A Toda Prova

Normas de repetição obrigatória e de imitação

Autor

  • Aldo de Campos Costa

    é procurador da República. Foi advogado professor substituto da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília conselheiro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça assessor especial do Ministro da Justiça e assessor de ministro do Supremo Tribunal Federal.

8 de maio de 2013, 13h08

O preâmbulo da Constituição Federal não é uma norma de reprodução obrigatória nas Constituições Estaduais (Prova objetiva seletiva do concurso público para provimento cargos de Auditor Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União).

Spacca
O processo objetivo de fiscalização normativa abstrata, quando instaurado perante os Tribunais de Justiça, somente pode ter por objeto leis ou atos normativos municipais, estaduais ou distritais, desde que contestados em face da própria Constituição Estadual, ou, sendo o caso, da Lei Orgânica do Distrito Federal, que representam, nesse contexto, o único parâmetro de controle admitido pela Constituição Federal (STF Rcl-MC 3.436). Em outros dizeres, os Tribunais de Justiça não podem, no âmbito do controle concentrado, declarar a inconstitucionalidade tomando como parâmetro de controle a Constituição da República, tarefa incumbida exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal[1].

Em se tratando de reprodução, pelo constituinte decorrente, de normas da Constituição da República de observância compulsória por parte das unidades federadas, a jurisprudência constitucional admite a utilização da ação direta de inconstitucionalidade estadual para efeito de fiscalização concentrada de constitucionalidade de leis ou atos normativos locais. Ressalva-se, porém, a possibilidade de interposição de recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, se a interpretação da norma constitucional estadual, que reproduz a norma constitucional federal de observância obrigatória pelos Estados, contrariar o sentido e o alcance desta (STF Rcl 383).

Note-se que somente a questão de interpretação de normas centrais da Constituição da República, de repetição obrigatória na Constituição Estadual, é que autoriza a admissão do recurso extraordinário (STF AgR-RE 353.350), pois, independentemente de estarem ou não reproduzidas na Carta Estadual, incidem na ordem local. O mesmo não se dá com as normas de imitação, atinentes a determinadas matérias em que o constituinte estadual poderia inovar, adotando solução própria, mas prefere ele copiar disposição da Constituição da República, que, não fora isto, não incidiria na ordem local (STF Rcl 370).

Admite-se arguição incidente de inconstitucionalidade em face da Constituição da República no curso de ação direta proposta no Tribunal de Justiça com a arguição de ofensa à Constituição Estadual, dando margem a que a decisão tomada na ação direta seja atacada por meio de recurso extraordinário, a fim de que a questão incidente, em que está em causa a Constituição da República, venha a ser examinada pelo Supremo (STF Rcl 526).

Em não havendo a interposição do recurso extraordinário ou de não oferecimento de reclamação, duas são as situações possíveis: 1ª) o Tribunal afirmará a improcedência da arguição de inconstitucionalidade, declarando, com eficácia erga omnes, que a lei estadual ou municipal é compatível com a Constituição Estadual; 2ª) o Tribunal afirmará a procedência da arguição, reconhecendo a inconstitucionalidade da lei estadual ou municipal, com eficácia geral.

Na primeira hipótese, isto é, no caso em que a lei municipal ou estadual foi tida como constitucional pelo Tribunal de Justiça, a eficácia erga omnes da decisão ficará restrita ao âmbito da Constituição Estadual, não impedindo, portanto, a declaração de sua inconstitucionalidade, em controle difuso ou em controle concentrado, em face da Constituição da República, inclusive com base nos mesmos princípios que serviram para a reprodução[2].  Se, porém, a decisão do Tribunal de Justiça, na ação direta, declara a nulidade da norma municipal ou estadual impugnada, com trânsito em julgado, não haverá objeto para a arguição de inconstitucionalidade no âmbito do Supremo, por haver a norma deixado de existir na esfera do ordenamento que integrava[3].

Registre-se, por oportuno, que o Supremo pode limitar, no âmbito do controle difuso, os efeitos (ex nuncex tunc, ou pro futurum) da declaração de inconstitucionalidade proferida por Tribunal de Justiça em ação direta (STF Pet-MC segunda 2859), sendo-lhe facultado, assim, emprestar efeito suspensivo a recurso extraordinário interposto contra acórdão de Tribunal de Justiça que julga procedente arguição de inconstitucionalidade de norma de repetição obrigatória.

