Instrumento heroico

HCs coletivos preventivos garantem manifestações

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22 de junho de 2013, 5h08

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Manifestações em Uberlândia (MG) - 21/06/2013 [Divulgação]Com a proliferação de manifestações em todo o Brasil e os respectivos casos de abuso de autoridades, tem crescido o número de pedidos de Habeas Corpus preventivos coletivos. Os instrumentos já têm chegado inclusive aos tribunais. Nesta quinta-feira (20/6), o ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça, concedeu liminar em HC impetrado por integrantes do movimento Revolta do Busão, organizado em Natal. Mas apesar da decisão do STJ, nem todos os tribunais estão aceitando esses pedidos.

No caso analisado pelo STJ, o pedido havia sido negado pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região. A decisão afirmou que os policiais poderiam agir para garantir o fluxo normal das rodovias federais que dão acesso ao estádio Castelão, onde acontece a Copa das Confederações.

Para o desembargor Luiz Alberto, relator do caso no TRF-5, “deve preponderar o interesse coletivo na livre circulação de pessoas e bens, notadamente em face da necessidade de acesso ao local onde ocorrerá o evento desportivo”. Ele ressalvou, porém, que a negativa da liminar “não significa autorização para reprimir eventuais manifestações populares, em si próprias, asseguradas constitucionalmente, na medida que não impliquem obstrução das rodovias federais”.

O grupo ingressou com novo pedido de Habeas Corpus, dessa vez no STJ, requerendo que sejam eviatadas ordens para que a Polícia impedisse o direito de locomoção dos manifestantes na passeata agendada. O pedido foi acolhido pelo ministro Herman Benjamin. “Em análise sumária, entendo preenchidos os requisitos necessários à concessão da liminar, em razão da flagrante ilegalidade da decisão que impede a livre manifestação pacífica em território nacional, direito fundamental inalienável, nos termos do artigo 5°, IV, XV e XVI, da Constituição Federal de 1988”, afirmou. Para o ministro, não cabe ao Poder Judiciário impor previamente o emprego da força policial para reprimir a circulação de cidadãos que buscam o legítimo exercício da cidadania em prol de melhorias públicas.

Em Sergipe, a Defensoria Pública estadual também obteve sucesso ao ingressar com um HC coletivo preventivo com o objetivo de resguardar os direitos constitucionais de reunião e manifestação das pessoas na manifestação marcada para esta sexta-feira (21/6). A decisão foi da juíza Karyna Torres Gouveia Marroquim, da 9ª Vara Criminal, que determinou que fosse resguardado "o direito de ir e vir dos manifestantes e a expedição de salvo conduto em favor das pessoas, a fim de que estejam assegurados os direitos constitucionais de reunião e manifestação pacífica, vedada ameaça liberdade de locomoção, inclusive para fins de prisões por averiguações, exceto os casos específicos em que houver o cometimento de crimes em estado de flagrância ou por ordem judicial". Ela determinou ainda a comunicação ao comandante-geral da Polícia Militar do estado para que cumprisse a decisão.

“Essa decisão, de forma exemplar do Poder Judiciário, além de reconhecer os direitos constitucionais fundamentais do cidadão no que diz respeito ao direito de reunião em manifestação, preserva a integridade de todos os manifestantes a partir do momento em que, através de um salvo conduto, os resguarda contra possíveis arbitrariedades que podem ser perpetradas", esclareceu o coordenador do Núcleo de Bairros, defensor público Alfredo Nikolaus. "Vale acrescentar que o ordenamento jurídico rechaça as denominadas ‘prisões para averiguações’, pois estas não encontram respaldo constitucional, uma vez que o cidadão só pode ser cerceado de sua liberdade nas hipóteses legais, quando estiver em flagrante delito ou mediante ordem judicial.” 

Em Santa Catarina, o juiz Alexandre Morais da Rosa, titular da 4ª Vara Criminal da capital, concedeu Habeas Corpus em favor da Frente de Luta pelo Transporte para determinar a expedição de salvo-conduto em benefício de todas as pessoas presentes ao protesto que aconteceu na última quinta-feira (20/6). A decisão do juiz garantiu aos manifestantes os direitos constitucionais de reunião, manifestação pacífica e liberdade de locomoção. “Ressalto, todavia, que as violações legais poderão ser objeto de atuação policial nos casos de flagrante delito, tanto dos manifestantes quanto dos agentes de segurança pública”, advertiu.

Decisão contrária
Em São Paulo, o desembargador Mário Devienne Ferraz, do Tribunal de Justiça de São Paulo, indeferiu pedido de Habeas Corpus preventivo coletivo protocolado por uma coalizão de estudantes e centros acadêmicos. O pedido tinha como finalidade evitar prisões de manifestantes em ato público marcado. Os manifestantes explicaram que a medida era cabível, pois nas manifestações anteriores centenas de jovens haviam sido detidos sem justificativa. Eles apresentaram diversas reportagens que mostraram abusos cometidos pela Polícia.

Para o desembargador, no entanto, os motivos não permitem “entrever a presença dos requisitos necessários para o deferimento da liminar requerida”, a despeito, segundo ele, da “evidente gravidade das alegações” de abusos à liberdade de reunião e de manifestação que os participantes teriam sofrido e estariam na iminência de sofrer. Embora reconheça que, “de um modo geral, é sabido que eles [os manifestantes] protestam e pretendem protestar pacificamente”, Ferraz afirma que “as dignas autoridades que comandam a segurança pública no estado não autorizam e nem incentivam abusos por parte daqueles diretamente encarregados do policiamento preventivo e repressivo”.

O advogado Marcelo Feller, sócio do escritório Feller e Serra Oliveira Advogados, ajudou os estudantes a formular o pedido. Ele explica que, embora não exista na lei a previsão do Habeas Corpus preventivo coletivo, a legalidade do instrumento não é questionada nos tribunais. Segundo ele, esse tipo de HC é cabível em casos onde seja possível identificar um abuso. “O HC preventivo coletivo tem na essência o possível abuso. Nele é pedido que se aplique os direitos previstos na Constituição, é a aplicação da própria lei”, diz.

Dois lados
Ele explica que, hipoteticamente, também é possível que a Polícia obtenha Habeas Corpus preventivo para os membros da corporação. Porém, ele destaca que o HC só será concedido se for comprovado que há a possibilidade de abuso. “O pedido só poderia ser feito para proteger o policial em caso de legítima defesa, por exemplo. Jamais seria possível um HC para garantir que nenhum policial seja detido se ele cometer abuso.”

A explicação de Feller vai no mesmo sentido das decisões que garantiram o direito de manifestação. Ao conceder HC coletivo preventivo, os juízes alertaram que a medida só é válida no caso de manifestações pacíficas, conforme a lei. Em casos de abuso dos manifestantes, o salvo-conduto não teria validade.

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