Desequilíbrio no gabinete

Procurador da Fazenda não pode assessorar em tribunal

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27 de junho de 2013, 16h51

Por ordem do Conselho Nacional de Justiça, a procuradora da Fazenda Nacional Patricia de Seixas Lessa terá de deixar o gabinete do juiz federal convocado Theophilo Antonio Miguel Filho, no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, onde trabalha como assessora. Liminar concedida nesta terça-feira (25/6) pelo CNJ considerou que a participação de procuradores na assessoria de juizes convocados pode desequilibrar julgamentos envolvendo Fisco e contribuintes. Theophilo Miguel é relator de um caso de R$ 35 bilhões que opõe Receita Federal e a mineradora Vale. Patricia chegou a atuar no caso ainda como procuradora.

Na justificativa de sua liminar, o conselheiro José Lúcio Munhoz, relator do Procedimento de Controle Administrativo no CNJ, afirmou que a Lei 11.890/2008 não autoriza a cessão de procuradores a não ser para tribunais superiores e para o Supremo Tribunal Federal, o que motivaria a suspensão da procuradora pelo menos até o Conselho julgar o mérito do caso. Segundo a Advocacia-Geral da União, hoje cerca de 50 advogados da União e procuradores federais atuam como assessores só no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça. 

No dia seguinte à decisão de Lúcio Munhoz, o conselheiro Wellington Cabral pediu vista do processo. Ao adiar a decisão, o CNJ mantém a liminar até o conselho julgar o mérito do Procedimento de Controle Administrativo que trata do caso. Antes do pedido de vista, o ministro Joaquim Barbosa e os conselheiros Neves Amorim e Guilherme Calmon chegaram a questionar as justificativas apresentadas por Munhoz ao vedar a atuação de procuradores como assessores nas cortes. “O tribunal vai ignorar sua liminar. É uma coisa mais do que comum a atuação [dos procuradores] nos tribunais”, disse Barbosa.

A concessão da liminar teve também como embasamento a demora do CNJ em votar a questão em Plenário. Em despacho monocrático, o conselheiro relator criticou a lentidão do órgão em colocar fim à questão. “O presente feito se encontra pautado e em condições de ter o seu mérito apreciado pelo Plenário por mais de um ano, o que depõe contra a necessária celeridade, matéria que deve ser uma das primeiras a ser enfrentada pelo órgão, quanto ao Poder Judiciário como um todo”, disse. “Em face de uma ilegalidade aparente, não é razoável submeter a parte a ficar no aguardo do julgamento de mérito pelo Conselho Nacional de Justiça por semanas seguidas, enfrentando gastos com deslocamentos até esta capital federal.”

A decisão é fruto de pedido feito pela OAB do Rio de Janeiro em Procedimento de Controle Administrativo. O então procurador-geral da entidade e atual vice-presidente, Ronaldo Cramer, requereu a anulação de todos os atos normativos do TRF-2 que autorizem a cessão de procuradores da Fazenda Nacional para exercer cargo de assessoria em Turmas Especializadas em casos tributários na corte. O argumento é que a participação de procuradores viola o princípio da paridade de armas. “Um procurador da Fazenda cedido ao Tribunal Regional Federal não garantiria a paridade processual ao minutar um voto em uma demanda entre o cidadão contribuinte e a União”, diz a petição da OAB-RJ. Ao trabalhar como assessores, procuradores cedidos não se desvinculam institucionalmente das Procuradorias, apenas se licenciam.

Tanto o tribunal quanto Patrícia contestaram as afirmações. Disseram que a cessão é constitucional e legal, com base no artigo 37, incisos II e V, da Constituição; na Lei 8.112/1990 (artigo 93); na Lei Complementar 73/1993 (artigo 26); e no Decreto 4.050/2001 (artigos 1º e 2º). Para a OAB, no entanto, não se trata da mera cessão de servidor público. O problema é o risco à isonomia processual.

Para o presidente da OAB-RJ, Felipe Santa Cruz, a decisão não se limita ao caso da procuradora. “Foi uma grande vitória, embora ainda não se trate de decisão definitiva, visto o caráter de liminar. O pedido, tecnicamente embasado, que enviamos ao CNJ adverte que as partes envolvidas em determinado processo da Fazenda Federal não podem, por lei, também integrar a instância que julga. Portanto, os procuradores não podem ser assessores do TRF por incorrer em risco de ser parte do mérito. É bom deixar claro que nosso pedido não se limita a uma região, ou profissional, mas a todas que se encontrem na mesma situação nos tribunais do país. Vamos continuar buscando esse objetivo até o julgamento definitivo do mérito", diz o advogado.

Contrapeso na balança
Ao deferir a liminar, o conselheiro José Lúcio Munhoz entrou no mérito da discussão sobre a convocação de procuradores pelos tribunais. Segundo ele, o que está em jogo é a credibilidade do magistrado, de quem se espera um julgamento imparcial. “Uma das partes não pode ou não deve, por seu procurador, ter acesso privilegiado ao julgador e ter a liberdade de ofertar-lhe opiniões ou minuta de julgamento a respeito de caso de seu interesse (ainda que em tese)”, apontou. “No caso presente, no entanto, uma representante da Fazenda, vinculada diretamente ao Poder Executivo (com quem mantém seu vínculo jurídico e de quem recebe sua remuneração e que tem como sua atribuição funcional e dever legal a defesa da União), atua como assessora jurisdicional do magistrado que julga os casos de interesse da própria entidade fazendária.”

Para justificar a possibilidade de influência do assessor na decisão do juiz, Munhoz afirmou que esses comissionados têm a função de “elaborar minutas de relatório e voto e demais atos e documentos do gabinete relativos aos processos judiciais; prestar assessoramento em assuntos relativos ao exame da matéria processual;  efetuar estudos e pesquisas objetivando o assessoramento relativo a matéria do processo, fazendo levantamento da legislação, jurisprudência e doutrina respectivas”. E acrescenta que a confiança do magistrado em seu assessor faz com que a opinião recebida seja mais do que um “elemento estranho no processo de produção do juiz”.

“Se é verdade que a decisão final é do magistrado, não se pode negar que a apresentação de uma proposta de decisão elaborada pelo assistente direto do julgador pode vir a influenciá-lo no julgamento ou, pelo menos, lhe trazer significativos elementos que, de modo especial, privilegia ou pode privilegiar uma parte em detrimento da outra e constitui violação ao princípio da ‘igualdade de armas’ no curso do processo judicial”, diz a liminar.

Munhoz rebateu ainda o argumento de que, ao assumir o cargo de assessora, a procuradora se desvinculou da Procuradoria. “Ela mantém o seu vínculo jurídico com o órgão de origem, eis que não há desvinculação formal”, observou, e acrescentou: “Há a vinculação intelectual com as teses que normalmente lá defende ou sustenta, no seu dia a dia funcional. Isso tudo cria uma dependência quanto aos entendimentos jurídicos, que é absolutamente natural ao ser humano. Aliás, seria justamente anormal exigir-se uma eventual e completa desvinculação”.

Ele compara a situação a outras semelhantes. “Não seria adequado que um integrante do Ministério Público atuasse como auxiliar do juiz em casos de ação penal, preparando-lhe as teses e argumentos a serem utilizados no julgamento. Não teria sentido, ainda, que um advogado das companhias aéreas pudesse ser assessor direto do magistrado que atue nos Juizados existentes nos aeroportos. Seria de todo inadequado que o assessor do juiz do Trabalho fosse um advogado de uma empresa que ali poderia ser julgada.”

