Estado Democrático

HC tem sido dizimado pelas decisões monocráticas

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17 de maio de 2013, 15h00

É notória a crise pela qual passa o processo penal brasileiro, notadamente pela ineficiência e incapacidade dos tribunais de fazerem frente ao grande número de prestações jurisdicionais que lhe são apresentadas.

Um fenômeno, porém nos chama atenção: A pretexto de solucionar rapidamente esta imensa quantidade de processos judiciais tem-se optado em suprimir do Juízo Colegiado a apreciação das garantias fundamentais do cidadão.

A ação constitucional do habeas corpus tem sido simplesmente dizimada pelas decisões monocráticas que, de forma aparentemente despretensiosa, têm o dislate de paradoxalmente enfrentar o próprio mérito da causa.

Ora, tão grave quanto o estigma da banalização das impetrações, se torna violentador de garantias constitucionais a supressão de instância dos colegiados.

Elegendo-se o habeas corpus como responsável por todas as mazelas dos organismos judicantes, estamos diuturnamente assistindo reações sistemáticas absolutamente incompatíveis com o Estado Democrático de Direito. Tudo reflexo da sociedade que vivenciamos, na melhor lição do pernambucano Marcelo Neves: Os modelos de interpretação modificam-se de acordo com o tipo de sociedade e a respectiva forma político-jurídica dominante em determinado tempo.[i]

Na verdade, a grande utilização do instituto do habeas corpus nada mais é do que reflexo da grande quantidade de prisões provisórias que são decretadas, muitas delas absolutamente irregulares. Não é coincidência a pressão que juízes e Presidentes de Comissões da Câmara e Senado sofrem para implementarem a todo custo procedimentos mais “acelerados”.

No Superior Tribunal de Justiça a regra tomou corpo com a faculdade do Ministro Relator de negar monocraticamente seguimento ao habeas corpus criada pelo inciso XVIII do artigo 34 do Regimento Interno do STJ de constitucionalidade duvidosa. Os direitos fundamentais são de eficácia plena, não admitindo qualquer tipo de contenção ou limitação pela lei ordinária, muito menos por regra regimental.

A propósito, segundo Celso Ribeiro Bastos, no caso dos regimentos dos tribunais, há que se considerar se as normas regimentais ofendem a lei processual. Neste caso não se pode falar em inconstitucionalidade. Por outro lado, se o regimento atinge diretamente a Constituição Federal será passível de controle pelo Poder Judiciário[ii]. Esta prática é recorrente dos tribunais.

Concentra-se assim nas mãos de apenas um julgador o poder de ceifar uma garantia constitucional sem ao menos ser possível submetê-la ao crivo de seus pares.

A garantia do princípio da colegialidade está ligada ao princípio do duplo grau de jurisdição, como de expressa disposição do Pacto de San José da Costa Rica (artigo 8, item 2, h) — o que torna obrigatória a apreciação de um recurso a um tribunal, ou seja através de órgão colegiado.

Não há como se conceber no Estado Democrático de Direito um sistema penal carente de regras voltadas às garantias constitucionais e neste propósito a Carta Magna é estreme em indicar ao cidadão o direito a um julgamento justo (artigo 5º).

Não obstante, o Supremo Tribunal Federal já ter pacificado o entendimento de que fere o princípio da colegialidade a decisão do relator que examina o mérito da causa em ações desta natureza (HC 115535, HC 108.742), o STJ continua a manter este controverso posicionamento.

Esta é a mais pura constatação daqueles que oficiam perante os tribunais superiores e que revela um momento delicado na sobrevivência do mais precioso instrumento de garantia constitucional.

Definitivamente não é este o modelo de Justiça que a Defensoria Pública pretende para nosso país.

[i] NEVES, Marcelo.Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil: o Estado Democrático de Direito a partir e além de Luhman e Habermas. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 196.

[ii] Bastos, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 05.10.1988, vol. 4-tomo III: arts. 92 a 126, 2ª Edição atualizada. São Paulo. Saraiva, 2000.

Robson de Souza é Defensor Público Federal de Categoria Especial.

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