Direito sem Papel

Insegurança na comunicação eletrônica de ato processual

Autor

  • Alexandre Atheniense

    é sócio de Alexandre Atheniense Advogados coordenador do Comitê de Direito Digital do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa) membro das Comissões de Proteção de Dados Pessoais da OAB-MG e Direito Digital no Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB).

24 de maio de 2013, 17h58

Spacca
Segundo a Lei 11.419/2006, as comunicações processuais poderão ocorrer pelo Diário da Justiça Eletrônico (DJe) ou pelo Portal de Intimações, ou seja, numa área de acesso restrito ao advogado destinatário, identificando-se para acesso mediante certificado digital, sem publicidade nem possibilidade de acompanhamento pelo advogado adverso.

A efetivação de intimações em área de acesso privativo entre o tribunal, o advogado e parte citada ou intimada viola o princípio da transparência dos atos processuais, na medida em que veda até mesmo ao advogado da parte contrária tomar ciência da sua realização para acompanhar o ato processual subsequente (perda do prazo ou consultar a eventual manifestação). Some-se ainda o fato de que este formato priva o próprio destinatário do ato de prova da (não) realização.

Por meio do Portal de Intimações, será impossível produzir prova negativa inequívoca, quando ocorrer falha do sistema no ato da comunicação eletrônica. Apesar de existir previsão do Portal de Intimações na Lei 11.419, e expressa dispensa de publicação no DJe, incide restrição à publicidade processual contemplada nos artigos 5º, inciso LX e 93, inciso IX da Constituição.

A desnecessidade de publicação de atos intimatórios e citatórios pelo DJe torna vulnerável o controle dos prazos processuais, uma vez que as comunicações desta natureza são tradicionalmente monitoradas ao longo de décadas de maneira uniforme por diversas empresas prestadoras de serviços que geram diversos alertas diários para conforto dos intimados.

Com o advento do DJe em diversos tribunais, a importância deste serviço se notabilizou pelo fato de que o controle do monitoramento é efetuado de maneira consolidada em vários tribunais simultaneamente, pois quase todos os tribunais brasileiros adotaram o DJe como meio de comunicação eletrônica dos atos processuais e, por este motivo, a informação é distribuída por uma única mensagem eletrônica diária, o que facilita o gerenciamento das atividades diligenciais.

A opção pela dispensa da publicação de atos processuais pelo DJe, sobretudo quanto aqueles que geram diligenciamento processual vinculado a prazo, fará com que o controle de prazos seja mais demorado, pois demandará acesso individualizado diário a cada portal a ser pesquisado, e menos eficiente — seja para o procurador ou mesmo para o tribunal, pois o fluxo de acesso ao site do tribunal em busca das informações no portal poderá sobrecarregá-lo e torná-lo indisponível.

No formato atual, com o painel de intimações, haverá inúmeros acessos de pessoas que não terão intimações a serem recebidas. Por outro meio, que permita a consulta por terceiros, minimizará tais ocorrências, na medida em que, em regra, apenas o prestador de serviço acessará as informações e filtrará as intimações e citações existentes e as compartilhará com os destinatários efetivos.

A alternativa de vincular a comunicação apenas pelo portal demandará uma mudança radical da cultura existente por décadas no controle de prazos processuais. Isso porque o formato da intimação apenas pelo portal exigirá também uma atividade diária proativa do intimado para tentar acesso em diversos sites de tribunais , ao invés de continuar a receber a mesma informação de forma passiva como sempre ocorre, colocando em risco o controle de prazos de profissionais que possuem grande número de processos em diversos tribunais.

Ao dispensar a veiculação da intimação no DJe, a Lei 11.419 não autorizou o tribunal a adotar um canal de comunicação exclusivo entre o órgão jurisdicional e o destinatário da intimação, privando, ou no mínimo dificultando, a parte contrária e os jurisdicionados a tomarem ciência das decisões e a intimações.

Além disso, esta medida vai prejudicar sobremaneira a prestação de serviços de grande valia para o advogado, como aqueles que provêm comunicação por e-mail dos atos processuais pesquisados a partir do DJE. Haverá grandes, ou até intransponíveis, dificuldades  de filtrar as comunicações eletrônicas que estiverem no portal de intimação, pois estes dados, da forma como foram concebidos, são de acesso restrito do advogado que estiver vinculado ao processo eletrônico.