O raciocínio, segundo Munhoz, vale também para tribunais superiores, embora haja previsão legal para a convocação de procuradores nesse caso. “A regulamentação interna permissiva da AGU e até mesmo a referida Lei 11.890/2008 obviamente não fazem desaparecer a inconveniência e as violações aos princípios gerais e constitucionais já enumerados. Embora disposição da AGU e a própria lei o permitam, parece ser claro que o Poder Judiciário, pelos tribunais superiores, não poderia aceitar tal oferta”, assevera. “É até mesmo irracional que uma lei impeça a cessão de procuradores aos tribunais regionais e de Justiça e contenha permissão para os tribunais superiores. Pois é justamente nas esferas superiores que se mostra mais nefasta a intervenção e a aproximação da parte com o magistrado, uma vez que delas decorre a uniformização de jurisprudência, súmulas, precedentes, etc.”

Papel determinante
Patricia foi cedida ao TRF-2 em outubro de 2011. Até o ano passado — quando a OAB entrou com o questionamento no CNJ — ela era a única procuradora da Fazenda na função no tribunal. Antes de assumir o cargo, atuou na Execução Fiscal bilionária contra a Vale referente à tribução de lucros no exterior pelo Imposto de Renda Pessoa Jurídica e pela Contribuição Social sobre o Lucro Líquido entre 1996 e 2002 — clique aqui para saber mais.

A Vale contestou a Execução. Segundo a empresa, haveria ilegalidade da tributação da parcela do resultado positivo da equivalência patrimonial decorrente da variação cambial do valor investido nas controladas e coligadas no exterior. E pediu a suspensão da Execução até que a Receita respondesse a um pedido administrativo. Um mês antes de o TRF-2 apreciar esse pedido, Patrícia foi nomeada assessora no gabinete do juiz federal convocado Theophilo Antonio Miguel Filho, relator do caso. Teophilo negou a suspensão da cobrança enquanto tramitava a Ação Cautelar da empresa.

A procuradora é conhecida por integrar o pelotão de frente da PGFN que defende a tese de que o lucro de empresas no exterior coligadas ou subsidiárias de empresas brasileiras deve ser tributado integralmente, mesmo no caso de resultado positivo da equivalência patrimonial decorrente da variação cambial do valor investido nessas empresas — mesmo assunto discutido na Execução contra a Vale. Em maio do ano passado, o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, deferiu liminar que garantiu à mineradora não ter de depositar os R$ 35 bilhões exigidos pelo Fisco pelo menos por enquanto — clique aqui para ler. No último mês de abril, o Plenário do STF referendou a liminar — clique aqui para ler.

Em audiência no CNJ para discutir o caso específico no TRF-2, o advogado Roberto Duque Estrada, que falou em nome do Centro de Estudos de Sociedades de Advogados (Cesa) no debate, afirmou que “a procuradora fez sustentação oral no processo, atuou, e depois foi assessorar o juiz responsável por decidir a causa”. O advogado é sócio do escritório Xavier Bragança Advogados, que defende a Vale na Justiça.

Patrícia não nega nem confirma ter atuado no processo como procuradora, alegando não poder conceder entrevistas. No entanto, em defesa apresentada no Procedimento de Controle Administrativo da OAB-RJ contra o TRF-2, à qual a ConJur teve acesso, afirma que sua atuação como assessora no tribunal não tem qualquer relação com sua atuação como procuradora.

“Esta servidora pública federal foi convidada pelo órgão cessionário (TRF-2), em razão, objetivamente, de sua especial qualificação técnica, para ocupar o cargo de assessor judiciário”, diz ela em defesa enviada ao CNJ. O documento reforça que, como assessora judiciária, a servidora passa a estar subordinada exclusivamente aos magistrados do tribunal, estando afastada da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e licenciada do quadro de inscritos da OAB-RJ.

No documento, Patrícia afirma ainda que, como assessora, não tem poder para interferir em casos do gabinete, “posto que a atividade jurisdicional é reservada exclusivamente ao magistrado, cabendo a este o poder de decidir as demandas judiciais”. Ela diz também que, antes de ser nomeada procuradora da Fazenda, militou como advogada privada, o que mostraria sua capacidade de atuar em diferentes posições na Justiça. A procuradora não retornou ao contato feito pela ConJur para comentar a liminar do CNJ.

Debate nacional
A discussão pode repercutir na cessão de procuradores como assessores em todos os tribunais do país. José Lúcio Munhoz convocou audiência pública para discutir a questão e convidou, além da OAB-RJ e do Conselho Federal da Ordem, a Procuradoria-Geral da República, a Advocacia-Geral da União, a Associação Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (ANPF) e o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz). O Instituto dos Advogados do Brasil (IAB) e o Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa) também se interessaram em debater. A audiência ocorreu no dia 20 de junho do ano passado.

O presidente do Fórum Nacional da Advocacia Pública Federal e do Sinprofaz, Allan Titonelli, não vê problemas na cessão. “Quem decide é o juiz, não o assessor. O assessor vai dar elementos técnicos para o juiz decidir”. Titonelli também pondera que é comum o ministro, diante de uma questão nova, pedir a opinião de dois assessores sobre a matéria para, então, ponderar e formar seu convencimento. Logo, não haveria quebra da paridade de armas.

“Nada mais natural que haja procuradores para dar elementos maiores para o juiz proferir sua decisão com técnica mais apurada. Isso até ajuda na imparcialidade. De outro lado, há mecanismos processuais próprios para que seja declarada suspeição ou impedimento. Não se pode é criar uma norma hipotética que traga a proibição da cessão, que hoje é muito pequena, genericamente”, sustenta.

O advogado-geral da União, ministro Luís Inácio Lucena Adams, disse à ConJur que cessões de procuradores a gabinetes "devem ser excepcionais". Isso não significa que ele concorde com os argumentos da OAB. Para Adams, o problema é que as cessões desfalcam a Advocacia-Geral da União.

“Eu mesmo nunca cedi procurador para gabinetes e vedei a cessão de pessoas que estejam ainda em estágio probatório na instituição. Isso por necessidade da AGU, que precisa de mais gente”, contou. O argumento dos que atacam o “empréstimo” de assessores a gabinetes, porém, é visto por Adams como um ataque aos desembargadores e ministros.

Adams diz que a acusação de que há favorecimento ao Fisco em processos julgados por magistrados assessorados por procuradores da Fazenda Nacional serve para questionar a independência dos julgamentos, o que diz ser absurdo. “Nós [da AGU] mantemos o contato com juízes, com ministros, e não é por isso que eles vão julgar a favor da União. Muito pelo contrário. Nós perdemos na maior parte das vezes.”

Já o presidente do IAB, Fernando Fragoso, afirma ser "inconcebível um juiz ser assessorado pelo representante dos interesses do Fisco, a ajudá-lo na orientação e decisão em processos tributários". Segundo ele, "a Procuradoria exerce os interesses da defesa da Fazenda Pública, naturalmente contrários aos do contribuinte com quem contende em juízo”.

O conselheiro federal da Ordem e ex-presidente da OAB-RJ Wadih Damous concorda. Ele classifica a cessão de servidores como "promiscuidade institucional", já que desfalcam a administração pública em favor da magistratura. “São incompatíveis as atuações de procuradores da Fazenda com as de assessoras de juízes”, afirma.

