Diário de Classe

A copa das manifestações e o que “dizem por aí”

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22 de junho de 2013, 8h00

Dizem por aí que o “Brasil acordou”. Nos últimos dias, mais especificamente desde a abertura da tal Copa das Confederações, milhares de pessoas, na sua maior parte a classe média, saíram às ruas para reivindicar em diversas cidades do país. Dizem por aí que a virtude do movimento é não ter partidos, líderes e pautas definidos. Protesta-se contra os governos e, sobretudo, contra a corrupção. Trata-se de um descontentamento generalizado, como em um conhecido romance de Saramago.

Dizem por aí que a manifestação das massas busca o resgate da cidadania, adormecida desde os caras pintadas. Como já ocorreu na Espanha, agora é a vez dos brasileiros expressarem sua indignação e revolta.

Dizem por aí que o protesto “não é por 20 centavos, mas por direitos”. Desde então, aumentam cada vez mais as demandas que já envolvem passe livre, “cura gay”, custos da Copa, falta de saúde, repressão policial e, até mesmo, a PEC 37.

Dizem por aí que o movimento não descansará enquanto não houver a renúncia de Renan Calheiros, a prisão dos mensaleiros e o congelamento dos salários dos parlamentares. As massas exigem transparência, além de uma reforma política.

Dizem por aí que as manifestações são pacíficas e que envolvem os mais diversos setores da sociedade civil. Ao contrário do que mostra a televisão, a violência estaria sendo promovida por radicais que não representam o movimento.

Dizem por aí que movimento representa a nossa revolução francesa, que precisamos tomar a Bastilha. No fundo, os manifestantes entendem que os caminhos institucionais de nossa democracia não servem para transformar o país.

Dizem por aí que estamos diante de episódio histórico, do qual todos querem fazer parte. A luta por uma omissão de 500 anos. A revolução via redes sociais e a construção de uma espécie de e-democracia (ou webdemocracia).

Dizem por aí que os recuos dos governos municipais que reduziram as tarifas certamente terão impacto em outras esferas. A conta não fechará. Trata-se de uma decisão paliativa e, de certo modo, politicamente irresponsável.

Dizem por aí que esta é uma geração que nunca teve por que lutar e, agora, usa as novas mídias para exercer um protagonismo difuso. Uma geração que marcha por marchar, grita por gritar, pede por pedir e, talvez, age por agir. Não há um programa.

Dizem por aí que a imprensa teve de voltar atrás e reconhecer a importância das manifestações. Os noticiários precisaram mudar seus editoriais às pressas. Todavia, o enfoque continua sendo os atos de vandalismo praticados por uma minoria.

Dizem por aí que se perdeu o controle, o que é preocupante e causa medo. Em Brasília, atearam fogo no Palácio do Itamaraty. Em Porto Alegre, quebraram agências, saquearam lojas, queimaram ônibus e contêineres, gratuitamente.

Dizem por aí que o Facebook corre o risco de ser retirado do ar e que, se a coisa encrespar, o exército saíra às ruas. Os excessos cometidos levariam à limitação das garantias e liberdades fundamentais.

Dizem por aí que “estamos em guerra”. As forças armadas foram convocadas pelo ministro das Relações Exteriores para garantir a segurança do Palácio do Itamaraty. O Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar saiu às ruas para garantir a ordem no Rio de Janeiro.

Dizem por aí que, a cada dia, as manifestações serão maiores e que o maior dos protestos ainda está por vir. A Fifa pode retirar a Copa do Brasil e já se calculam as eventuais perdas e danos.

Dizem por aí que a esquerda tentou se apropriar do movimento, mas não deu certo. Desde então, oportunisticamente, a direita mira nas eleições de 2014. Não estranhem se logo alguém reivindicar a convocação de uma nova Constituinte…

Dizem por aí, sobretudo os mais conservadores, que há um “excesso de democracia”. Equivocam-se. Ao contrário, o que existe, historicamente, é uma cultura muito deficitária no que diz respeito ao exercício da liberdade de expressão.

Dizem por aí que ainda é cedo para explicar tudo que está em jogo. Tal compreensão não se dá instantaneamente. Tanto é assim que pouquíssimas foram as vozes que se levantaram para questionar o que, de fato, estamos vivendo.

Dizem por aí que os intelectuais aguardam para se pronunciar. Enquanto isso, todos “dizem por aí” muitas coisas, especialmente nas redes sociais, onde é mais fácil se eximir das responsabilidades. Resta saber o que estas coisas têm a nos dizer.

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