Prevendo o futuro

"A lei não consegue regrar tudo; só a negociação resolve"

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16 de junho de 2013, 9h50

Spacca
A presidente do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, Maria Doralice Novaes, é a favor da terceirização e diz que lei não é necessária para regulamentá-la. A negociação coletiva adequada a cada setor é a forma de beneficiar trabalhadores e empresas nesses casos, opina. Uma tarefa que, mais do que ao Judiciário, toca a empregadores e empregados através de seus sindicatos: cabe às agremiações de classe prover o Judiciário de informações e, assim, viabilizar acordos justos.

“Está faltando uma compreensão melhor do que é a terceirização, do seu impacto, das consequências jurídicas”, constata Maria Doralice em entrevista concedida à equipe do Anuário da Justiça do Trabalho 2013, que será lançado em agosto, no Tribunal Superior do Trabalho. Segundo a desembargadora, a terceirização não é apenas inevitável como pode muito bem ser benéfica. Mas é preciso que os protagonistas diretamente envolvidos participem da elaboração das regras, com o conhecimento que tem das peculiaridades de cada setor onde ela pode ser aplicada. Por isso, conclama os sindicatos a inovar.

Esta é uma das principais discussões que chegam à Justiça do Trabalho, num país que tem atualmente 12 milhões de terceirizados. Mas a ideia de regular menos e conversar mais não serve só para a terceirização. Para a desembargadora, em vez de engessar, é preciso ampliar as formas de acabar com os conflitos.

"Legislar depende do esforço de pensar e antever o futuro", diz Maria Doralice. Em vez de correr atrás do que já passou, a norma deve regular o que está por vir. "As relações de trabalho acontecem antes da legislação. Já estamos atrasados quando regramos uma relação que já existe", explica.

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Maria Doralice Novaes tem 62 anos e pouco mais de 30 na magistratura. Assumiu a presidência do TRT-2, em setembro do ano passado, com dois grandes projetos: descentralizar a Justiça do Trabalho na 2ª Região e uniformizar as decisões da corte com aquelas do Tribunal Superior do Trabalho. Nesta entrevista, ela conta como estão os seus projetos.

Os jornalistas Maurício Cardoso e Fernanda Bonadia participaram da entrevista.

Leia a entrevista:

ConJur — Quais as principais reclamações  que chegam à Justiça trabalhista em São Paulo?
Maria Doralice Novaes — A nossa causa primeira ainda é a dispensa imotivada, a rescisão contratual. Eu poderia dizer também que a estabilidade provisória da gestante, a estabilidade sindical e a de quem sofre acidente de trabalho também geram muitas reclamações. Mas uma das principais matérias é a questão de dano moral e material. É recorrente, aparece em quase todos os processos. É uma matéria nova, que veio com a Emenda Constitucional 45. O dano moral tem uma amplitude enorme. Desde o momento em que o empregado sofre um acidente de trabalho e diz que o fato lhe causou dano moral, até as relações naturais que as pessoas têm dentro da empresa, a forma como o trabalhador é tratado pela chefia. Tudo, eventualmente, pode dar em danos morais. Por exemplo, se a pessoa é impedida de usar o toalete, trata-se de dano moral grave. Ou se a exigência de cumprimento de metas é excessiva; ou se a pessoa é alvo de chacotas. No trabalho, as relações humanas são vitais. É daí que surgem os danos.

ConJur — Há exagero nesses pedidos, ou a demanda é grande por tratar-se de uma questão nova?
Maria Doralice Novaes —
É uma questão nova e ainda não há jurisprudência verificável e firme a respeito do que é dano moral. O aumento da demanda veio até para que seja estabelecido esse conceito. E também porque havia demanda reprimida. Antigamente, o empregado era mal tratado e não sabia que isso causava dano. Era muito comum as pessoas serem injuriadas e alvo de chacota e sofrerem caladas. De repente, descobriram que esse é um dano que pode ser reparado.

ConJur — A terceirização está entre as principais reclamações?
Maria Doralice Novaes —
Eesta questão deve ser colocada entre as grandes causas. A terceirização é um fenômeno que existe e acho boa, necessária, inevitável. É como a globalização: não dá para brigar contra e não dá para dizer que não existe. Acredito que venha em benefício da empresa e também do empregado. O que não pode acontecer são abusos. Temos de ficar atentos à legislação, ao legislador, ao juiz.