Segundo Roberto Duque Estrada, tributarista que falou em nome do Cesa na audiência convocada por Munhoz no CNJ, não está em questão a lisura e a capacidade técnica de procuradores da Fazenda e advogados públicos no assessoramento a juízes. “A questão não é essa. A questão é que há desvios em casos concretos. Por isso, é recomendável criar mecanismos que evitem desvios. Quiçá impedir que o procurador seja assessor em processos nos quais atuou. O procurador não pode ser infiltrado dentro de um tribunal”, disse.

Independência funcional
O consultor da União Rafaelo Abritta, que representou a Advocacia-Geral da União, respondeu a Duque Estrada. “Não somos nós que batemos às portas do Judiciário. São os magistrados que solicitam à advocacia pública aquele ou este advogado ou procurador. Não existe a tese de que há infiltrados”, rebateu.

Abritta esclareceu que a AGU não tem opinião contra nem a favor das cessões, mas contesta a tese da OAB-RJ de que o assessor tem uma influência crucial para as decisões. “É inegável que as decisões têm o DNA dos juízes.” Ele também afirmou que não procede imaginar que o procurador licenciado para assessorar um juiz possa sofrer pressões. “Nossa Lei Orgânica assegura a autonomia, a independência para exercer sua função”, disse.

Como ele, o representante do Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), Hugo Mendes Plutarco, e o presidente do Fórum Nacional da Advocacia Pública, Allan Titonelli, defenderam a independência dos procuradores e advogados públicos.

Plutarco afirmou que, como prova da independência, as únicas decisões favoráveis à Vale no processo de execução saíram justamente depois que a procuradora Patrícia Lessa passou a assessorar o juiz. Já Titonelli disse que o papel do advogado público não é defender miopemente o governante de plantão ou qualquer posição estatal. Segundo ele, a lei lhes garante discricionariedade para se atuar até contra o Estado nos casos em que a ordem jurídica é ferida.

O juiz Antonio Henrique Corrêa da Silva, presidente da Associação dos Juízes Federais do Rio de Janeiro e Espírito Santo, afirmou que proibir que juízes requisitem advogados públicos ou que possam ter advogados privados como assessores, o que chegou a ser defendido, “é relegar essa função aos bacharéis que não logram êxito no Exame de Ordem” — ou seja, desqualificar a assessoria dos magistrados.

Influência nas decisões
O advogado Bruno Garcia Redondo, do Sindicato dos Advogados do Rio de Janeiro, disse que a entidade que representa é contra o assessoramento de advogados públicos ou privados. “O assessor influencia, sim, ainda que minimamente, as decisões do magistrado. Se há o risco de imparcialidade, deve haver o impedimento, até para resguardar a imagem das instituições”, afirmou.

Ronaldo Cramer, que representou a OAB do Rio, disse que a influência dos assessores em meio à montanha de processos é algo que se torna importante. “Os juízes decidem e elaboram seus votos, mas dependem de uma boa assessoria. E é inegável que o assessor tem influência sobre a formação do convencimento deles”, disse.

De acordo com Cramer, não é possível determinar a participação do assessor no julgamento. E, em hipótese nenhuma, a OAB-RJ está colocando em xeque a imparcialidade do Judiciário. “Nossa preocupação é com a imagem. Por isso são necessárias regras para coibir as tentações.”

Para Bruno Dantas, conselheiro do CNJ, que participou da audiência pública, a situação, especialmente a do caso concreto, levanta questionamentos. “Como a procuradora que fez sustentação oral peticionou e em seguida foi requisitada para o tribunal para assessorar o juiz que cuida dessa causa e subsidia a decisão do magistrado?”, questionou.

O conselheiro Jorge Hélio refutou a ideia de que o assessor não tem nenhuma influência sobre o juiz. “Qual seu papel, então? Tirar a caspa do paletó? O juiz é responsável pelo que assina, mas o assessor influencia, sim”, afirmou.

Leia a liminar:

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO  0000706-90.2012.2.00.0000

Requerente: Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Estado do Rio de Janeiro

Interessado: Patricia de Seixas Lessa
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil-cfoab
Associação Nacional dos Procuradores Municipais – Anpm
Advocacia Geral da União
Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional – Sinprofaz
Fórum Nacional de Advocacia Pública – Forum
Instituto dos Advogados Brasileiros – Iab                           
Sindicato dos Advogados do Estado do Rio de Janeiro
Associação Nacional dos Procuradores Federais
Centro de Estudo das Sociedades de Advogados – Cesa

Requerido: Tribunal Regional Federal 2ª Região

Advogado(s): RJ094401 – Ronaldo Eduardo Cramer Veiga e Outros (INTERESSADO)
RJ147553 – Guilherme Peres de Oliveira (INTERESSADO)
DF025090 – Hugo Mendes Plutarco (INTERESSADO)
DF034214 – Leonardo Silva Nascimento (INTERESSADO)
RJ080668 – Roberto Duque Estrada de Souza (INTERESSADO)
RJ094401 – Ronaldo Eduardo Cramer Veiga e Outros (REQUERENTE)
RJ147553 – Guilherme Peres de Oliveira (REQUERENTE)
RJ000768 – Wadih Damous (REQUERENTE)
RJ157264 – Erlan dos Anjos Oliveira da Silva (REQUERENTE)
RJ145560 – Gustavo Nogueira Sobreira de Moura (REQUERENTE)
DF019979 – Rafael Barbosa de Castilho (INTERESSADO)
DF019445 – Luis Felipe Freire Lisboa (INTERESSADO)
DF016275 – Oswaldo Pinheiro Ribeiro Junior (INTERESSADO)
DF015200 – Rafaelo Abritta (INTERESSADO)
RJ062121 – Roberto Eduardo Ventura Giffoni (INTERESSADO)


DECISÃO LIMINAR

EMENTA: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. CESSÃO DE PROCURADOR DA FAZENDA NACIONAL. EXERCÍCIO DE CARGO EM COMISSÃO EM TURMAS ESPECIALIZADAS PARA PROCESSAR E JULGAR MATÉRIA TRIBUTÁRIA. PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES PARA A CONCESSÃO DA CAUTELA. ILEGALIDADE DA CESSÃO. DEMORA NO JULGAMENTO PELO CNJ. PEDIDO LIMINAR DEFERIDO.

I. Procedimento de Controle Administrativo no qual a Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Estado do Rio de Janeiro, requer liminarmente seja determinada a imediata suspensão dos efeitos de qualquer Ato Normativo que autorize a cessão de Procuradores da Fazenda Nacional para exercer cargo comissionado em turmas especializadas, com competência para processar e julgar matéria tributária.

II. O fumus boni juris consubstancia-se na previsão contida textualmente na Lei 11.890/08, que não autoriza a cessão de procuradores, exceto para tribunais superiores e ao Supremo Tribunal Federal. Ademais, diversos princípios gerais de Direito também respaldam tal requisito, como o da moralidade, imparcialidade e da independência.

III. Plausibilidade do direito e da possibilidade de prejuízo durante o trâmite do processo, até seu julgamento definitivo, requisitos que justificam, face ao panorama instalado, o deferimento da tutela de urgência, nesta fase do processo.

