Fim da privacidade

Estados reagem ao uso de drones para vigilância nos EUA

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25 de maio de 2013, 5h19

Sorria. Você está sendo filmado. Agora, em seu quintal, diretamente do espaço. Esse é o sentimento dos americanos — incluindo legisladores estaduais e profissionais do Direito — diante do novo programa de drones domésticos do governo americano. Mais de 30 mil drones devem ser lançados ao espaço aéreo do país até 2015. Mas os estados americanos estão reagindo com leis "antidrones", antes que os Estados Unidos — e não qualquer nação totalitária do planeta — se torne a sociedade mais vigiada do mundo.

A Flórida foi o primeiro estado a aprovar uma lei que tenta proteger a privacidade da população e o direito individual de cada cidadão de não sofrer "buscas e apreensões" sem mandato judicial. Logo em seguida, mais três estados — Idaho, Virgínia e Montana — aprovaram "leis copiadas" (copycat laws). E 32 estados estão discutindo legislação semelhante.

Em seu pronunciamento desta semana, o presidente Obama prometeu reduzir ataques com drones em outros países, em sua "guerra ao terrorismo", e disse que nenhum presidente deveria autorizar o uso de drones armados no solo americano, para atacar seus próprios cidadãos. Mas não falou nada sobre os drones domésticos usados para vigilância e outras finalidades.

A nova lei da Flórida proíbe o uso de drones pela Polícia e demais órgãos de segurança para obter provas ou qualquer outro tipo de informação dos cidadãos da Flórida. Estabelece que, se um cidadão for "vítima" de buscas e apreensões ilegais, em "violação desta lei e da Constituição do país, ele pode mover uma ação judicial civil para impedir ou remediar tal violação".

A aprovação da lei da Flórida foi uma demonstração de uma espécie de rebelião política contra o governo federal. O Senado estadual passou primeiro a medida legislativa, em uma votação que terminou 39 a 0 a favor da lei. A Câmara dos Deputados estaduais não deixou por menos. Passou a lei em uma votação de 117 a 0.

Mas, infelizmente, a lei não é perfeita, segundo alguns parlamentares. Ela abre uma exceção perigosa aos direitos constitucionais dos cidadãos ao autorizar o Departamento de Segurança Nacional lançar um drone sobre a Flórida se isso for necessário "para combater um alto risco de ataque terrorista por um indivíduo ou organização". Isso abre portas para o órgão de segurança violar a Quarta Emenda da Constituição dos EUA, ao fazer buscas e apreensões sem mandado judicial e sem causa provável — eles reconheceram.

A indústria dos drones, que começa a florescer no país, com o apoio do governo federal, já disparou uma campanha de relações públicas para conter os ânimos antidrones — a começar pelo nome do produto, que eles querem que seja chamado de "veículos aéreos não tripulados", em vez de drones, que são máquinas aéreas já associadas ao assassinato indiscriminados de pessoas no Afeganistão e no Iêmen — incluindo cidadãos americanos.

A campanha explica que os drones representam um desenvolvimento tecnológico que pode ser muito útil para a sociedade. E isso é fácil de comprovar. Os drones já são usados, por exemplo, na avaliação de danos causados por desastres naturais, em buscas de pessoas desaparecidas em florestas e montanhas, no patrulhamento das fronteiras, no monitoramento da vida selvagem, no transporte de medicamentos, equipamentos médicos e alimentos a regiões de difícil acesso, entre outras coisas.

E seu uso vem se ampliando em diversas áreas de atividade empresarial ou cultural. Por exemplo, os drones começam a ser usados na agricultura, em substituição a aviões, para espalhar inseticidas de uma forma mais localizada. Cineastas estão usando drones em filmagens, em vez de helicópteros ou aviões. Agentes imobiliários também os usam para fazer vídeos de grandes propriedades. Um restaurante que vende tacos (um lanche de origem mexicana) na Califórnia, tem um drone que faz entregas na Bay Area de San Francisco, o TacoCopter.

Segundo a campanha, a indústria dos drones pode criar 100 mil empregos e render US$ 82 bilhões até 2025, só no mercado interno. A campanha não fala sobre isso, mas os defensores das liberdades individuais falam: o interesse em drones ultrapassa o mercado interno, porque vários países já tentam adquiri-los — especialmente alguns países ainda com características totalitaristas, que não sentiriam nenhum constrangimento em colocar drones em seu espaço aéreo para vigiar os próprios cidadãos. Isto é, o interesse não é apenas comercial.

Os defensores dos drones explicam que, na verdade, os aparelhos podem ser muito úteis para a Polícia. Por exemplo, os policiais podem usar drones para avaliar uma situação em que criminosos mantêm pessoas inocentes como reféns, uma operação que atualmente é feita com o uso de helicópteros. Há uma economia de custos na operação. E uma grande economia, no casos em que os criminosos têm a capacidade de derrubar qualquer veículo aéreo. Nesse caso, é melhor perder um drone do que um helicóptero e a vida dos tripulantes.

Também serve para a Polícia perseguir um criminoso em fuga, com o devido mandado judicial. A legalidade dessa ação ainda é nebulosa. Várias entidades acusaram a Polícia de Los Angeles (LAPD) de usar drones na captura de um ex-policial que matou dois colegas. A LAPD negou.

Mas o ponto mais sensível é o da privacidade das pessoas. Um drone pode vigiar um "suspeito" 24 horas por dia, sete dias por semana, 52 semanas por ano, sem interrupções, sem se cansar. Pode seguir uma pessoa a todos os lugares, do momento que sai de casa ao que retorna, orientados, por exemplo, com sinais de telefones celulares ou de GPS.

Podem ser equipados com câmaras de vídeo e fotográficas high-tech, com raios infravermelhos para funcionar no escuro, além de escaneadores e outros sensores para conduzir operações de vigilância ou de perseguição com relativa facilidade.

Podem ainda ser equipados com armas — não com armas fatais, como os foguetes que destroem casas inteiras no Afeganistão ou no Iêmen. Eles podem ser equipados, por exemplo, com dispositivos que emitem eletrochoques ou com munições químicas que podem servir, entre outras coisas, para dissipar manifestações públicas de protesto não autorizadas pelos governos.

Para os defensores dos direitos individuais, esse é o novo bicho-papão do Século XXI. São robôs voadores, que poderiam também ser chamados de aranhas voadoras — flying spyders, em uma analogia como os sistemas de busca da Internet e também por sua aparência —, que podem pesar menos de 25 libras (pouco mais de 11 quilos) e ter um preço acessível a todos os departamentos de Polícia do país e a que mais quiser ser o feliz proprietário de um drone.

Os americanos já convivem com outras colisões entre os direitos individuais e as armas usadas pelos órgãos de segurança para vigiá-los. Telefones celulares e dispositivos GSP já podem ser usados para rastrear pessoas e carros. E-mails e navegação pela internet já são monitorados. Registros de conversações por telefones residenciais podem ser obtidos das companhias telefônicas.

Em um artigo recente, a revista The Economist afirmou que a privacidade vem erodindo há décadas. E pergunta se, em alguns anos, vai sobrar alguma privacidade. Com os drones, ela vai literalmente para o espaço, entendem os defensores das liberdades individuais.

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