Conduta atípica

Entrar com droga em presídio não é crime, decide TJ-RS

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25 de junho de 2013, 18h07

Tentar ingressar no presídio com drogas em cavidades íntimas, com o objetivo de entregá-las a terceiros, é conduta criminalmente atípica, e não crime. Seguindo essa linha de jurisprudência, ainda em construção, a maioria dos integrantes da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul aceitou Apelação para absolver uma mulher que tentou entrar no Presídio Central de Porto Alegre com drogas escondidas na vagina.

No primeiro grau, ela foi condenada a pena de quase dois anos de reclusão, transformada, na dosimetria, em prestação de serviços à comunidade.

O relator do recurso no colegiado, desembargador João Batista Marques Tovo, confirmou os termos da sentença, mas ficou isolado em relação ao posicionamento assumido pelos colegas Diógenes Hassan Ribeiro e Nereu José Giacomolli. Ambos absolveram a ré com base no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal — "não constituir o fato infração penal". O acórdão é do dia 23 de maio.

Meio ineficaz
O desembargador Diógenes Hassan Ribeiro, que lavrou o acórdão, afirmou que ficou comprovada a ineficácia absoluta do meio utilizado, já que, para entrar no estabelecimento prisional, a autora seria submetida a minuciosa inspeção. Tal entendimento vai de encontro às disposições do artigo 17 do Código Penal, que diz, ipsis literis: ‘‘Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime’’.

Ele criticou a aplicação do tipo penal do artigo 33, caput, da Lei 11.343/2006, ao caso concreto, que acabou condenando a ré no primeiro grau. Primeiro, porque, a seu ver, não incide no caso dos autos, em aplicação ‘‘racional e razoável’’, já que a conduta da autora se revelou atípica. E, em segundo lugar, porque esse tipo apresenta conteúdo múltiplo, na medida em que elenca diversos verbos nucleares para açambarcar todas as condutas relacionadas a drogas como típicas. Ou seja, não admite a tentativa.

Para o desembargador, a Lei procura justificar o fato de que o Estado não tem condições de, com segurança e num sistema lógico, localizar substância entorpecente nas casas prisionais.

‘‘Essa, portanto, a perversidade do sistema: prende, pune e condena mulheres que estavam tentando ingressar no presídio com substâncias entorpecentes. Vale dizer: prende pessoas em razão de outros presos e em razão da ineficiência do sistema prisional e do Estado’’, finalizou.

Dignidade humana
Além de se aliar às criticas ao tipo penal que levou à condenação da autora, o desembargador Nereu José Giacomolli deu provimento à Apelação com base em outro fundamento jurídico: a invalidade da prova por afronta à dignidade da pessoa humana. O respeito à integridade física e moral vem contemplado no artigo 5º, inciso XLIV, da Constituição Federal.

Por isso, explicou Giacomolli, o corpo da pessoa recebe potencialidade protetiva maior que a vida privada, a honra, a imagem (artigo 5º, inciso X), a casa (inciso XI), a correspondência ou a comunicação telefônica (inciso XII). Tal proteção explica por que a persecução criminal não se legitima na busca, a qualquer preço ou custo, da prova, sem a observância dos direitos fundamentais.

Nessa linha, afirmou que o Estado deveria lançar mão de metodologias menos invasivas da esfera íntima das acusadas. Isso porque, ‘‘desnudar, total ou parcialmente a mulher, colocá-la de cócoras, fazê-la girar, movimentar-se nessa posição, situa-se no medievo [Idade Média], inadmissível, em pleno século XXI’’.

Assim, a ‘‘extração’’ da prova do corpo da autora, por este viés, seria ilícita, a teor do que dispõe o artigo 157 do Código de Processo Penal — destacou.

‘‘Retirada e destruída a prova considerada ilícita, nada mais resta com potencialidade probatória a dar supedâneo a um juízo condenatório, pois tudo o mais decorre do flagrante ilegal. Por isso, dou provimento ao apelo para absolver a acusada, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do CPP’’, fulminou o desembargador.

O caso
No dia 26 de outubro de 2010, por volta das 9h, Leidi Valéria Ferreira tentou entrar no Presídio Central de Porto Alegre com uma pequena porção de crack e de maconha alojada na vagina. As drogas, acondicionadas dentro de um preservativo masculino, foram descobertas pelas policiais femininas durante a revista.

Depois de ser presa e, posteriormente, liberada provisoriamente, Leidi apresentou defesa por meio defensor público. Afirmou que não é traficante e que só tentou entrar com droga no presídio por pressão do seu companheiro, que se encontra cumprindo pena e é usuário. Em síntese, garantiu ter sido a primeira vez que se envolveu neste tipo de delito.

Denúncia procedente
Em sentença proferida no dia 10 de agosto de 2012, o juiz José Ricardo Coutinho Silva, da 1ª Vara Criminal do Foro Regional do Partenon, em Porto Alegre, julgou procedente a Ação Penal manejada pelo Ministério Público estadual. Ele condenou a autora às penas do artigo 33, caput, com a incidência do parágrafo 4º (transportar drogas ilícitas); e do artigo 40, inciso III (dentro do estabelecimento prisional), ambos da Lei 11.343/2006.

O julgador rejeitou o argumento de que Leidi poderia ter sido ameaçada para fazer o transporte da droga para dentro do presídio. Para ele, caberia à denunciada, se realmente estivesse sob risco, denunciar a situação às autoridades — ao invés de cometer conduta criminosa. Logo, complementou, não se poderia falar em ‘‘coação irresistível’’ ou ‘‘inexigibilidade de outra conduta’’.

Como a ré é primária e não se dedica a atividades criminosas, o juiz substituiu a pena de prisão — arbitrada em um ano, 11 meses e 10 dias — por restritivas de direito de prestação de serviços à comunidade, pelo mesmo tempo em que permaneceria encarcerada, além de lhe impor pagamento de multa.

Clique aqui para ler a sentença e aqui para ler o acórdão. 

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