IV. Pedido liminar deferido para determinar ao Egrégio TRF da 2ª Região, em 48 (quarenta e oito horas), que promova a exoneração da procuradora referida nos autos.

RELATÓRIO

Cuidam os presentes autos de Procedimento de Controle Administrativo no qual a Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Estado do Rio de Janeiro, pleiteia liminarmente seja determinada a imediata suspensão dos efeitos de qualquer Ato Normativo que autorize a cessão de Procuradores da Fazenda Nacional para exercer cargo comissionado em turmas especializadas, com competência para processar e julgar matéria tributária.

Informa que a OAB/RJ teve ciência que procuradores da Fazenda Nacional estão sendo cedidos ao TRF da 2ª Região para assessorarem desembargadores em turmas especializadas, com competência para processar e julgar matéria tributária. Embora a cessão de servidores em geral seja prática comum e prevista na Lei nº 8.112/90, entende que a cessão de Procuradores da Fazenda Nacional para atuarem nessas condições, compromete o necessário equilíbrio do Poder Judiciário.

Em suas premissas, cita a Lei Orgânica da Advocacia Geral da União, Lei Complementar nº 79/93, que veda o exercício da advocacia fora de suas atribuições institucionais por advogados e procuradores da Fazenda Nacional, bem como a Lei nº 9.028/1995, que dispõe sobre o exercício das atribuições institucionais da AGU e estabelece  que as atribuições de servidores da AGU devem ser sempre vinculadas ao Poder Executivo.

Por fim, registra que os advogados públicos estão sujeitos ao Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, cujo normativo traz em seu bojo vedação expressa no sentido de que a advocacia é incompatível com a atividade de cargos ou funções vinculados ao judiciário.

Requer, ao final, seja editada Resolução que impeça a cessão de Procuradores da Fazenda Nacional ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região, especialmente para o exercício de cargo comissionado em turmas especializadas, com competência para processar e julgar matéria tributária.

Pleiteia especificamente a desconstituição do Ato nº T2-ATP2011/00046, de 13 de outubro de 2011, referente a cessão da Procuradora da Fazenda Nacional Patrícia de Seixas Lessa para o TRF da 2ª Região.

Instados a se manifestarem, a Corte requerida, bem como a interessada, afirmam a constitucionalidade e legalidade da cessão de Procurador da Fazenda Nacional para ocupar o cargo comissionado de assessor judiciário, ao fundamento de que o ato está em conformidade com o art. 37, incisos II e V, da Constituição Federal, bem como com os arts. 93, da Lei 8.112/1990, art. 26, da Lei Complementar nº 73/1993 e os arts. 1º e 2º, do Decreto nº 4.050/2001.

Asseguram que o Ato nº T2-ATP-2011/00046, de 13 de outubro de 2011, que nomeou a servidora Patrícia de Seixas Lessa, Procuradora da Fazenda Nacional, para o Tribunal Regional Federal da 2ª Região está em conformidade com os normativos que regem a matéria.

Salientam, ademais, que a nomeação de Procurador da Fazenda Nacional, para desempenhar atividades inerentes ao cargo de assessor judiciário de Magistrado, com atuação em Turma Especializada em matéria tributária, se afigura como ato discricionário do TRF da 2ª Região.

Em réplica, o requerente reitera os argumentos expendidos na inicial, asseverando que a situação em comento não pode ser tratada como mera cessão de servidor público, eis que a questão de fundo é a isonomia processual.

Com vistas a consolidação da matéria, designei audiência pública sobre o tema em questão, oportunidade em que estiveram presentes os Conselheiros Ministro Carlos Alberto, Jefferson Kravchychyn, Bruno Dantas, Jorge Hélio e Emannoel Campelo, além das seguintes entidades: Associação dos Magistrados Brasileiros; Associação dos Magistrados do Pará – AMEPA; Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Estado do Rio de Janeiro; Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; Associação Nacional dos Procuradores Federais – ANPAF; Advocacia Geral da União; Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional – SINPROFAZ; Fórum Nacional da Advocacia Pública; Sindicato dos Advogados do Estado do Rio de Janeiro; Associação dos Juízes Federais do Rio De Janeiro e Espírito Santo – AJUFERJES; Centro de Estudos das Sociedades de Advogados – CESA, sob a presidência deste Relator.

Solicitei a inclusão em pauta desde o dia 17/04/2012 (evento 27). No entanto, dada a ausência de julgamento do presente feito pelo plenário do Conselho Nacional de Justiça e a relevância da matéria, combinado com o pedido de liminar formulado pela parte em 18/06/2013 (evento 262), passo à apreciação da medida de urgência.

É o relatório. DECIDO.

Objetiva a requerente, liminarmente, a suspensão dos efeitos de qualquer Ato Normativo que autorize a cessão de Procuradores da Fazenda Nacional para exercer cargo comissionado em turmas especializadas, com competência para processar e julgar matéria tributária.

Fundamenta o pedido liminar nesta fase do processo ante a possiblidade de “prejuízo permanente aos valores e princípios constitucionais” posto que o feito já foi “incluído em 15 pautas, sem que até a presente data tenha sido chamado para julgamento nas sessões, sendo, nas últimas 08 (oito) vezes, simplesmente adiado em razão do término da sessão”.

O fumus boni juris, consubstancia-se, em juízo preliminar, na previsão expressa contida na Lei 11.890/08, que ampara a pretensão aqui deduzida, senão vejamos:

Art. 7o  Os integrantes das Carreiras e os titulares de cargos a que se referem os incisos I, II, III e V do caput e o § 1º do art. 1º da Lei no 11.358, de 19 de outubro de 2006,somente poderão ser cedidos ou ter exercício fora do respectivo órgão de lotação nas seguintes hipóteses:

I – requisição pela Presidência ou Vice-Presidência da República;

II – cessões para o exercício de cargo em comissão de nível CJ-3 ou superior em gabinete de Ministro do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior;

III – cessões para o exercício de cargo em comissão de nível CC-6 ou superior no Gabinete do Procurador-Geral da República;

IV – cessões para o exercício de cargo de Natureza Especial ou cargos em comissão de nível igual ou  superior a DAS-4 do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores, ou equivalentes, em órgãos do Poder Executivo ou do Poder Legislativo da União, ou de suas autarquias e fundações públicas;

V – exercício de cargo em comissão nos órgãos da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria-Geral Federal, da Procuradoria do Banco Central do Brasil e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional;

VI – exercício de cargo, função ou encargo de titular de órgão jurídico da administração pública federal direta, autárquica ou fundacional;

VII – exercício provisório ou prestação de colaboração temporária, pelo prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, em órgãos da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria Geral Federal, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou da Procuradoria do Banco Central do Brasil;

VIII – exercício de cargo de diretor ou de presidente de empresa pública ou sociedade de economia mista federal;

X – exercício dos cargos de Secretário de Estado ou do Distrito Federal, de cargos em comissão de nível equivalente ou superior ao de DAS-4 ou de dirigente máximo de entidade da administração pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, de prefeitura de capital ou de município com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes;(Redação dada pela Lei nº 12;269, de 2010)

X – no caso de ocupantes dos cargos efetivos de Procurador Federal, para atuar no Conselho de Recursos da Previdência Social; e

XI – no caso de Procurador da Fazenda Nacional, nos seguintes órgãos do Ministério da Fazenda:

a) Gabinete do Ministro de Estado;

b) Secretaria-Executiva;

c) Escola de Administração Fazendária; e

d) Conselho de Contribuintes.

