Informação pública

Transparência fiscal não pode mais ser exceção

Autor

  • Mariana Pimentel Fischer Pacheco

    é pesquisadora do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) professora do programa de pós-graduação lato sensu da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (Direito/GV) e doutora em Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Pernambuco.

23 de maio de 2013, 10h43

Artigo produzido no âmbito das pesquisas desenvolvidas no NEF/Direito GV. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

No dia 16 de maio deste ano, data de aniversário da entrada em vigor da Lei de Acesso a Informação (LAI), foi instaurado o Conselho Social de Transparência da Administração Tributária (Constat) do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (DireitoGV). O Conselho é formado por professores e pesquisadores da DireitoGV, assim como servidores públicos, advogados e empresários que tem tido uma atuação de destaque em defesa da transparência fiscal.

O NEF apresentou, no encontro, o resultado de pesquisas sobre a concretização da LAI pela Administração Fiscal — todas as pesquisas mencionadas adiante estão disponíveis no site http://nucleodeestudosfiscais.com.br/pesquisas — e, com base nos resultados dessas investigações, os conselheiros deliberaram sobre ações prioritárias para os próximos meses.

A LAI requer transparência ativa — publicação de informações de interesse de todos, principalmente em sites dos órgãos públicos — e transparência passiva — resposta a solicitações de informações feitas por cidadãos.

Um dos instrumentos utilizados pelo NEF para aferir a transparência ativa é o Índice de Transparência do Contencioso Administrativo Tributário (Icat), o qual avalia a disponibilização, nos sites dos Fiscos estaduais, de documentos — como autos de infração e decisões de primeira e segunda instância —, informações sobre tempo do contencioso, estoque e andamento processual, legislação, entre outros itens. O resultado da primeira mensuração mostra que os sites dos estados de São Paulo e Santa Catarina lideram o ranking da transparência no contencioso.

Para avaliar a transparência passiva, os pesquisadores do NEF solicitaram informações à Receita Federal do Brasil (RFB), ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). O saldo final da aferição decepcionou os conselheiros do Constat: dos 47 pedidos realizados, menos de 10 resultaram na disponibilização das informações solicitadas.

As pesquisas mostraram também que as Portarias 2.344/2011 e 3.541/2011 (Manual do Sigilo Fiscal) da Receita Federal do Brasil (RFB), as quais orientam a maior parte das decisões cotidianas dos servidores fiscais, constituem grandes obstáculos à concretização da LAI. A primeira Portaria mencionada dispõe, no artigo 2º, que são protegidas por sigilo fiscal as informações sobre “rendas, rendimentos, patrimônio, débitos, créditos, dívidas e movimentação financeira ou patrimonial do contribuinte” e, ainda, aquelas “que revelem negócios, contratos, relacionamentos comerciais, fornecedores, clientes e volumes ou valores de compra e venda”. Isto é, a grande maioria das informações que circula nos Fiscos é, segundo a referida Portaria, sigilosa. O sentido da LAI — a qual afirma que a transparência é a regra e o sigilo é a exceção — é invertido pela Administração Fiscal. A transparência torna-se, neste âmbito, exceção.

A maior parte dos servidores públicos que participaram de reuniões do Constat e de encontros com pesquisadores do NEF afirmaram que consideram que mais informações deveriam ser disponibilizadas pelos Fiscos. Contudo — dizem eles —, na prática, sentem que pouco podem fazer, pois se fornecerem acesso a dados que podem vir a ser considerados sigilosos correm o risco de demissão. E, de fato, isto é o que prescreve artigo 6º da Portaria 2.344. Compreende-se, portanto, as razões pelas quais servidores, sob a ameaça de demissão, temem responder a solicitações de informações feitas pelos cidadãos.

O sigilo fiscal fundamenta-se no artigo 198 do CTN — o qual, não esqueçamos, utiliza expressões vagas como “situação econômica ou financeira do sujeito passivo” —, que deve ser interpretado à luz de princípios da Constituição Federal (CF) e da LAI que, de outra parte, determinam que transparência é regra e o sigilo é a exceção para toda a Administração Pública. Definir sigilo fiscal de modo suficientemente restrito é, portanto, uma tarefa difícil. Estamos diante de um dilema que não pode ser resolvido pelo esforço interpretativo de uma só pessoa (ou órgão): é preciso promover um debate público informado para delimitar de modo racional os limites do sigilo fiscal diante das atuais reformas legislativas.

Ocorre que a RFB dificulta a realização de tal discussão ao prescrever no artigo 2º da Portaria 3.541 (Manual do Sigilo Fiscal): “O Manual (do Sigilo Fiscal) estará disponível na intranet da RFB”. Ora, se não sabemos nem mesmo quais são as regras que estabelecem o sigilo, como poderemos debatê-las? Não há quaisquer razões jurídicas que possam vir a justificar “o sigilo sobre sigilo”. Muito pelo contrário, LAI exige transparência ativa: demanda que a RFB disponibilize em seu site as Portarias 2.344, 3.541, assim como quaisquer outros dispositivos que estabeleçam critérios para a definição de casos de exceção à regra da transparência.

Após discussões sobre as pesquisas apresentadas, os conselheiros deliberaram acerca de ações prioritárias para o Constat. Em especial, ficou resolvido dar ampla divulgação ao Icat, que deve ser um instrumento hábil a estimular uma competição saudável entre Fiscos e, do mesmo modo, fazer aferições periódicas da transparência passiva. Caberá também ao Constat impulsionar uma ampla discussão sobre os limites do sigilo fiscal; para tanto, o conselho deverá, em primeiro lugar, esforçar-se para pôr fim ao “sigilo sobre o sigilo”. Uma das propostas elaboradas pelos conselheiros, que deverá ser desenvolvida até o próximo encontro, é criar um Manual da Transparência Fiscal e propô-lo à RFB como alternativa ao Manual do Sigilo.

Além de incorporar princípios republicanos de governo — informações administradas pelo Estado são bens públicos; isto é, pertencem aos cidadãos —, a transparência é condição de possibilidade para uma gestão pública eficiente e é o melhor remédio contra a corrupção e o desperdício. A Administração Fiscal brasileira necessita, cada vez mais, aprender a utilizar a comunicação e a transparência a seu favor e assim deixar para trás antigos modelos de gestão pautados no segredo.

Autores

  • é pesquisadora do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF), professora do programa de pós-graduação lato sensu da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (Direito/GV) e doutora em Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Pernambuco.

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