ConJur — Está faltando legislação?
Maria Doralice Novaes —
Legislação? Acredito que não. Está faltando uma compreensão melhor do que é a terceirização, das suas consequências, das consequências jurídicas. Com toda franqueza, uma lei não resolveria a situação da terceirização, porque é muito abrangente, é usada em vários segmentos. É preciso avaliar no dia a dia. Os sindicatos poderiam ter uma importante atuação nesse caso trazendo para nós, juízes, informações sobre as características da terceirização em cada setor, já que um é diferente do outro. Então, por isso, não é possível regrar com legislação uma coisa que é tão diversa.

ConJur — E quem acaba regulamentando? O Judiciário?
Maria Doralice Novaes —
É o Judiciário que acaba regrando. Mas poderia haver um movimento sindical interessante, importante, que definisse para cada categoria o que é e o que não é possível terceirizar. E quais os efeitos da terceirização para determinada situação, se é mesmo terceirização ou não é. Porque tem muitas situações que ficam na linha divisória. Por exemplo, telemarketing é terceirização ou não? Se o telemarketing é de cartão de crédito, pode ser que seja uma terceirização de serviço bancário, não é? A jurisprudência ainda oscila nesse tema.

ConJur — Mas call center de telefônica não pode ser considerado terceirização, certo?
Maria Doralice Novaes —
Não pode, mas cada situação é diferente da outra. O telemarketing é um movimento grande e que está crescendo a cada dia. Agora, será que é terceirização ou é uma atividade própria? Pode ser que seja a atividade principal. A empresa é de telemarketing e está fazendo telemarketing, não é?

ConJur — Existe algum movimento dos sindicatos no sentido de discutir esses novos temas e trazer informações ao tribunal?
Maria Doralice Novaes —
Há, certamente. Está havendo uma discussão sobre o que é, exatamente, o telemarketing. Não vou dizer que seja de grande expressão, mas está havendo. E seria importante se os sindicatos iniciassem um movimento porque eles poderiam trazer para nós mais elementos. Nem sempre temos todas as informações de como é o trabalho. Só vamos saber no dia a dia, no processo em si.

ConJur — Em entrevista, o presidente do TST, ministro Carlos Alberto, falou da necessidade de colocar a corte no centro do debate de temas que envolvam direitos do trabalho. Em São Paulo, isso já acontece, não é?
Maria Doralice Novaes —
Sim. São Paulo é sempre um caso à parte, não é? As coisas acontecem aqui. As inovações tecnológicas que criam novos trabalhos, os novos meios de trabalho e as novas formas de trabalho começam aqui. O TST vai se deparar com o tema dois ou três anos depois. E é claro que ele tem uma importância muito grande, porque é ele quem vai definir a questão para todo o resto do Brasil. Mas, em regra, sai daqui a nova ideia, o novo conceito, a nova tese jurídica que define aquela situação. Quando o caso chega no TST, a coisa está toda discutida. Outros estados também estão discutindo e levam ao tribunal a ideia de todo o país. O TST tem como função uniformizar a jurisprudência, fazer com que a lei seja interpretada de forma igual. Acredito que esta seja a ideia do ministro Carlos Alberto: centralizar os conceitos e dar a última palavra. Mas, em regra, a primeira palavra é de São Paulo (risos).

ConJur — Qual é o grau de padronização das decisões do TRT-SP?
Maria Doralice Novaes —
O tribunal de São Paulo não tem muito essa, digamos assim, tradição de formar jurisprudência interna. Mas é uma questão que estou tentando mudar. Temos conversado bastante sobre isso com meus colegas para convencê-los da relevância desse trabalho. Durante seis anos, atuei como convocada no TST e foi lá que aprendi a importância da uniformização da jurisprudência, não só para o Judiciário, mas para a advocacia. Dá uma segurança muito grande. Como é quase impossível discutir teses jurídicas com 94 pessoas (risos), vou me reunir com o presidente das turmas.

ConJur — A competência de uniformização é do Pleno?
Maria Doralice Novaes —
Sim. Mas se o presidente levar a discussão para a sua turma, quando chegarmos no Pleno, todos estarão informados e já terão debatido a matéria. Tenho bastante esperança de que durante a minha gestão, vamos avançar na edição de súmulas. Considero esta uma grande falha na corte.

ConJur — Por quais temas pretende começar?
Maria Doralice Novaes —
O Tribunal Superior do Trabalho tem OJs [Orientações Jurisprudenciais] transitórias, que tratam de matérias relativas a alguns tribunais e situações. Embora se chamem transitórias, na verdade, são específicas para alguns tribunais. A minha ideia é começar pelas OJs que tratam de questões relativas a São Paulo.

