Código florestal

Falta clareza sobre averbação da reserva legal

Autores

4 de maio de 2013, 7h57

A despeito dos claros avanços legislativos advindos de seus dispositivos, o novo Código Florestal (Lei 12.651/12) deixou de enfrentar certas questões relevantes para as quais a sociedade há muito aguardava uma resposta (como, por exemplo, questões relativas às áreas de preservação permanente em áreas urbanas), bem como suscitou novas polêmicas, como é o caso da averbação da reserva legal nas matrículas dos imóveis rurais.

Se a obrigação legal de preservação ambiental da reserva legal persiste por força do artigo 12 do novo Código Florestal, ainda há dúvidas sobre como se dará publicidade a esse instituto. Sob a égide do antigo Código (Lei 4.771/65), era dever do proprietário averbar a reserva legal à margem da matrícula do imóvel. O efetivo cumprimento dessa obrigação pelos proprietários rurais, contudo, foi postergado diversas vezes pelo Executivo por meio da edição de Decretos. Sobre as novas regras, surge a dúvida: permanece obrigatória a averbação da reserva legal à margem da matrícula do imóvel ou bastaria seu registro no Cadastro Ambiental Rural (CAR) — ainda não regulamentado pelo Poder Público —, instituído pelo novo artigo 29?

A questão já chegou aos Tribunais e o entendimento não tem sido uniforme sobre a questão.

Em Minas Gerais, a Corregedoria Geral de Justiça do Estado defendeu ser “facultativa a averbação da reserva legal no Cartório de Registro de Imóveis, nos termos do artigo 18, §4º, da Lei 12.651/12, mostrando-se, assim, sem amparo legal qualquer exigência de prévia averbação da reserva legal como condição para todo e qualquer registro de todo e envolvendo imóveis rurais”. Tal entendimento também tem prevalecido no Tribunal de Justiça do Estado, onde os magistrados defendem não ser necessária a averbação da reserva legal após o advento do novo Código Florestal. Nesse mesmo sentido, há também precedentes no Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

Já no Tribunal de Justiça de São Paulo, os magistrados têm sido mais conservadores ao analisar o assunto, prevalecendo o entendimento de que a averbação da reserva legal deverá ser mantida enquanto o CAR não for implementado pelo Poder Público.

É possível verificar que os magistrados, entretanto, não têm analisado a questão sob a ótica do direito notarial, limitando-se a julgar a matéria com base nas novas regras florestais (notadamente o artigo 18, §4º). Sob esse aspecto, verifica-se que a Lei de Registros Públicos (LRP – Lei 6.015/73) estabelece como obrigatória a averbação da reserva legal à margem da matrícula do imóvel (artigo 167, II, 22 c/c artigo 169). Como se sabe, o ato notarial dá publicidade erga omnis à informação e segurança jurídica aos atos e negócios jurídicos — além de proporcionar o atendimento aos princípios da concentração, especificação e eficiência, de modo que todos os atos, limitações, benfeitorias, etc., fiquem reunidos na matrícula do imóvel à disposição da população para consulta.

O novo Código Florestal não revogou expressamente o mencionado dispositivo legal da lei registral, estabelecendo, apenas, que as coordenadas geográficas da reserva legal deverão ser informadas no CAR — por meio da juntada de planta e memorial descritivo ou por meio de certidão do cartório de imóveis contendo referidas informações. Nesse sentido, o artigo 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro estabelece que lei posterior só revogará lei anterior se expressamente o fizer, se forem incompatíveis ou, ainda, se regular especificamente a matéria da lei anterior. Adicionalmente, "A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior" (artigo 2º, §2º).

Pode-se concluir, portanto, que a averbação da reserva legal na matrícula do imóvel deverá permanecer como regra em função da necessária publicidade que deve-se outorgar a essa limitação administrativa, devendo o órgão ambiental competente, uma vez em posse das informações do CAR, informar ao cartório de imóveis quais dados deverão ser averbados a esse título. Essa, na verdade, já é uma prática adotada pelos órgãos ambientais em outras situações. A lei de gerenciamento de áreas contaminadas do estado de São Paulo (Lei 13.577/09), por exemplo, prevê a averbação da contaminação na matrícula do imóvel por meio do envio de informações ao registro de imóveis pelo órgão ambiental competente.

Diante da sobreposição de normas e falta de clareza sobre a matéria, o entendimento que tem sido dominante no TJ-SP nos parece atualmente o mais apropriado, ou seja, a obrigatoriedade de averbação da reserva legal na matrícula do imóvel deverá ser mantida até que o CAR seja implantado e o Governo regulamente a matéria de forma apropriada, "evitando-se, assim, que a inércia do Poder Público configure salvo conduto para descumprimento das normas ambientais" (E.Dcl. 0008315-63.2011.8.26.0541/50000 – Rel. Des. Paulo Alcides – TJSP). Espera-se, portanto, que o Governo enfrente a questão com clareza, uma vez que, ante a especificidade e controvérsia envolvendo a matéria, seria temerário sob o ponto de vista da segurança jurídica esperar que o Poder Judiciário o fizesse caso-a-caso.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!