§ 1o  Ressalvado o disposto no inciso I do caput deste artigo, não se aplicam as hipóteses de requisição previstas em lei nos casos em que a cessão não esteja autorizada por este artigo. (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 12;269, de 2010)

§ 2o  Durante o estágio probatório os integrantes das carreiras de que trata este artigo somente poderão ser cedidos para ocupar cargo em comissão de nível DAS-6 do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores e superiores, ou equivalentes. (Redação dada pela Lei nº 12;269, de 2010)

Ora, pelo que se observa, ao utilizar o vocábulo “somente”, o normativo veda expressamente a cessão de procuradores para atuar no âmbito dos tribunais federais, pois autoriza taxativamente apenas a cessão de procuradores para o exercício de cargo em comissão em gabinete de Ministro do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior.

Vislumbro, portanto, a presença da plausibilidade do direito e da possibilidade de prejuízo durante o trâmite do processo, até seu julgamento definitivo, requisitos que justificam, face ao panorama instalado, o deferimento da tutela de urgência, mesmo nesta fase do processo.

De fato, tratando-se de uma aparente ilegalidade, a sua manutenção no tempo, obviamente, gera prejuízos dos mais diversos, a começar pelo próprio descumprimento da ordem jurídica. Ademais, razão assiste à requerente no que diz respeito à extrema deficiência demonstrada pelo Conselho Nacional de Justiça no julgamento dos processos em sessão plenária. O presente feito se encontra pautado e em condições de ter o seu mérito apreciado pelo plenário por mais de um ano, o que depõe contra a necessária celeridade, matéria que deve ser uma das primeiras a ser enfrentada pelo órgão, quanto ao Poder Judiciário como um todo.

Em face de uma ilegalidade aparente, não é razoável submeter a parte a ficar no aguardo do julgamento de mérito pelo Conselho Nacional de Justiça por semanas seguidas, enfrentando gastos com deslocamentos até esta Capital Federal. Sem o julgamento de mérito, salutar que a parte seja contemplada com a medida liminar que pleiteia, em face do descumprimento do comando legal já mencionado.

Não é só.

O ponto central debatido nos presentes autos refere-se ao ato de cessão de Procuradores da Fazenda Nacional ao Poder Judiciário Federal da 2ª Região, para atuarem como assessores jurisdicionais de desembargadores em turmas especializadas, com competência para processar e julgar matéria tributária.

Quando verificamos a finalidade do Poder Judiciário, temos que ele deve ser o porto imparcial para onde o cidadão possa acorrer nos casos de violação de seu Direito. A expectativa do cidadão é encontrar, ali, uma solução segura e não comprometida com a outra parte do litígio.

Por vezes o cidadão tem a necessidade de se socorrer do Poder Judiciário inclusive para se defender de excessos praticados pelos outros Poderes, em especial do Executivo. Lamentavelmente, o Poder Executivo e suas entidades ou instituições vinculadas acabam, muitas vezes, extrapolando seus limites de ação, exorbitando em seus poderes ou violando normas legais quando, ao contrário, deveriam ser os primeiros a cumpri-las.  Não por acaso todos os dados estatísticos apontam que os maiores litigantes do Poder Judiciário são os órgãos da própria Administração Pública.

E o que se espera do Poder Judiciário, quando os demais poderes ultrapassam a linha condutora legal de ação, é que ele aja com imparcialidade, ou seja, que analise livremente os fatos e o direito e, com isenta liberdade, julgue o caso, decidindo o litígio. Para isso, portanto, é fundamental que o juiz analise as circunstâncias, tenha acesso aos argumentos favoráveis e contrários a serem produzidos pelas partes (com igualdade de atuação no âmbito do processo judicial) e possa, após concluídas as suas reflexões, decidir conforme a sua consciência.

Disso resulta a efetivação do sistema de pesos e contrapesos existentes nas democracias modernas, tal qual sistematizado por Montesquieu, ao desenvolver as teses iniciais de Aristóteles (Constituição Mista) e Lo>“Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de Magistratura, o Poder Legislativo é reunido ao Executivo, não há liberdade. Porque pode temer-se que o mesmo Monarca ou mesmo o Senado faça leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Também não haverá liberdade se o Poder de Julgar não estiver separado do Legislativo e do Executivo. Se estivesse junto com o Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário: pois o Juiz seria o Legislador. Se estivesse junto com o Executivo, o Juiz poderia ter a força de um opressor. Estaria tudo perdido se um mesmo homem, ou um mesmo corpo de principais ou nobres, ou do Povo, exercesse estes três poderes: o de fazer as leis; o de executar as resoluções públicas; e o de julgar os crimes ou as demandas dos particulares.”   (Do Espírito das Leis)

Nesse princípio de separação de Poderes que se constitui o Estado Democrático de Direito, instituído em nosso país e que fundamenta o funcionamento do Poder Judiciário, de modo a garantir aos cidadãos a certeza de que seu caso terá um tratamento adequado e isento pelo Poder Judiciário, o qual atuará sem influências de qualquer natureza em sua ação de julgar. Com isso se consegue a independência do poder de julgar e a garantia do tratamento igualitário ao jurisdicionado.

Os princípios são tão relevantes do ponto de vista jurídico, que Celso Antônio Bandeira de Mello assevera que sua violação é a mais grave forma de ilegalidade, assim dispondo “Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade.”[1]

Se assim o é, parece-nos claro que uma das partes não pode ou não deve, por seu procurador, ter acesso privilegiado ao julgador e ter a liberdade de ofertar-lhe opiniões ou minuta de julgamento a respeito de caso de seu interesse (ainda que em tese).

Ao permitir tal privilégio a uma das partes, parece que o princípio da igualdade previsto no caput do art. 5º da Constituição Federal poderia ser maculado. De fato, quando uma das partes tem o acesso mais facilitado e exclusivo ao julgador, nos parece evidente que a outra pode sofrer prejuízos no respectivo processo. Afinal, uma parte não pode ser “mais igual” que a outra e contar com privilégios exclusivos sem que tal possibilidade seja comum a todos.

Do igual pertinência, o art. 5º, LV, da Constituição Federal garante às partes do litígio o chamado “contraditório” de modo que a versão isolada de uma das partes não seja o único elemento a ser apresentado ao julgador. Assim, o processo deve trazer em seu desenvolvimento mecanismos de proteção, de modo que ao se permitir voz a uma das partes, à outra deve ser dado o mesmo tratamento.

No caso presente, no entanto, uma representante da Fazenda, vinculada diretamente ao Poder Executivo (com quem mantém seu vínculo jurídico e de quem recebe sua remuneração e que tem como sua atribuição funcional e dever legal a defesa da União), atua como assessora jurisdicional do magistrado que julga os casos de interesse da própria entidade fazendária.

Entre as funções do assessor jurisdicional, se encontram a de assessorar e/ou elaborar minutas de relatório e voto e demais atos e documentos do gabinete relativos aos processos judiciais; prestar assessoramento em assuntos relativos ao exame da matéria processual;  efetuar estudos e pesquisas objetivando o assessoramento relativo a matéria do processo, fazendo levantamento da legislação, jurisprudência e doutrina respectivas; entre outras.

