Reforma política

Proposta de revisão da Constituição é inconstitucional

Autores

  • Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira

    é membro da lista referencial de árbitros da Cames procurador do estado de São Paulo mestre e doutor em Direito do Estado pela PUC-SP.

  • Juliano Taveira Bernarndes

    é juiz federal mestre em Direito e Estado pela Universidade de Brasília (UnB). Professor convidado dos cursos de pós-graduação em Direito Constitucional e Direito Tributário da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás (UFG) e dos cursos de pós-graduação em Direito (JusPodivm e LFG). Foi Promotor de Justiça (1996/1997) Juiz de Direito em Goiás (1997/1998) e professor efetivo da Faculdade de Direito da UFG (2005/2012).

24 de junho de 2013, 22h33

Foi com surpresa que lemos a notícia da declaração da presidente Dilma:

“Quero, nesse momento, propor um debate sobre a convocação de um plebiscito popular que autorize o funcionamento de um processo constituinte específico para fazer a reforma política que o país tanto necessita. O Brasil está maduro para avançar. (…) " (cf. site http://blog.planalto.gov.br/dilma-propoe-plebiscito-para-reforma-politica/, acesso dia 24 de junho de 2013).

Como é cediço, as normas constitucionais são dotadas de supremacia, a qual configura princípio constitucional implícito, o que significa que todas as normas do ordenamento jurídico devem com ela guardar relação de compatibilidade, sob pena da prática de ato nulo.

Mas a Constituição admite alterações, as quais somente poderão ocorrer por meio de emenda constitucional (artigo 60 da CF), sujeita a diversos limites: expressos e implícitos.

Dentre os implícitos ressaltamos que não mais cabe revisão constitucional para alteração da Constituição, eis que só prevista uma vez no artigo 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), afigurando-se como limite implícito ao poder derivado reformador: “a proibição a que se façam novas revisões constitucionais, porquanto tal norma limitadora é obtida da interpretação a contrario sensu do artigo 3º do ADCT, ao argumento de que, se fossem permitidas novas revisões, o constituinte originário as teria previsto expressamente” (cf. Juliano Taveira Bernardes e Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira, Direito Constitucional, Tomo I, Salvador: Juspodivm, 2012, p. 123). Em poucas palavras, atualmente qualquer revisão constitucional não é autorizada pela Lei Maior.

Mas se uma emenda constitucional alterasse o artigo 3º do ADCT, permitindo uma reforma constitucional sujeita a plebiscito?

Trata-se da aplicação do que se convencionou chamar de teoria da “dupla reforma” ou da reforma em “dois tempos”, que é uma “teoria concebida para contornar as limitações constitucionais ao poder de reforma, mediante duas operações subsequentes de alteração formal da constituição. Numa primeira operação, revogam-se ou excepcionam-se as limitações criadas pelo poder constituinte originário; numa segunda operação, altera-se a Constituição, sem nenhum desrespeito ao texto já em vigor após a modificação anterior.

O argumento básico em defesa da dupla revisão está em que são relativos, e não absolutos, os eventuais limites impostos ao poder constituinte derivado. As normas que regulam os limites materiais ao poder de reforma constitucional não deixam de ter a mesma hierarquia que as demais normas constitucionais. Daí, se inexistem normas constitucionais a proibi-la, a dupla revisão constitucional é juridicamente possível.

Na doutrina estrangeira, a dupla revisão é defendida por autores a entender que as regras do processo de revisão constitucional são suscetíveis de modificação como quaisquer outras normas; e também as normas que contemplem limites expressos não são lógica nem juridicamente necessárias, de modo que se podem revisá-las do mesmo modo que quaisquer outras normas. Mas as normas que fixem tais limites devem ser cumpridas enquanto não forem alteradas.

No Brasil, a possibilidade da dupla revisão é minoritária. Os que a defendem afirmam inexistirem limites implícitos contra a alteração dos limites materiais explícitos, porque cláusulas implícitas “há por todos os gostos” (Ferreira Filho, 1995, p. 14 e segs.). Para outros, a dupla reforma é admissível, desde que não altere o caráter rígido da Constituição brasileira (Machado Horta).

No entanto, a tese da dupla revisão é rejeitada pela esmagadora maioria da doutrina nacional, que a considera verdadeira fraude à autoridade do constituinte originário (cf. Juliano Taveira Bernardes e Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira, Direito Constitucional, Tomo I, Salvador: Juspodivm, 2012, p. 125).

No Supremo Tribunal Federal prevalece o entendimento ora defendido no sentido da impossibilidade da dupla revisão:

“Ao Poder Legislativo, federal ou estadual, não está aberta a via da introdução, no cenário jurídico, do instituto da revisão constitucional." (ADI 1.722-MC, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 10-12-1997, Plenário, DJ de 19-9-2003.)

"Emenda ou revisão, como processos de mudança na Constituição, são manifestações do poder constituinte instituído e, por sua natureza, limitado. Está a ‘revisão’ prevista no artigo 3º do ADCT de 1988 sujeita aos limites estabelecidos no parágrafo 4º e seus incisos do artigo 60 da Constituição. O resultado do plebiscito de 21 de abril de 1933 não tornou sem objeto a revisão a que se refere o artigo 3º do ADCT. Após 5 de outubro de 1993, cabia ao Congresso Nacional deliberar no sentido da oportunidade ou necessidade de proceder à aludida revisão constitucional, a ser feita ‘uma só vez’" (ADI 981-MC, Rel. Min. Néri da Silveira, julgamento em 17-3-1993, Plenário, DJ de 5-8-1994.)

Portanto, concluímos que a proposta de convocação de um plebiscito popular que autorize o funcionamento de um processo constituinte específico para a elaboração de uma revisão constitucional que viabilize a reforma política é manifestamente inconstitucional, afigurando-se como uma fraude à Constituição.

Autores

  • Brave

    é doutor e mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Procurador do Estado de São Paulo desde 1998. Foi membro eleito do Conselho Superior da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Professor convidado de cursos de pós-graduação (PUC-COGEAE, UFBA, Escola Superior do Ministério Público, JusPodivm, FAAP, LFG e USP-FDRP), orientador da pós-graduação da Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Autor de livros jurídicos.

  • Brave

    é juiz federal, mestre em Direito e Estado pela Universidade de Brasília (UnB). Professor convidado dos cursos de pós-graduação em Direito Constitucional e Direito Tributário da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás (UFG) e dos cursos de pós-graduação em Direito (JusPodivm e LFG). Foi Promotor de Justiça (1996/1997), Juiz de Direito em Goiás (1997/1998) e professor efetivo da Faculdade de Direito da UFG (2005/2012).

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