Imbróglio probatório

Condenado por tortura foi alvo de escuta ilegal, diz TJ-MS

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30 de junho de 2013, 5h27

Condenado a 25 anos de prisão por tortura, corrupção, formação de quadrilha e extorsão, um ex-policial recém-admitido como advogado na OAB-MS foi alvo de escutas consideradas ilegais pelo Tribunal Justiça de Mato Grosso do Sul. Preso na operação Xeque-Mate, deflagrada pela Polícia Federal em junho de 2007, ele foi condenado em primeira instância pelos crimes listados em três processos que utilizaram os diálogos como prova.

As escutas, porém, foram consideradas nulas pela 1ª Câmara Criminal do TJ-MS, por terem sido autorizadas com base em denúncia anônima. Em Habeas Corpus publicado em janeiro deste ano, a 1ª Câmara Criminal do TJ-MS determinou a retirada dos diálogos dos processos.

“A denúncia anônima não deve ser utilizada como único elemento para deflagrar a instauração de inquérito policial ou interceptação telefônica, de maneira que a quebra de sigilo telefônico baseada exclusivamente em denúncia anônima é plenamente nula”, disse a relatora, desembargadora Marilza Lúcia Fortes.

A 2ª Vara Criminal de Três Lagoas (a 339 km de Campo Grande), onde tramitaram os processos, informou que agora terá de analisar cada caso para verificar se as sentenças basearam-se apenas em provas derivadas das escutas ilegais.

A decisão beneficia um ex-policial que recebeu sua carteira da OAB-MS no último dia 10 de junho. Ele ganhou destaque em reportagem no site da entidade e o caso virou motivo de comentários em sites jurídicos, já que o Estatuto da Advocacia veta a inscrição de condenados por crime “infamante” (parágrafo 4º do artigo 8º).

Escutas
As interceptações telefônicas começaram em setembro de 2006 e se estenderam até junho de 2007. O objetivo inicial era investigar a suspeita de participação de policiais na fuga de um preso, ocorrida em 2001, da cela da 1ª Delegacia de Polícia de Três Lagoas. Segundo o MP, além da facilitação da fuga, policiais também estariam praticando outros crimes (formação de quadrilha, tráfico de drogas, peculato e tráfico de influência).

Pedida pelo Ministério Público, a interceptação foi deferida pela 2ª Vara Criminal do município. A investigação ficou a cargo da Polícia Federal. Nessa fase, o então policial civil não constava da lista de investigados. Entretanto, durante a investigação, a PF recebeu uma denúncia anônima que acusava policiais civis — dentre os quais o agora advogado — de envolvimento na organização criminosa. 

Ao autorizar a interceptação, o juiz considerou que esse era o único meio de obter provas contra os policiais. “Considerando que os representados são policiais civis, tem-se que não há outro meio de se buscar prova das denunciadas atividades ilícitas, por isso mesmo, os denunciantes buscam não se identificar”, disse o juiz.

Para os desembargadores, porém, antes de pedir as escutas, o delegado responsável pela investigação deveria ter colhido outros elementos de prova, além da denúncia anônima.

“O delegado federal que recebeu a denúncia anônima não teve a necessária cautela de efetuar diligências preliminares, consistentes na averiguação da veracidade das informações noticiadas, requerendo, desde logo, a interceptação telefônica das pessoas apontadas na notitia criminis apresentada”, disse o desembargador Dorival Moreira dos Santos.

Citando jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e a Lei das Escutas Telefônicas (Lei 9.296/1996), os desembargadores determinaram a nulidade das provas decorrentes de interceptações baseadas unicamente em denúncia anônima.

Presunção de inocência
Questionada sobre o caso, a OAB-MS disse que é preciso respeitar a presunção de inocência, uma vez que ainda não houve o trânsito em julgado das sentenças. “Não havendo qualquer condenação com trânsito em julgado em face do requerente, não há como negar-lhe o pedido de inscrição nos quadros da Ordem, em respeito ao princípio constitucional da presunção de inocência”, disse a OAB-MS por meio de sua assessoria de imprensa.

A seccional informou que, entre outros documentos, exige certidão de antecedentes cíveis e criminais, não tendo sido diferente no caso do ex-policial, e que tomará providências em relação ao caso.

A entidade solicitou ao relator do processo de inscrição que avalie se os recursos das condenações são meramente protelatórios. "Nesse caso, poderá ocasionar desde a cassação da Carteira Profissional até a instauração do processo ético disciplinar, o qual poderá ensejar desde uma suspensão preventiva até a exclusão dos quadros da Ordem".

Por e-mail, o ex-policial disse à ConJur que as sentenças são nulas, pois valeram-se de interceptações consideradas ilegais em julgamento do TJ-MS. "Todas as sentenças de primeiro grau são nulas, pois derivam de prova nula, não admitida em Direito".

Detalhes
No caso da condenação por tortura, proferida em setembro de 2008, o juiz Albino Coimbra Neto entendeu que a materialidade do delito estava “satisfatoriamente demonstrada” não só pelo áudio como também por laudo médico e pelo exame de corpo de delito.

Segundo o processo, a tortura ocorreu no dia 5 de junho de 2005. O laudo médico foi feito um dia após as agressões. O corpo de delito, 11 dias depois.

“O laudo médico, o laudo de exame de corpo de delito e o registro fotográfico são conclusivos em afirmar ter sido a vítima Ronaldo agredida à época dos fatos, principalmente na região lombar e solas dos pés — lesões, diga-se, típicas de tortura”, disse o juiz Albino Coimbra Neto.

Já em 2007, segundo análise do Ministério Público acatada pelo juízo de primeiro grau, as escutas telefônicas consideradas ilegais pelo TJ-MS teriam revelado uma confissão dos acusados. Pela acusação de torturar um adolescente, o ex-policial foi condenado a sete anos e dois meses de reclusão.

Pelas acusações de formação de quadrilha, corrupção passiva e receptação qualificada, foi condenado, em outubro de 2008, a 11 anos e quatro meses de reclusão. Também lavrada pelo juiz Albino Neto, a sentença diz, nesse caso, que os aúdios demonstram que o policial cedeu seu celular a um réu apontado como o chefe de uma quadrilha especializada em desmanche e comercialização de peças roubadas. "Todo o contexto fático até aqui reportado, [cor]roborado com os vários áudios telefônicos acima destacados são claros o suficiente", disse o juiz.

Pelo crime de extorsão, descrito com base em diálogos telefônicos e contradições apontadas em depoimentos colhidos perante a autoridade policial e em juízo, foi condenado em setembro de 2011 a seis anos e oito meses de reclusão. A sentença foi dada pelo juiz Eduardo Floriano Almeida.

O agora advogado foi demitido da Polícia Civil em junho de 2011 por violação da Lei Orgânica da instituição (Lei Complementar 114/2005). Entre as razões para a saída estão atuação incompatível com a função policial e descumprimento das normas legais.

As escutas da operação Xeque-Mate já foram declaradas legais pelo Supremo Tribunal Federal em julgamento de março de 2012. Na ocasião, os ministros analisaram apenas a legalidade da prorrogação das interceptações por 30 dias consecutivos. O STF, porém, não se pronunciou sobre o fato de as escutas terem sido autorizadas com base em denúncia anônima.

Clique aqui para ler a condenação por tortura.
Clique aqui para ler a condenação por formação de quadrilha, corrupção passiva e receptação.
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aqui para ler a condenação por extorsão.
Clique aqui para ler a anulação das interceptações.
Clique aqui para ler a decisão do STF sobre a prorrogação das escutas.

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