Nos relacionamentos humanos, em especial numa atividade intelectual que cuida de aspectos relacionados ao Direito, quando há um vínculo direto e pessoal entre o magistrado e o seu assessor, este não é visto apenas como um elemento estranho no processo de produção do juiz. Formam-se vínculos outros, em especial o de fidúcia, até mesmo porque essa é a característica principal e necessária para a ocupação do respectivo cargo, que é de “confiança” e, portanto, de livre admissão e exoneração.

Se é verdade que a decisão final é do magistrado, não se pode negar que a apresentação de uma proposta de decisão elaborada pelo assistente direto do julgador pode vir a influenciá-lo no julgamento ou, pelo menos, lhe trazer significativos elementos que, de modo especial, privilegia ou pode privilegiar uma parte em detrimento da outra e constitui violação ao princípio da “igualdade de armas” no curso do processo judicial.

Se as partes contendem perante um processo judicial, para que haja equilíbrio entre elas e para que o processo seja adequadamente justo, se faz necessário garantir-lhes os mesmos instrumentos e recursos. Do contrário, a lide não será igualitária.

Tal dispositivo se encontra previsto no Código de Processo Civil Português, em seu artigo 3º A, nos seguintes termos:  “O tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais.”

Dessa circunstância não restou distante do nosso estatuto processual civil, ao assim dispor o art. 125, I, do CPC: “O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe: I – assegurar às partes igualdade de tratamento;”.

Afinal, para um juiz bem decidir, com isenção, ele precisa receber das partes manifestações em igualdades de condições, pois isso o auxilia no caminho de sua independência e da imparcialidade, de modo que sua decisão seja fruto de suas próprias reflexões e de seu livre pensar.

Como nos ensina o Professor Paulo Henrique dos Santos Lucon, sempre que constatar a desigualdade, deverá o juiz intervir para a devida compensação:

….ao fazer observar a igualdade das partes no processo, caberá ao juiz compensar de modo adequado desigualdades econômicas de modo a permitir a efetiva, correta e tempestiva defesa dos direitos e interesses em juízo. Tal é a igualdade real e proporcional, isto é, o tratamento desigual deve ser dispensado aos substancialmente desiguais na exata medida da desigualdade.

E isso não se faz presente no caso em apreço, eis que aos litigantes contra a Fazenda não dispõem do mesmo tratamento dispensado a esta, quando ela possui uma procuradora como assessora direta do juiz que julgará a causa.  Ora, como vimos, a assessoria prestada no âmbito dos tribunais é responsável por colaborar com a redação dos expedientes elaborados pelos Magistrados, e, por óbvio, até mesmo pela natureza da função de Assessor, o conhecimento apurado sob determinadas matérias pode acabar influenciando na opinião do julgador, comprometendo dessa forma a igualdade entre as partes e violando a moralidade administrativa.

E não convence o argumento, com o máximo de respeito, de que ao ser nomeada para assessora de gabinete do magistrado, a procuradora se encontra desvinculada de suas atuações originárias na Procuradoria e isso lhe permitiria certa isenção.

Em primeiro lugar, ela mantém o seu vínculo jurídico com o órgão de origem, eis que não há desvinculação formal.  Em segundo, há a vinculação intelectual com as teses que normalmente lá defende ou sustenta, no seu dia-a-dia funcional. Isso tudo cria uma dependência quanto aos entendimentos jurídicos, que é absolutamente natural ao ser humano. Aliás, seria justamente anormal exigir-se uma eventual e completa desvinculação. 

É bem verdade que se pode argumentar que a procuradora – e obviamente se acredita que assim ela atue em sua função! – seja comprometida com as causas maiores da Justiça e transmita ao magistrado, nos processos em que atue, todas as versões jurídicas a respeito dos casos, de modo a não beneficiar as teses da Fazenda Pública. Ainda assim, isso não elidiria a necessidade de eliminar esse auxílio, que sem dúvida alguma, macula a expectativa de seriedade que a parte adversa espera do Poder Judiciário.

De fato, não seria adequado que um integrante do Ministério Público atuasse como auxiliar do juiz em casos de ação penal, preparando-lhe as teses e argumentos a serem utilizados no julgamento. Não teria sentido, ainda, que um advogado das companhias aéreas pudesse ser assessor direto do magistrado que atue nos juizados existentes nos aeroportos. Seria de todo inadequado que o assessor do juiz do trabalho fosse um advogado de uma empresa que ali poderia ser julgada.

Enfim…, para se legitimar como atividade estatal respeitável, não pode pairar sob os julgamentos qualquer dúvida a respeito da livre e desapaixonada atuação do magistrado, circunstância de difícil compreensão pela parte, quando a outra fornece ao juiz um assessor para elaborar proposta de sentença/acórdão.

O jurisdicionado – e qualquer cidadão – espera e confia que o juiz não possa receber influências descabidas ou em situação de desigualdade processual. E, lamentavelmente, tal crença na isenção do magistrado cai por terra quando ele conta com auxílio de representante de uma das partes justamente na elaboração do julgamento.

Os princípios da igualdade e do contraditório impedem, portanto, a manutenção da assessoria mencionada nos autos. Mais que isso, os demais princípios da separação de Poderes e da moralidade administrativa também inibem tal procedimento aqui retratado.  Os dispositivos referidos pela interessada e pelo tribunal, que normalmente permitem a cessão de servidores no âmbito da Administração Pública, inclusive entre Poderes diferentes, obviamente não se sobrepõem aos primados constitucionais e princípios gerais de Direito, aplicáveis ao caso.

Não se trata de uma mera e comum “cessão” de servidor, instrumento necessário para a boa organização e funcionamento da Administração Pública.  Trata-se da cessão de uma Procuradora da Fazenda para assessorar um magistrado na elaboração de seus julgados, os quais dizem respeito a matérias de interesse do órgão cedente. 

A cessão de servidor – normalmente legítima e possível – nesse caso, no entanto, acaba constituindo atividade ilegal, pois que violadora dos princípios e finalidades esperadas em casos tais.

Ainda sobre a ofensa aos normativos que orientam a Administração Pública, temos que o Ato em apreço viola também a moralidade administrativa, princípio de igual importância junto aos demais elencados no artigo 37, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil.

Por este princípio, não basta ao administrador o cumprimento da estrita legalidade, ele deverá observar também os princípios éticos de razoabilidade e justiça, pois a moralidade constitui pressuposto de validade de todo ato administrativo.[2]

A moralidade torna jurídico o pedido de atuação ética dos agentes da Administração Pública, de forma que os atos praticados em desconformidade com seus parâmetros devem ser declarados inválidos.