Os riscos e vulnerabilidades do painel de intimações
A intimação de uma parte processual, a rigor, precisa ser do conhecimento também da parte contrária, para acompanhar eventual manifestação ou decurso do prazo para impulsionar o processo, em respeito ao contraditório e evitando surpresas.

Da forma como está concebido atualmente, o painel de intimações não permite ao advogado utilizar serviço de “eficiência” com o qual está historicamente acostumado, em decorrência do serviço prestado por empresas que reúnem todas as intimações destinadas a determinado advogado em diversos órgãos e as remete em um único documento.

A comunicação dos atos processuais em meio exclusivamente eletrônico priva os jurisdicionados e a sociedade de conhecer os julgamentos, exigindo esforço para consultar individualmente cada um dos autos e verificar se houve decisão e o seu teor.

Como solução para harmonizar os preceitos legais com as rotinas sistêmicas referentes aos atos processuais de comunicação eletrônica, bem como aferir menor vulnerabilidade quanto à produção de prova e eventuais erros sistêmicos, a sugestão é não mais existir divulgação dos atos processuais em um canal de comunicação privativo entre o tribunal e o advogado destinatário. Deve ser permitida consulta pública a todas as intimações filtradas pelo registro na OAB do advogado por terceiros ou pelo status (pendente, prazo fluindo etc.).

Esta proposição permite tanto a consulta por terceiros que prestam serviços agregadores de intimações para advogados, como também o recebimento de intimações pelo advogado que necessite ter acesso a estas informações e que esteja temporariamente sem o seu certificado digital.

Embora a Lei 11.419/2006 preceitue no artigo 5º a adoção da intimação por portal com a dispensa de publicação do ato pelo DJe, esta dispensa não é obrigatória. A limitação da comunicação eletrônica dos atos processuais apenas pelo portal é prejudicial. Ela restringe a acessibilidade e o compartilhamento da informação em vários aspectos:

— Impede os procuradores e os jurisdicionados de produzirem prova negativa em relação a eventual erro do sistema;
— Impede a ciência de todos os atos de intimação, deixa mais vulnerável o controle das publicações;
— Aumenta o tráfego de acesso aos dados no sites do tribunal;
— Impede que os procuradores continuem a receber informações processuais passivamente pelo serviços destinados a esta finalidade, como ocorre há décadas, sem a necessidade de dispêndio de tempo para acessar a vários portais periodicamente;
— Impossibilita o recebimento das intimações passivamente por terceiros nos casos de óbito, doença, férias e ausência temporária do intimado;
— Limita a simples consulta às comunicações processuais àqueles que estejam cadastrados no sistema e possuam certificado digital. Da mesma forma, a manutenção deste requisito tecnológico afeta a acessibilidade, pois restringe o uso de dispositivos móveis de comunicação — tablets e smartphones — para acesso das intimações;
— A intimação de uma parte processual, a rigor, precisa ser do conhecimento também da parte contrária, para acompanhar eventual manifestação ou decurso do prazo para impulsionar o processo, em respeito ao contraditório e evitando surpresas;
— Da forma como está concebido atualmente, o painel de intimações não permite ao advogado utilizar serviço de “eficiência” com o qual está historicamente acostumado, em decorrência do serviço prestado por empresas que reúnem todas as intimações destinadas a determinado advogado em diversos órgãos e as remete em um único documento;
— A comunicação dos atos processuais em meio exclusivamente eletrônico priva os jurisdicionados e a sociedade de conhecer os julgamentos, exigindo esforço para consultar individualmente cada um dos autos e verificar se houve decisão e o seu teor.

Importante distinguir que a restrição à publicidade dos autos processuais, regulada pela Resolução CNJ 121/2010, da publicidade das comunicações processuais. Estas últimas não são atingidas por aquela resolução e não devem sofrer nenhum tipo de restrição.

Por estes motivos é recomendada a manutenção da publicação dos atos processuais no DJe, pois, no meio eletrônico, é fácil enviar automaticamente a informação para o DJe, sem necessidade de intervenção humana, o favorece a incidência de erros.

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