ConJur — Qual foi o impacto da criação da CNDT [Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas] no tribunal? Muitas empresas procuraram para fazer acordo?
Maria Doralice Novaes —
Isso é extremamente importante, porque a empresa precisa estar com a ficha limpa para poder continuar com as suas atividades. Então, houve impacto no tribunal. Isso não quer dizer que seja um grande impacto em quantidade. Foi mais em qualidade. A verdade é que grande parte da nossa clientela não precisa da certidão, porque são pequenas empresas. São Paulo tem essa característica de alta rotatividade nos negócios. São bares, restaurantes, lojas, que abrem, fecham, abrem, fecham. É comum a pessoa abrir uma empresa e abandoná-la depois, sem fechar, e depois montar outra. Mas eles não precisam de certidão. O maior impacto é para as grandes empresas. E os nossos maiores litigantes, que são INSS, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal também não precisam da certidão.

ConJur — Então, a CNDT não teve um impacto muito grande em São Paulo?
Maria Doralice Novaes —
Não, porque, veja bem, uma empresa pequena não tem nada, ela não vai ter dinheiro para pagar. A empresa encerra as suas atividades, não tem patrimônio, e a execução tem início. O oficial de Justiça chega lá com a certidão, constatando que a empresa não funciona mais, não está mais lá naquele local. Cerca de 50%, 60% das nossas investiduras são assim.

ConJur — Com isso, o problema da execução aqui continua muito grave?
Maria Doralice Novaes —
Indiscutivelmente, é o nosso maior gargalo. Conseguimos encurtar bastante os estágios processuais. Em média, a tramitação de um recurso aqui no tribunal leva 30 dias.

ConJur — E na primeira instância?
Maria Doralice Novaes —
Quase um ano. Agora, o processo de execução pode durar muito tempo. Expedimos o mandado e aí vamos ver se a empresa ainda existe. Com as grandes empresas é uma maravilha. Sabemos que a empresa existe e se ela tem de pagar uma multa, faz isso imediatamente. O problema é encontrar bens, patrimônio, imóveis, ativos das pequenas.

ConJur — E como resolver o problema da execução?
Maria Doralice Novaes — Temos vários convênios, com a junta comercial, com o Detran, com a Receita Federal. Isso ajuda muito. O problema é se a pessoa não tem patrimônio. Quando há patrimônio, é fácil.

ConJur — Há casos em que não há solução.
Maria Doralice Novaes —
Exatamente. É um caso sério. Temos meios para tentar evitar fraudes e fazemos também audiências de conciliação. Duas vezes por ano, reunimos os processos em execução e tentamos negociar.

ConJur — Dá resultado?
Maria Doralice Novaes —
Tem dado bastante resultado. Mas, nem sempre. O que vamos implantar agora, na sala de audiências, é o cartão de crédito. A dívida poderá ser parcelada em até dez vezes. Vamos fechar contrato com o Banco do Brasil e a Cielo. É uma garantia para o empregado de que ele vai receber, e o empregador pode parcelar.

ConJur — Uma das críticas à CLT, é o fato de ela tratar as grandes empresas com a mesma medida da pequena. Há uma saída para isso?
Maria Doralice Novaes —
A negociação coletiva. Com ela, é possível estabelecer critérios diferentes para cada tipo de empresa. Os grandes sindicatos atuantes sabem disso. Essa é a solução, mesmo porque a lei não vai conseguir regrar tudo.

ConJur — Este ano a CLT completou 70 anos. Ela consegue dar conta do atual mercado de trabalho?
Maria Doralice Novaes —
Todo mundo acha que ela precisa de reforma. Eu acho que não. As relações de trabalho acontecem antes da legislação. Já estamos atrasados quando regramos uma relação que já existe. Precisamos prever o futuro, preparar o espírito para ver como regular essas questões do futuro. Há profissões que acabaram e nós ainda temos aqui no tribunal, como o estenógrafo.

ConJur — Inventaram o gravador e estragaram tudo.
Maria Doralice Novaes —
O gravador estragou tudo. Alterações humanas nas relações de trabalho acontecem muito rapidamente. Tudo muda. O computador veio para acabar um pouco com essa história de passado, não é? Compramos um computador e depois de um mês já está defasado. Então, não vejo necessidade de alterar a CLT, porque nós estaremos sempre correndo atrás da realidade. O que a gente precisa é antever o futuro, criar uma norma que regule este futuro que está por vir. É meio difícil, mas eu acho que dá. Não faz muito tempo, criaram cargos de digitadores. Naquela época, estávamos animados: “Nossa, vamos ser pioneiros!”. Hoje, todos somos digitadores e ainda há esses cargos. Não é porque a CLT tem 70 anos, que está defasada. Ela regula quase todas as atividades.