A notável jurista Maria Sylvia Zanella de Pietro assevera que “quando se exige probidade ou moralidade administrativa, isso significa que não basta a legalidade formal, restrita, da atuação administrativa, com observância da lei; é preciso também a observância dos princípios éticos, de lealdade, boa-fé, de regras que assegurem a boa administração e a disciplina interna na Administração Pública.”[3]

Na lição de José Afonso da Silva, é remota a diferença entre Direito e Moral, sendo a Licitude e Honestidade “traços distintivos entre o direito e a moral, numa aceitação ampla do brocardo segundo o qual non omne quod licet honestum est” que significa que nem tudo que é legal é honesto.[4]

O Supremo Tribunal Federal – STF, ao se manifestar sobre o princípio em referência, assim dispôs:

Recurso Extraordinário nº 160.381 – SP, Rel. Min. Marco Aurélio. Poder-se-á dizer que apenas agora a Constituição Federal consagrou a moralidade como principio de administração pública (art 37 da CF). isso não é verdade. Os princípios podem estar ou não explicitados em normas. Normalmente, sequer constam de texto regrado. Defluem no todo do ordenamento jurídico. Encontram-se ínsitos, implícitos no sistema, permeando as diversas normas regedoras de determinada matéria. O só fato de um princípio não figurar no texto constitucional, não significa que nunca teve relevância de principio. A circunstância de, no texto constitucional anterior, não figurar o principio da moralidade não significa que o administrador poderia agir de forma imoral ou mesmo amoral. Como ensina Jesus Gonzales Perez “el hecho de su consagracion em uma norma legal no supone que com anterioridad no existiera, ni que por tal consagración legislativa haya perdido tal carácter” (El principio de buena fé em el derecho administrativo. Madri, 1983. p. 15). Os princípios gerais de direito existem por força própria, independentemente de figurarem em texto legislativo. E o fato de passarem a figurar em texto constitucional ou legal não lhes retira o caráter de principio. O agente público não só tem que ser honesto e probo, mas tem que mostrar que possui tal qualidade. Como a mulher de César”

Embora o princípio em apreço tenha previsão constitucional, com manifestação do Supremo Tribunal Federal no sentido de que o agente público deve ser honesto e probo, demonstrando tais qualidades no desempenho de suas atividades, a doutrina entende  complexa a desconstituição de atos imorais dissociados de ilegalidade, assim expendendo Franco Sobrinho“é Difícil de saber por que o princípio da moralidade no direito encontra tantos adversários. A teoria moral não é nenhum problema especial para a teoria legal. As concepções na base natural são analógicas. Por que somente a proteção da legalidade e não da moralidade também? A resposta negativa só pode interessar aos administradores ímprobos. Não à Administração, nem à ordem jurídica. O contrário seria negar aquele mínimo ético mesmo para os atos juridicamente lícitos. Ou negar a exação no cumprimento do dever funcional.”[5]

Ainda sobre o tema, Georges Ripert ensina que "se uma lei corresponde ao ideal moral, a sua observância será facilmente assegurada; o respeito pela lei apoiar-se-á sobre a execução voluntária e contente do dever, a sanção será eficaz porque ela atingirá os membros da sociedade reconhecidamente rebeldes ao dever. Se, ao contrário, a lei fere o ideal moral da sociedade, ela não será senão imperfeitamente obedecida até o dia em que, malgrado sua aplicação difícil, ela conseguir deformar o ideal moral e aparecer ela mesma como a tradução de um outro ideal."[6]

E, para concluir, José Afondo da Silva ressalta que é possível a desconstituição de um ato legal mas imoral, eis que “ (…) a moralidade administrativa não é meramente subjetiva, porque não é puramente formal, porque tem conteúdo jurídico, a partir de regras e princípios da Administração.”[7]

Consoante tais entendimentos, podemos inferir que não é possível dissociar in concreto o Direito da Moral, eis que o Direito nasce indiretamente da Moral e, portanto, se fundamentando num ideal do que se entende por correto, probo.

Assim, entendo que o ato de cessão de procurador da Fazenda, para gabinete de desembargadores que apreciam matéria tributária, além de atentar frontalmente contra a legalidade e contra a isonomia processual, como já vimos, infringe também a moralidade administrativa[8], pressuposto de validade dos atos da administração pública, motivo pelo qual impõe sua desconstituição.

Ainda que a cessão da procuradora fosse amparada pelo ordenamento pátrio, numa ponderação entre os direitos fundamentais no caso em apreço, prevaleceria o interesse público.

Desse modo, competente o Conselho Nacional de Justiça para zelar pela autonomia do Poder Judiciário, a legalidade de seus atos administrativos e pelo devido respeito e aplicação do artigo 37 da Constituição Federal (art. 103 da CF), outra não pode ser a alternativa que não a de acolher o pedido de liminar para reconhecer a impropriedade da cessão realizada e determinar a exoneração da respectiva servidora do cargo em apreço.

Não se vincula o CNJ, obviamente, aos normativos internos da Advocacia Geral da União. Mas ao que parece, nem mesmo as disposições regulamentares da própria Advocacia Geral da União autorizariam a cessão respectiva.

O próprio Ato Regimental nº 06, de 2008, da Advocacia Geral da União, nega validade à respectiva cessão, senão vejamos:

ATO REGIMENTAL Nº 6, DE 30 DE OUTUBRO DE 2008

Dispõe sobre o exercício de cargos em comissão ou encargo por Advogados da União e Procuradores Federais em órgãos diversos daqueles em que estão lotados, e dá outras providências.

O ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO, no uso das atribuições que lhe confere o art. 4º, inciso I, da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, e tendo em vista o disposto nos arts. 7º, 161 e 162 da Medida Provisória nº 440, de 29 de agosto de 2008, resolve:

Editar o presente Ato Regimental, que dispõe sobre o exercício de cargos em comissão ou encargo por Advogados da União e Procuradores Federais em órgãos diversos daqueles em que estão lotados

Art. 1º Os Advogados da União, os Procuradores Federais, bem como os integrantes dos quadros suplementares de que trata o art. 46 da Medida Provisória nº 2.229-43, de 6 de setembro de 2001, somente poderão exercer cargos em comissão, função ou encargo fora dos seus respectivos órgãos de lotação da Advocacia-Geral da União – AGU e da Procuradoria-Geral Federal – PGF nas seguintes hipóteses:

I – cessão para o exercício de:

a) cargo em comissão de nível CJ-3 ou superior em gabinete de Ministro do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior;

b) cargo em comissão de nível CC-6 ou superior no Gabinete do Procurador-Geral da República;

c) cargo em comissão de Natureza Especial ou do Grupo de Direção e Assessoramento Superiores – DAS, de nível 4, 5 e 6, ou equivalentes, em órgãos do Poder Executivo ou do Poder Legislativo da União, incluindo suas autarquias e fundações;

d) cargo de diretor ou de presidente de empresa pública ou de sociedade de economia mista federal;

e) cargo de Secretário de Estado, do Distrito Federal, de prefeitura de capital ou de dirigente máximo de entidade da administração pública daqueles entes federados;

II – exercício de cargo em comissão em órgãos da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral Federal;

III – exercício de cargo, função ou encargo de titular de órgãos da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral Federal;

IV – para atuar junto ao Conselho de Recursos da Previdência Social – CRPS, no caso de ocupantes de cargo efetivo de Procurador Federal. (sem destaque no original)

No mesmo normativo, a Advocacia Geral da União também ressalta a precariedade da medida, ao determinar que o prazo para as atividades fora dos órgãos de lotação da AGU e PGF deve ser de 01 (um) ano, podendo, ser renovado apenas se houver interesse da AGU, conforme §3º do Ato Regimental em referência.[9]

Disso verificamos que a própria AGU nada mais fez do que dispor tal qual previsto na própria Lei 11.890/08:

Art. 7o  Os integrantes das Carreiras e os titulares de cargos a que se referem os incisos I, II, III e V do caput e o § 1º do art. 1º da Lei no 11.358, de 19 de outubro de 2006,somente poderão ser cedidos ou ter exercício fora do respectivo órgão de lotação nas seguintes hipóteses:

I – requisição pela Presidência ou Vice-Presidência da República;

