Possibilidade aberta

Precatórios podem ser alternativa a benefícios fiscais

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  • Walter Carlos Cardoso Henrique

    é advogado professor de Direito Tributário da PUC-SP presidente da Comissão de Direito Tributário do MDA e da Comissão Especial de Direito Penal Tributário da OAB-SP além de representante da OAB-SP junto ao Codecon-SP.

23 de junho de 2013, 7h13

É enorme a expectativa dos credores do poder público e dos precatoristas enquanto o Supremo Tribunal Federal não publica o acórdão relativamente ao julgamento da Emenda Constitucional 62. A posição tomada pelo STF na ADI 4.357 foi corajosa. Enfrentou a inadimplência dos estados e municípios e, através de raciocínio linear, declarou inconstitucionais as regras que permitiam a postergação dos pagamentos em favor da administração pública. Se há expectativa por parte da população, de outro há receio por parte de prefeitos e governadores.

Em nossa história recente o povo superou a ditadura, a inflação e agora está assistindo a solução do problema dos precatórios. Realmente o Brasil está mudando. Mas, entre a teoria e a prática, há uma vala financeira oceânica porque a obrigatoriedade da regularização dos pagamentos só se opera através de disponibilidade financeira que não existe nos âmbitos municipais e estaduais. Basta dizer que, recentemente, o prefeito de São Paulo se reuniu com o ministro Fux, do STF, para tratar deste assunto. O que o prefeito disse ou não disse é irrelevante. O que merece destaque é a preocupação com o tema.

Para os detentores de precatórios a expectativa é enorme. Para os credores que ainda não expediram seus requisitórios/precatórios a expectativa é a mesma, porém com um viés mais positivo, porque a modulação de efeitos somente alcançará os precatórios em atraso ou cujo pagamento está se dando através de parcelamento. Isso significa que haverá recursos para que as novas ordens de pagamento sejam pagas à vista, enquanto as expedidas anteriormente à decisão do STF serão tragadas pela modulação de efeitos que vinculará seus pagamentos a um regime de transição. Neste caso, a inadimplência temporal estaria sendo corrigida através da conjugação das possibilidades financeiras com a chamada modulação de efeitos. Assim, os novos precatórios expedidos em condições de normalidade constitucional e jurídica não seriam afetados pelo passado, que já estariam sendo sanados e recuperados pela modulação necessária de efeitos. Vale dizer, instituída a normalidade, cujo marco pode ser a publicação da decisão determinando a modulação de efeitos, esta deve ser preservada enquanto se reparam as distorções passadas.

Vincular a pontualidade dos novos casos à quitação das distorções passadas é inviável. Seria como recuperar a respiração do afogado dentro d’água, algo ineficaz. Primeiro temos que trazê-lo para condições ideais (pagar em dia os atuais e futuros), para somente depois recuperá-lo (pagamento dos passados). Como esta possibilidade estaria sendo firmada pelo mais importante guardião da Constituição, não se pode cogitar de quebra de ordem cronológica. E mesmo neste caso, a conjectura não é ruim, porque o artigo 100, parágrafo 16 da Constituição Federal, mesmo após o exame da EC 62, assegura a possibilidade por simples lei, de a União Federal assumir estes débitos, refinanciando-os. Seu conteúdo é bastante simples: “parágrafo 16. A seu critério exclusivo e na forma de lei, a União poderá assumir débitos, oriundos de precatórios, de Estados, Distrito Federal e Municípios, refinanciando-os diretamente”. As possibilidades de superação do cenário atual são reais.

Tomemos por exemplo o estado do Paraná com uma dívida acumulada estimada entre 5 e 7 bilhões de reais, e que está depositando mensalmente R$ 36 milhões, num total de R$ 432 milhões para o ano de 2013, levando em conta 2% de suas receitas líquidas para o pagamento de seus precatórios. Neste cenário, é possível estimar a quitação de seus precatórios passados em cerca de 15 anos. Cenário não ideal, mas viável, porque durante a recuperação deste “afogado” os pagamentos atuais e futuros estarão em dia.

No caso dos direitos creditórios, ou seja, daqueles casos que ainda não tiveram seus requisitórios e precatórios expedidos contra estados e municípios, ainda há a possibilidade da aquisição imediata para futura quitação tributária ou mesmo recebimento em espécie à vista. Futura quitação tributária porque seus novos detentores serão titulares dos precatórios que ainda serão expedidos, e isso torna desnecessária regulamentação prévia por lei, uma vez que estes direitos, próprios, poderão servir como garantia legítima em processos de execução fiscal, sendo assim oponíveis à Fazenda Pública, aplicando-se aqui a Lei 6.830, de 22 de setembro de 1980. A experiência recente assusta. Alguns Tribunais de Justiça viam-se obrigados a se inclinar em favor de estados e municípios, mesmo diante de leis votadas e aprovadas pela Assembleia Legislativa, mas a realidade mudou. Não existem mais as Emendas 30 e 62, e o STF decretou ser inaceitável o calote público. Isso significa que o conjunto de decisões judiciais produzido sob a égide destas Emendas não se aplica mais. Juízes e desembargadores agora possuem respaldo para levar às últimas consequências o “Estado de Direito”, vetor pelo qual a própria administração se submete à jurisdição de um juiz imparcial em condições de igualdade com seus administrados. Depois que o STF decretou o fim das manobras de calote, não há mais espaço para o Executivo constranger com seus discursos o Judiciário. Isso é página virada.

As possibilidades de aproveitamento destes direitos creditórios ainda podem se dar de maneira indireta, em benefício dos estados devedores e de toda a sociedade local. Ao invés dos estados oferecerem benefícios fiscais de ICMS para atrair multinacionais variadas, poderiam atrair novos investimentos através de redução não declarada, de modo que os primeiros tributos devidos ao estado fossem quitados com os direitos creditórios ou os novos precatórios. De um lado haveria ajuste entre particulares, acelerando a sensação de efetiva justiça pelo recebimento antecipado e com desconto justo de seus recebíveis, e, de outro, este novo contribuinte teria vantagem financeira em sua instalação operacional, gerando ainda novas riquezas à sociedade local sem questionamentos dos demais estados federados. Teríamos aqui quitação de dívidas vinculadas ao desenvolvimento local sem ofensa à legislação nacional.

A espera incomoda, mas ela pode acarretar novas possibilidades, até mesmo imediatas. Talvez por isso exista certa movimentação do mercado financeiro em direção a estes direitos (para eles, ativos). Com isso queremos deixar claro que mesmo na situação atual existem possibilidades. É uma questão apenas de estratégia e recursos, nas quais acertam tanto os que esperam e quanto os que se movem.

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