ConJur — A senhora é a favor da aplicação do Código de Processo Civil pela Justiça do Trabalho?
Maria Doralice Novaes —
Hoje, o CPC é como uma cópia moderninha do Processo do Trabalho na CLT. O Pprocesso Civil se aproximou do Processo do Trabalho. Por isso, não vejo dificuldades em aplicar a solução do CPC, quando compatível, claro. Ele traz novas alternativas. Se o CPC ou qualquer outra legislação resolve a questão, então, vamos aplicá-lo. O certo é andar para a frente. Com uma ressalva: o CPC só se aplica quando a CLT for omissa.

ConJur — Quando as varas da capital paulista receberão o processo eletrônico?
Maria Doralice Novaes —
Em todo o estado, 25% das varas já trabalham com o processo eletrônico. Começamos pelas varas de pequeno volume processual e da grande São Paulo, como São Bernardo do Campo e Guarulhos. Estamos nos aproximando da capital. Em novembro, vamos inaugurar o Fórum da Zona Leste, onde nenhuma das varas funcionará com papel. E é aí que o processo eletrônico chegará na capital.

ConJur — Ainda não há previsão para o Fórum Ruy Barbosa, da capital?
Maria Doralice Novaes —
Lá, vamos começar com o módulo execução do PJe. Todos os processos em fase de execução serão digitalizados. Quando finalizarmos essa fase, 70% de todo o papel do Fórum Ruy Barbosa estará eliminado.

ConJur — Os processos de execução representam 70% do acervo?
Maria Doralice Novaes —
Sim. Por isso, vamos começar por eles e só depois trabalhar com os demais processos. Ao mesmo tempo, vamos desinchar o Fórum Ruy Barbosa, distribuindo a jurisdição para a zona leste e a zona sul, onde serão criados os novos fóruns no nosso projeto de descentralização das varas. Essa medida vai ajudar a reduzir de forma significativa a quantidade de novos processos e permitir que a instalação do PJe seja um pouco mais tranquila no Ruy Barbosa.

ConJur — A senhora já disse que o fórum da zona leste vai absorver 25% da demanda. Há dados sobre as outras regiões?
Maria Doralice Novaes —
Fizemos um levantamento com base no CEP das empresas e chegamos ao percentual de reclamações trabalhistas de cada região. Nos baseamos na CLT, segundo a qual a jurisdição deve ser aquela da prestação de serviços. Como, via de regra, a região da prestação de serviços é a mesma da empresa, verificamos que 25% das ações trabalhistas em São Paulo vêm da zona leste. A zona sul alcança quase 20% também. A zona norte um pouco menos.

ConJur — Quantas varas serão destinadas a cada fórum?
Maria Doralice Novaes —
Temos 64 varas para instalar na 2ª Região. Quarenta delas serão na capital. A zona leste receberá, a princípio, 14 delas e a zona sul também. Depois analisaremos quantas serão necessárias na zona norte, que tem demanda menor.

ConJur — Não haverá mudanças na estrutura do Fórum Ruy Barbosa?
Maria Doralice Novaes —
A princípio, não. É possível que, depois desse trabalho, a gente constate que nem todas as 94 varas sejam mais necessárias. Nesse caso, vamos remanejá-las. Mas a maior preocupação é com o aumento da demanda quando os novos fóruns forem criados. Há uma demanda reprimida que, provavelmente, vai se manifestar com o acesso facilitado. Então, depois, vamos ter de reequilibrar tudo isso.

ConJur — Hoje, a senhora é muito mais administradora do que juíza, não é?
Maria Doralice Novaes —
Pois é. Na verdade, só administradora. Ao assumir essa função, temos de pensar mesmo é na administração. E temos de nos preparar para isso. Hoje em dia, não vejo mais processos. Mas já vi bastante: durante 32 anos.

ConJur — Como a senhora se preparou?
Maria Doralice Novaes —
Fiz diversos cursos. Estudei administração, fiz curso de liderança, de direito legislativo. Foi um longo preparo, porque o foco muda, não é? Eu julgava processos e agora tenho de administrar o maior tribunal trabalhista do país. É preciso saber o que se está fazendo. 

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