algumas obrigações para com a sociedade e com a nossa consciência? Se a direção estiver à venda – em troca de favorecimentos – porque o meu repórter não poderá aceitar um emprego? Não há mistério. No fundo é tudo muito simples. No fim, está a sempre a mesma pergunta: “Porque o leitor nos compra? Nosso maior patrimônio é a nossa credibilidade. São anos para consegui-la e uma edição apenas para perdê-la.” 

Clique aqui para ver a imagem ampliada, com correções de Roberto Civita na edição de Veja de 1º de julho de 1968. O fac símile é de umas das edições “número zero” de Veja, período de ensaios em que a redação produzia edições que ainda não chegavam ao público:

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