Guardas da Constituição

PEC 33 aponta para controle fraco de constitucionalidade

Autores

  • Cecilia Caballero Lois

    é pós-doutora em Direito pela PUC-Rio mestre e doutora pela UFSC. É professora de Teoria da Constituição dos cursos de pós-graduação e graduação da UFRJ e pesquisadora do Observatório da Justiça Brasileira – OJB.

  • Gabriel Lima Marques

    é advogado bacharel em Direito pela UERJ mestrando em Direito pela UFRJ e pesquisador do Observatório da Justiça Brasileira – OJB.

27 de junho de 2013, 7h01

A Proposta de Emenda à Constituição 33 de 2011, de autoria do deputado Nazareno Fonteles (PT-PI), aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, vem gerando grande repercussão e inúmeras discussões sobre o seu conteúdo. De acordo com a justificativa contida na proposta, que, inclusive, já vem sendo apelidada por alguns de “PEC da submissão”, o objetivo da emenda é o de combater o fenômeno da expansão do poder Judiciário que se manifesta sob duas conhecidas vertentes: a da judicialização das relações sociais e a do ativismo judicial. Dentre as várias proposições trazidas pelo texto da PEC, a que mais chama a atenção é a que propõe a alteração do artigo 102, parágrafo 2º da Magna Carta de 1988. De acordo com o projeto, as decisões de mérito proferidas pelo STF nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade deixariam de possuir imediato efeito vinculante e eficácia contra todos e seriam encaminhadas ao Congresso Nacional que no prazo de 90 dias poderia se manifestar de forma contrária a decisão, ocasião em que teria obrigatoriamente que submeter à matéria a consulta popular.

Como era de se esperar, a proposta, considerada apenas admissível pela CCJ, não foi muito bem recebida pelo Judiciário, que a entendeu como uma tentativa de fragilizar a democracia, gerando uma tensão verbal entre os seus representantes e os do poder Legislativo. Tal conflito, embora possa-se pensar à primeira vista ser apenas fruto de questões pessoais ou jurídicas, esconde uma discussão que vai muito além e que nos faz refletir a seguinte indagação que deve orientar as discussões em torno da proposta em comento, afinal, qual é o modelo de controle de constitucionalidade que queremos?

Como se sabe, o modelo adotado pelo Brasil, inspirado na forma forte de controle de constitucionalidade praticado nos Estados Unidos, é caracterizado pela autoridade final da decisão do tribunal constitucional na determinação do significado da Constituição e, ainda, pelo caráter impositivo em relação aos outros poderes. Todavia, apesar de ser o mais frequente, este modelo não é o único, uma vez que há também a chamada forma fraca de controle de constitucionalidade, que admite a possibilidade de o legislador estabelecer interpretações distintas daquelas elaboradas nos bancos do poder Judiciário. Ou seja, partindo da premissa de que o poder último não deve residir na jurisdição constitucional, mas nos direitos em si, conforme cunhados pelos legítimos detentores dessa competência: o povo e/ou sua representação, os que advogam o controle fraco de constitucionalidade propõem um reequilíbrio na relação entre os poderes políticos, na medida em que entendem que as celeumas constitucionais devem ser solucionadas por uma atuação conjunta de instituições que dialogam entre si. Afinal, todas são responsáveis pela tarefa de guarda da Constituição, sobretudo no contexto de sociedades pluralistas.

Neste sentido, como provavelmente já deve saltar aos olhos, o controle fraco de constitucionalidade defendido por autores que se inserem no contexto da Teoria dos Diálogos Institucionais, pode apresentar algumas possibilidades concretas para fazer frente aos problemas decorrentes do alargamento das funções jurisdicionais. Embora apresentem diferenças em suas propostas, os que patrocinam esta teoria compartilham uma agenda política e constitucional semelhante, que se centra em desvincular o controle de constitucionalidade da sua consequência (não) natural: a ideia de que a última palavra em interpretação constitucional cabe apenas a um órgão judicial. Exatamente por isso, acreditam que o modelo fraco representaria uma forma de divisão mais equilibrada do poder e consequentemente uma forma muito mais democrática para a defesa e guarda dos direitos, uma vez que a atribuição do poder de controle de constitucionalidade unicamente ao poder Judiciário é uma questão de escolha política e não uma necessidade lógica decorrente da separação e harmonia entre os poderes ou do princípio democrático.

Tanto assim o é que podemos ver isso materializado no modelo constitucional preconizado na Canadian Charter of Rights de 1982. O desenho canadense de equilíbrio entre as pretensões de supremacia do Legislativo e do Judiciário funda-se em duas cláusulas contidas na Carta de Direitos: o overriding e a cláusula do notwithstanding. A primeira versa sobre a possibilidade de que o legislador configure o conteúdo dos direitos fundamentais, preceituando, todavia, que essa intervenção legislativa encontra limites na exigência de justificação razoável. Já a cláusula do notwithstanding permite que o legislativo reedite uma norma declarada inconstitucional depois de 5 anos, bem como recorra à cláusula no momento de aprovação da lei ou após uma sentença de inconstitucionalidade. Sendo assim, visando devolver à interpretação constitucional o seu caráter complexo e plural, retirando-lhe o caráter de empreendimento puramente racional e argumentativo, percebe-se que Bill of Rights canadense fundamentou seu controle fraco de constitucionalidade em alguns mecanismos que permitem ao Legislativo participar do controle de constitucionalidade.

Portanto, malgrado muitas sejam as objeções à PEC, ela contém um importantíssimo aspecto que deve ser saudado e que vem sendo pouco explorado por todos os que se interessam pelo assunto, o fato de que sua propositura sinaliza uma abertura do Congresso Nacional ao controle fraco de constitucionalidade. Deste modo, o que se vê é a tentativa de um Parlamento que quer recuperar seu espaço e pôr fim à supremacia judicial através da criação de mecanismos que têm por objetivo possibilitar uma relação dinâmica e saudável de construção institucional compartilhada do sentido dos direitos contemplados na Carta Magna.

Assim, entendemos que, embora muitos aspectos ainda precisem ser discutidos, aprofundados e melhorados já que o projeto também padece de erros de técnica legislativa, a discussão deve caminhar para além de interesses meramente corporativistas e fundamentar-se no que realmente deve orientar esta pauta, o tipo de modelo de controle de constitucionalidade que queremos para o nosso país. Não devendo prosperar a tese de que o modelo fraco é inconstitucional por ferir o princípio democrático ou a separação de poderes, já que pelo contrário confere um grau maior de legitimidade às decisões de natureza constitucional, bem como situa os poderes como co-responsáveis pela guarda da Constituição.

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  • Brave

    é pós-doutora em Direito pela PUC-Rio, mestre e doutora pela UFSC. É professora de Teoria da Constituição dos cursos de pós-graduação e graduação da UFRJ e pesquisadora do Observatório da Justiça Brasileira – OJB.

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    é advogado, bacharel em Direito pela UERJ, mestrando em Direito pela UFRJ, e pesquisador do Observatório da Justiça Brasileira – OJB.

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