Motivos questionados

Sobre dúvidas e memoriais da Ordem dos Advogados

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8 de maio de 2013, 7h11

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil apresentou memoriais nos autos do Recurso Especial 1.060.210/SC. A situação foi noticiada pela revista eletrônica Consultor Jurídico.

A notícia causa estranheza, seja pela atuação em si da Ordem, seja pelos termos utilizados por ela para a manifestação.

O debate em curso no Superior Tribunal de Justiça confronta um município e uma entidade financeira. Diz respeito ao local da cobrança do Imposto Sobre Serviços (ISS), incidente sobre operações de arrendamento mercantil (leasing). A discussão está entre ser dita exação exigível pelo município em que situado o estabelecimento onde o contrato é firmado pelo consumidor ou por aquele município em que é sediada a empresa arrendadora.

Durante anos o Superior Tribunal de Justiça entendeu competente para exigir o tributo o lugar em que firmada a avença, associando-o ao da prestação do serviço.

No entanto, quando da apreciação do REsp 1.060.210/SC, o STJ afirmou o entendimento de que a matéria deveria ser tributada no lugar da aprovação da operação, normalmente a sede da instituição financeira.

Em vista disso, o Município de Tubarão, de quem tivemos a honra do patrocínio na mencionada causa, por sua Procuradoria, apresentou Embargos Declaratórios. Neles requereu a modulação dos efeitos da decisão mencionada.

O ministro Napoleão Nunes Maia Filho, relator do recurso, concedeu medida cautelar, suspendendo parcialmente os efeitos da decisão embargada.

A Ordem, nesse momento, apresentou memoriais na causa. Ao fazê-lo, acoimou a pretensão do Município de Tubarão de ser manejada “deselegantemente e de forma desrespeitosa”.

É aqui que algumas perplexidades surgem. A primeira: que tipo de interesse teria levado a Ordem a interceder numa causa que tal?

Em que pese ser universal a legitimação da OAB para a propositura de ações diretas de inconstitucionalidade e afins, não menos certo é que, no caso, o contencioso era infraconstitucional (como aliás ela mesma, OAB, assinalou na sua peça).

Também é correto que a Ordem tem legitimidade para propositura de ações coletivas, como as civis públicas. Mas esse não era o caso.

É justo e legítimo que em determinados litígios, inclusive os submetidos ao regime dos recursos repetitivos, rogue a OAB intervenção como amicus curiae ou como assistente. Não foi esse, todavia, o procedimento. Ela, até o momento, não peticionou nos autos.

O que levou então a Ordem a mobilizar-se no caso concreto em uma lide entre um município e uma empresa de fomento mercantil? Difícil saber.

Haveria em xeque interesses diretos de cidadãos contribuintes? Não. Seja em um, seja em outro lugar, o imposto será devido, pouco afetando o consumidor. Apenas as instituições financeiras é que seriam alcançadas, podendo recolher seus tributos em município a ser escolhido conforme as suas conveniências fiscais, formuladas de acordo com as alíquotas das diversas municipalidades. A quem menos exija, certamente se dará a preferência para sediar a empresa de arrendamento.

A dúvida remanesce. A lide, como dito, tem como antagonistas um município e uma arrendadora. Os memoriais da OAB ficaram do lado desta. Por quê?

Apesar de advogar para instituições financeiras de arrendamento mercantil, não se acredita que o procurador tributário da Ordem, que firma a peça em conjunto com o presidente do Conselho Federal, tenha conduzido a pretensão no sentido do interesse que converge com o de suas constituintes. É certo que tudo não passou de coincidência.

O mais provável é que a Ordem queira contribuir para um debate jurídico relevante. Mas, neste caso, se a proposta era essa, persiste a necessidade de saber a quem aproveitaria essa atuação, já que o memorial não refere explicitamente.

À Ordem, diretamente, não se identifica proveito. Seriam, então, os advogados brasileiros, os que sustentam a OAB, beneficiários dessa manifestação? Não se vislumbra como. Seriam os cidadãos, históricos defendidos pela Ordem, os favorecidos pela intervenção? Difícil enxergar como. Quem, afinal, retiraria vantagem de tal combatividade?

A busca por resposta não deve levar a precipitações nas conclusões. As aparências não podem turvar a análise. O fato de o eminente patrono que subscreve o memorial da Ordem figurar como advogado de empresas de arrendamento mercantil no AREsp 274.286/SP e no AREsp 279.713/SP, em trâmite no STJ não merece maior relevância. Nem a sua eventual atuação no Agravo de Instrumento 0093508-83.2012.8.26.0000, que tramita no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em que é recorrente uma arrendadora mercantil, deve causar confusão. Nem mesmo a circunstância de que, neste último caso, acidentalmente, o tema era o mesmo do REsp 1.060.020/SP deve embaralhar as coisas. Acaso, puro acaso.

Também cabe questionar: por qual razão a Ordem prefere atuar nos bastidores a rogar ingresso formal nos autos? Não é comum. Seria isso tolerável de advogados modestos: manifestar-se, em memoriais, em causas confiadas a outros causídicos? Alguém poderia interpretar mal essa conduta e confundir com lobby (o que jamais se cogitaria que a OAB fizesse, por sua dimensão institucional e por sua história).

Para quem já lutou pela Democracia, pela anistia, pelas eleições diretas, pela Constituinte, pela Ficha Limpa, esgrimir o interesse de instituições financeiras seria um ponto fora da curva. Certamente a Ordem não se prestaria a tanto. Não há dúvidas quanto a isso.

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