A decisão tomada em recurso extraordinário interposto em ação direta de inconstitucionalidade estadual, por se tratar de controle concentrado, tem os efeitos que teria a decisão recorrida, e, portanto, eficácia erga omnes, que não se limitará apenas ao Estado, mas se estenderá a todo o país, porquanto emanada de julgado do Supremo. Não há, portanto, necessidade de comunicação ao Senado Federal dessa decisão, ainda que esteja em causa norma constitucional estadual que reproduz norma da Constituição da República (STF RE 187.142).

É possível ocorrer a propositura simultânea de ação direta de inconstitucionalidade contra lei estadual perante o Supremo e o Tribunal de Justiça. Em uma tal situação, dar-se-á a suspensão do processo no Tribunal de Justiça, até a decisão final do Supremo. A interpretação pelo Supremo da norma constitucional federal reproduzida na Constituição Estadual vincula erga omnes, restando prejudicada, no tribunal local, a ação direta de inconstitucionalidade nele ajuizada, por ofensa à regra constitucional estadual, que reproduza dispositivo constitucional estadual. Julgada procedente a ação direta, por ofensa à regra reproduzida no âmbito estadual, a ação ficará prejudicada no Tribunal de Justiça por este fundamento. Se, no entanto, a ação direta de inconstitucionalidade no âmbito do tribunal local estiver baseada em outros fundamentos, além da alegação de ofensa de normas reproduzidas e a decisão do Supremo, na ação perante ele ajuizada, simultaneamente, der pela improcedência da demanda, a ação, no Tribunal de Justiça, prosseguirá por esses outros fundamentos (STF AgR-Rcl 425 e STF ADI 2.361).

Indaga-se, por fim, se os Estados membros podem instituir a ação declaratória de constitucionalidade no âmbito da unidade federada com objetivo de afirmar a legitimidade de atos normativos estaduais e municipais em face da Constituição Estadual. Não obstante a EC 3/93 tenha se silenciado a respeito do tema, a melhor doutrina constitucionalista é no sentido de que na autorização para que os Estados instituam a representação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou municipal em face da Carta Estadual (C.R., artigo 125, parágrafo 2º), resta implícita a possibilidade de criação da própria ação declaratória de constitucionalidade, por simetria ao modelo federal, desde que feita por meio de emenda à Constituição Estadual[4].


[1] Cf. BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 1.113.
[2] A questão foi posta à apreciação do Supremo na Rcl nº 370. Um partido político aforara, perante o Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso, ação direta, contestando a constitucionalidade de determinadas leis frente à Constituição do Estado. A Assembleia Legislativa, então, interpôs a mencionada reclamação, sustentando que o processamento da ação direta, no Tribunal Estadual, implicaria usurpação da competência do Supremo, dado que a Constituição Estadual limitara-se a reproduzir normas da Constituição Federal. O Tribunal Pleno, por unanimidade, julgou procedente a reclamação, para avocar o conhecimento do processo ao Supremo Tribunal Federal. Destaco do voto do ministro Carlos Velloso o seguinte excerto: “Se o Tribunal de Justiça estadual, decidindo a ação direta que lhe foi apresentada, expede uma certa decisão a respeito, com efeito erga omnes, haverá de cercear a competência do Supremo Tribunal Federal, porque, no fundo, o conflito é o mesmo com a Constituição Federal. E o Supremo Tribunal Federal haverá, nesse ponto, de construir, sob pena de a Constituição Federal receber, indiretamente, reflexamente, diversas interpretações nos diversos Estados-membro, de forma definitiva”.
[3] Cf. MENDES, Gilmar Ferreira. O Controle de Constitucionalidade do Direito Estadual e Municipal na Constituição Federal de 1988. In: Revista Jurídica Virtual. Brasília, vol. 1, n. 3, julho 1999.
[4] Cf. MENDES, Gilmar Ferreira. O Controle de Constitucionalidade do Direito Estadual e Municipal na Constituição Federal de 1988. In: Revista Jurídica Virtual. Brasília, vol. 1, n. 3, julho 1999.

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