II – cessões para o exercício de cargo em comissão de nível CJ-3 ou superior em gabinete de Ministro do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior;

III – cessões para o exercício de cargo em comissão de nível CC-6 ou superior no Gabinete do Procurador-Geral da República;

IV – cessões para o exercício de cargo de Natureza Especial ou cargos em comissão de nível igual ou  superior a DAS-4 do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores, ou equivalentes, em órgãos do Poder Executivo ou do Poder Legislativo da União, ou de suas autarquias e fundações públicas;

V – exercício de cargo em comissão nos órgãos da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria-Geral Federal, da Procuradoria do Banco Central do Brasil e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional;

VI – exercício de cargo, função ou encargo de titular de órgão jurídico da administração pública federal direta, autárquica ou fundacional;

VII – exercício provisório ou prestação de colaboração temporária, pelo prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, em órgãos da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria Geral Federal, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou da Procuradoria do Banco Central do Brasil;

VIII – exercício de cargo de diretor ou de presidente de empresa pública ou sociedade de economia mista federal;

X – exercício dos cargos de Secretário de Estado ou do Distrito Federal, de cargos em comissão de nível equivalente ou superior ao de DAS-4 ou de dirigente máximo de entidade da administração pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, de prefeitura de capital ou de município com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes; (Redação dada pela Lei nº 12;269, de 2010)

X – no caso de ocupantes dos cargos efetivos de Procurador Federal, para atuar no Conselho de Recursos da Previdência Social; e

XI – no caso de Procurador da Fazenda Nacional, nos seguintes órgãos do Ministério da Fazenda:

a) Gabinete do Ministro de Estado;

b) Secretaria-Executiva;

c) Escola de Administração Fazendária; e

d) Conselho de Contribuintes.

§ 1o  Ressalvado o disposto no inciso I do caput deste artigo, não se aplicam as hipóteses de requisição previstas em lei nos casos em que a cessão não esteja autorizada por este artigo. (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 12;269, de 2010)

§ 2o  Durante o estágio probatório os integrantes das carreiras de que trata este artigo somente poderão ser cedidos para ocupar cargo em comissão de nível DAS-6 do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores e superiores, ou equivalentes. (Redação dada pela Lei nº 12;269, de 2010).

Ora, pelo que se observa, o normativo veda tacitamente a cessão de procuradores para atuar no âmbito dos tribunais federais, pois autoriza taxativamente apenas  a cessão de procuradores para o exercício de cargo em comissão em gabinete de Ministro do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior.

Como este Conselho Nacional de Justiça não possuí competência sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal, parece ser claro que sobre tal matéria não pode o CNJ dispor.

Quanto aos tribunais superiores, todavia, a regulamentação interna permissiva da AGU e até mesmo a referida lei 11.890/08, obviamente não fazem desaparecer a inconveniência e as violações aos princípios gerais e Constitucionais já enumerados. Embora disposição da AGU e a própria lei o permita, parece ser claro que o Poder Judiciário, pelos Tribunais Superiores, não poderia aceitar tal oferta. 

Os princípios de independência que norteiam ou devem conduzir a atuação do Poder Judiciário não se mostram compatíveis com a possibilidade referida na Lei 11.890/08. Verifica-se que a lei não impõe uma obrigação e nem cria o direito à cessão, que, portanto, não precisa ser aceita pelos tribunais superiores (eis que já proibidas aos demais tribunais). Na sua atuação administrativa, portanto, os tribunais superiores devem impedir qualquer ação que coloque em dúvida a integridade ou imparcialidade de seus magistrados ou decisões.

Ademais, é até mesmo irracional que uma lei impeça a cessão de procuradores aos tribunais regionais e de justiça e contenha permissão para os tribunais superiores. Pois é justamente nas esferas superiores que se mostra mais nefasta a intervenção e a aproximação da parte com o magistrado, uma vez que delas decorre a uniformização de jurisprudência, súmulas, precedentes, etc.

Desse modo e tendo em vista que compete a este Conselho Nacional de Justiça zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, entendo indispensável a análise minudente da matéria relativa a cessão de Procuradores da Fazenda Nacional para o exercício de atribuições no âmbito do Poder Judiciário.

Por ser a Advocacia da União órgão de assessoramento jurídico direto do Poder Executivo, faz-se imperioso o estabelecimento de limites às nomeações de seus membros no âmbito do Poder Judiciário, como pretendeu fazer a própria AGU, sob pena de violação aos princípios gerais do direito.

Dessa forma, os princípios de independência que norteiam ou devem conduzir a atuação do Poder Judiciário não se mostram compatíveis com a medida adotada pelo tribunal requerido, que não encontra amparo na Lei 11.890/08, razão pela qual há fundado receio de dano irreparável.

De todo modo, não seria possível, em tutela liminar, o deferimento da medida para alcançar todos os tribunais, sem qualquer especificação. A uma porque eles não integram o presente processo, a duas porque não restaram especificados os casos respectivos, a três porque há disposição normativa legal que deve, em tese, ser por todos respeitada. Deste modo, restrinjo o alcance da medida liminar pleiteada ao caso especificamente previsto no presente processo, que trata da cessão da procuradora interessada ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região.

Ademais, tratando-se de procuradora da fazenda, ela simplesmente retornará ao seu cargo de origem, sem maiores prejuízos. Assim, muito melhor privilegiar a legalidade no âmbito do tribunal, que eventual conveniência ou interesse pessoal.

Ante o exposto e em atenção aos princípios da moralidade, legalidade e igualdade entre as partes, que respaldam a atuação do gestor público, acolho o pedido de medida liminar para, até o julgamento de mérito, determinar ao Egrégio TRF da 2ª Região, em 48 (quarenta e oito horas), que promova a exoneração da ilustre Procuradora da Fazenda Nacional, Dra. Patrícia de Seixas Lessa, para atuar como assessora judiciária perante aquela corte, e a sua devolução respectiva ao órgão de origem, até porque ilegal a cessão referida, diante do que dispõe o art. 7º da Lei 11.890/08.

Intimem-se as partes, a interessada e a Advocacia Geral da União da concessão da presente medida.

Inclua-se o feito em pauta para ratificação da cautela.

Brasília, 25 de junho de 2013.

Conselheiro JOSÉ LUCIO MUNHOZ
Relator


[1] MELLO. Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26ª Edição. 2008.

[2] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2005.

[3] Direito administrativo/ Maria Sylvia Zanella Di Pietro. – 22. Ed. – São Paulo: Atlas, 2009

[4] Direito administrativo/ Maria Sylvia Zanella Di Pietro. – 22. Ed. – São Paulo: Atlas, 2009

[5] FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. O princípio Constitucional da moralidade administrativa. 2 ed. Curitiba: Gênesis, 1993.

[6] RIPERT, Georges. A regra moral nas obrigações civis. Campinas – Bookseller, 2002

[7] AFONSO DA SILVA. José.Comentário contextual à Constituição. 6ª edição. 2009.

[8] Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988. Art. 37. “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte (…)”

[9] Ato Regimental nº 06. AGU. Art. 1º, § 3º A cessão será concedida pelo prazo de até um ano, podendo ser renovada no interesse da Advocacia-Geral da União – AGU.

JOSÉ LUCIO MUNHOZ
Conselheiro

*Texto alterado às 21h55 do dia 27 de junho de 2013 para alteração de informações.

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