Transparência Fiscal

Autos de infração do Fisco devem ser públicos

Autor

  • Mariana Pimentel Fischer Pacheco

    é pesquisadora do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) professora do programa de pós-graduação lato sensu da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (Direito/GV) e doutora em Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Pernambuco.

16 de maio de 2013, 8h44

Artigo produzido no âmbito das pesquisas desenvolvidas no NEF/Direito GV. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores. 

O dia 16 de maio marca o aniversário da entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação (LAI). Faz um ano que a transparência foi reafirmada como regra para a administração pública brasileira e que o sigilo foi definitivamente circunscrito a um lugar de exceção. As pesquisas realizadas pelo Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (Direito/GV) mostram, contudo, inúmeras dificuldades para, na prática, obter acesso a documentos fiscais.

O NEF tem insistido, por exemplo, na importância do amplo acesso a autos de infração. A disponibilização destes documentos — além de ajudar a prevenir a ocorrência de obtenção de vantagens indevidas — é o melhor caminho para lidar com problema da falta de uniformidade de critérios de interpretação da lei tributária pelo Fisco. Este é, de fato, um grande obstáculo atual à eficiência da administração fiscal brasileira.

Um debate público informado sobre as diferentes leituras das normas tributárias realizadas pelos auditores fiscais é a maneira mais democrática de chegar a padrões de interpretação razoavelmente uniformes. A LAI fornece as condições de possibilidade para isso: mesmo se acatarmos a ideia (certamente discutível) de que há dados nos autos de infração que são sigilosos (como nome da empresa ou valor da autuação), a LAI exige que a administração fiscal disponibilize as partes não sigilosas do documento.

Ocorre que, ainda assim, muitos empresários e administradores públicos se opõem à publicização dos autos de infração. O principal argumento em defesa do sigilo é o de que disponibilizar estes documentos poderia provocar percepções equivocadas no mercado acerca da situação de empresas. Isso decorreria do fato de que, na grande maioria das vezes, autos de infração resultam no pagamento de um valor muito menor do que aquele inicialmente exigido (sem contar os inúmeros casos em que são mal elaborados e, por isso, cancelados). A publicidade provocaria, então, um pânico desnecessário. Lembrando a célebre frase de Oliver Wendel Holmes, seria como “gritar fogo em um teatro lotado”.  

Joseph Stiglitz (prêmio Nobel de economia) resolve o dilema anunciado por Holmes de um modo interessante. Segundo ele, é plausível dizer que gritar “fogo” em um teatro pode gerar pânico e, portanto, grandes prejuízos. Contudo, isso não implica na constatação de que não se deve avisar as pessoas que há fogo, para que possam evacuar ordenadamente o lugar. Em outras palavras, ao invés de questionar “devemos disponibilizar autos de infração?”, a administração pública brasileira deve passar a perguntar “como podemos disponibilizar autos de infração?”.

Estamos, na verdade, diante de um problema de fluxo de informações. O esforço da administração pública em manter o segredo acaba por gerar em algumas ocasiões o “vazamento” de informações escassas (por isso, valiosas) e, outras vezes, a exposição momentânea de grande quantidade de dados. É este fluxo instável que causa pânico e rupturas drásticas. Procedimentos democráticos geram um fluxo continuo de informações (que, por serem públicas, perdem o “valor de troca”) o qual permite a compreensão contextual dos dados por parte dos cidadãos. Se as pessoas tiverem sempre acesso a autos de infração (ou, ao menos, à parte não sigilosa de seu conteúdo) compreenderão, paulatinamente, que o seu valor frequentemente não corresponde ao montante a ser efetivamente pago e, também, poderão exigir mais zelo em sua elaboração.

Diz-se frequentemente que hoje, no Brasil, os cidadãos não confiam nas instituições públicas. O primeiro passo para a mudança tem que ser dado pelo Estado. A administração pública tem de confiar nos cidadãos e em processos democráticos. Cidadãos podem sopesar evidencias e tomar boas decisões, para isso precisam apenas ter acesso às informações necessárias, tal como manda a LAI. 

Autores

  • é pesquisadora do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF), professora do programa de pós-graduação lato sensu da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (Direito/GV) e doutora em Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Pernambuco.

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