Resolução do CNJ

Órgão administrativo não tem poder para legislar

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22 de maio de 2013, 13h51

Entre as atribuições cometidas pela Constituição Federal ao Conselho Nacional de Justiça não se inclui a de legislar. E isso por uma razão muito simples: sendo ele um órgão administrativo do Poder Judiciário obviamente não pode extrapolar das suas funções, que sequer são jurisdicionais, mas apenas, ainda que em escala constitucional superlativa, administrativas.

Embora com poder regulamentar e disciplinar em seu amplo âmbito de atuação, o regime democrático jamais reconheceu a órgão administrativo o poder de legislar, criando normas gerais vinculantes para a sociedade, ainda mais quando versam sobre matéria constitucional. A Resolução 175 de 14 de maio de 2013 do CNJ viola o preceito.

A continuar nesse trôpego passo, o Incra poderá legislar sobre reforma agrária, a Funai sobre o regime jurídico dos indígenas e o Confea (Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia) acerca da reforma urbana, sem que haja mais necessidade dos competentes — e por isso passíveis de cobrança democrática — canais legislativos.

Não se discute a aceitação do casamento homoafetivo e de seus efeitos civis, mas sim que nenhum órgão administrativo pode interferir na vida civil-constitucional do cidadão. Não é à toa que como importante valor fundante da família o casamento está previsto nos artigos 5º e inciso 1º, e 226 e seus parágrafos da Constituição, daí sua inquestionável situação de base da família e da sociedade.

O ministro Gilmar Mendes (STF) abriu polêmica no meio jurídico, assinalando que a decisão do STF de 2011 usada para justificar a medida não tratava de casamento, mas apenas de união estável. Segundo ele, a decisão não legitimou automaticamente o casamento homoafetivo, afirmando que “o tribunal só tratou da questão da união estável, mandou aplicar a união estável. Até o ministro Ayres Britto se estendeu, mas depois foi ponderado que o próprio pedido só afetava a questão da união homoafetiva”, explicou. Também o subprocurador-geral da República Francisco Sanseverino, que atuou no CNJ quando a atual resolução foi discutida, afirmou que “embora respeitando a posição do CNJ, […] é necessário ou edição de uma lei ou uma nova decisão em outra ação por parte do STF”, concordando com a ampliação de direitos, mas rejeitando a justificativa usada pelo CNJ para aprovar a Resolução. Aliás, até mesmo a conselheira Maria Cristina Peduzzi, evitando que a votação da Resolução fosse unânime, votou pela sua rejeição, destacando que a regra não poderia ser estabelecida pelo CNJ sem previsão legal e que não o fazia por razões de fundo ou de mérito da proposta, mas apenas por considerar a ausência de poder legiferante e muito menos da disciplina de matéria constitucional.

Assim, a ousadia do CNJ parece ter ido além dos seus próprios limites, entortando a boca pelo uso indevido do cachimbo.

As pessoas precisam se tocar que, no regime da separação de poderes, órgão administrativo quando legisla atua com usurpação, viola o ordenamento legal e avança contra o direito dos cidadãos, praticando verdadeira heresia jurídica. O fantástico laboratório de casuísmos nacionais estaria produzindo, como nova assombração, a Medida Provisória — ainda mais gravosa pela maior imunidade a meios de controle — gestada no ventre surreal de órgão administrativo do Judiciário.

A família não recebe destacado tratamento constitucional sem seríssima motivação, mas por ser seu regramento essencial à ordem social, por isso não podendo ter sua estrutura modificada à deriva, por simples resolução de mero órgão administrativo. Se assim for, amanhã outra resolução poderá alterar a atual para estabelecer a proibição de casamento entre pessoas do mesmo sexo, ainda que este último derive dos reconhecidos postulados de liberdade e de dignidade. Mas se a admissão da união estável homoafetiva veio da decisão do STF, não há razão para que o instituto do casamento receba tratamento diverso.

A legislação sobre Direito Civil é privativa da União, competindo ao STF a interpretação final da Constituição. A nação não suporta o papel de uma instituição-curinga que, ao invés de cumprir sua finalidade, enverede pelo perigoso surto da usurpação de poder.

Pela magnitude de sua relevância, pela importância do que já realizou e do que poderá fazer pelo Poder Judiciário nacional, o CNJ não deve vulgarizar-se, escorregando pelo movediço terreno do delírio institucional.

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