O livro da vida do professor Joaquim Falcão
25 de maio de 2013, 14h39
*Depoimento concedido a Marcelo Pinto
Se o Ibope da Globo baixava, ele sistematicamente, diz a lenda, não se incomodava. Agia. Mandava mudar o rumo da novela, decapitava personagens, refazia a grade, tudo para o Ibope da Globo voltar à liderança com a folga que sempre manteve. Não brigava com o telespectador nem com a realidade. O seu sucesso se alimentava de conhecer o bom e o mau Ibope.
Nesta época, eu estava lendo um livro admirável que nada tinha a ver com televisão ou novelas. Um livro de história. De uma das maiores historiadoras americanas: Barbara Tuchman. O José Antonio Lavareda que me indicara. Seu título: A Marcha da Insensatez: De Tróia ao Vietnã (Editora José Olympio).Tuchman faz uma pergunta simples: por que alguém que tem tanto poder, perde o poder depois de algum tempo? Por que Tróia coloca o cavalo grego dentro de seus muros? Por que, em 1470, a Igreja Católica perde para Lutero? E a Inglaterra, em 1700, perde a América? Por que os Estados Unidos perdem o Vietnã? Por que o poder se esvai?
Tuchman analisa saborosamente estas histórias, com saber documentado e imaginado, pois nem só de documentos se fez a história. Levanta uma tese intrigante. Depois de certo tempo, quem tem poder absoluto só gosta de receber boas notícias. Cria involuntariamente em volta de si, cortes e cortesãos, bajuladores, imprensas oficiais, rigolettos, clippings favoráveis. Ou seja, criam em volta de si, às vezes até institucionalizam, um “processo seletivo de boas notícias”. Com a cumplicidade dos que se beneficiam do poder.
Com isto, vai pouco a pouco deixando de compreender a realidade total sempre conflituada. A realidade que cerca o poder vai diminuindo, se transformando, e o poderoso acaba imaginando-se em outra realidade. E aí não pode mais exercer o controle sobre a realidade, digamos, real. Vive na realidade imaginada até ser deposto. Quando as más notícias chegam, não há mais tempo.
Esta hipótese de Tuchman se aplica além desses episódios. A loucura, por exemplo, é a síntese ou resultado final de um patológico processo de autodesconexão da realidade. Louco seria aquele que sai da realidade, imagina outra, e aí não mais se controla, não mais sabe viver nem conviver.
Quantas empresas, como agora as indústrias fonográficas, perderam seus mercados, vídeos e CDs, porque não perceberam que a questão não estava nos consumidores que compravam produtos piratas, nem em colocar mais polícia ou incrementar o combate à pirataria para manter seus reinos. Mas que se tratava, na verdade, de se investir em tecnologia para se modernizarem e se expandirem? Alimentaram-se falsamente de alianças com a lei, o atraso e a polícia. Não funcionou.
Mais ainda. Quantas pessoas perdem a mulher amada, simplesmente porque não as sabe escutar, compreender, ver suas realidades, compreender suas opiniões contrárias, mas favoráveis. E, simplesmente, pretendem impor-se como desejo de seu próprio desejo?
Não seria este processo de “seletividade das informações convenientes” o fundamento da ilegitimidade do poder? Vejam agora, por exemplo, a transformação importante que está ocorrendo, aqui, com muitos percalços, no Supremo Tribunal Federal? Quando o STF está em sintonia com a opinião pública, ele se fortalece. Isto ocorre, por exemplo, quando produz discussões a tempo, e ouve a opinião pública. Estava em sintonia com os cidadãos. Quando o Supremo se perde em discussões teóricas inacabáveis de direito processual, recursos, agravos, embargos, e não produz decisões a tempo, ele pode ter o brilho teórico, mas abre mão do que é sua razão de ser: decidir a tempo.
Não sei se está claro a importância deste livro. Não é porque, ao ler, ganhei em melhor compreender Tróia, Lutero, Jorge III ou Westmoreland. Mas, sim, porque o livro me deu um método de análise, muito além dos acontecimentos históricos. Foi capaz de me ajudar a compreender a importância da informação real para o poder, as empresas, o amor e a saúde mental.
Os livros que me encantam são os que aumentam, em mim, a capacidade de analisar e compreender. A propósito, quando leio um livro, leio sempre além do livro. É enriquecedor.
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