Drible constitucional

Comissão de Veneza condena ato do Congresso húngaro

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14 de junho de 2013, 16h06

O maior fórum de cortes constitucionais do mundo, a Comissão de Veneza, condenou, em sentido retórico, a Hungria por um confronto institucional que lembra o que existe no Brasil. Contrariado com o entendimento do Tribunal Constitucional do país, o Parlamento aprovou emenda à Constituição para driblar a decisão judicial. A corte considerou, novamente, o ato inconstitucional e de novo os parlamentares aprovaram outra emenda.

A reunião da Comissão de Veneza começou nesta quinta-feira (13/6) na Itália e a abertura teve como novidade a estreia dos Estados Unidos. Os norte-americanos fazem parte da Comissão desde meados de abril. O grupo, inicialmente instalado apenas como fórum europeu, hoje reúne 59 países dos cinco continentes. Representa o Brasil, em nome do Supremo Tribunal Federal, a ministra Cármen Lúcia. Cada delegação foi presenteada com um Justice Yearbook, a edição em inglês do Anuário da Justiça Brasil 2012, editado pela ConJur.

O conflito entre Legislativo e Judiciário na Hungria tem ocupado a pauta da Comissão de Veneza há mais de dois anos, quando o país começou a discutir uma nova Constituição. Na época, o governo húngaro pediu aos juristas que respondessem a três questões, duas delas relacionadas à atuação do Tribunal Constitucional: quais são os limites do controle prévio de constitucionalidade de projetos de lei? E deveria ser dado a qualquer cidadão o poder de ajuizar uma ação de inconstitucionalidade no tribunal? A terceira questão dizia respeito à incorporação da Convenção Europeia de Direitos Humanos na carta húngara (clique aqui para ler mais).

O processo democrático no país começou a desandar quando, alguns dias depois do parecer da Comissão de Veneza e exatos 36 dias após a apresentação do projeto, a nova Constituição foi aprovada (clique aqui para ler mais). Entre os artigos da carta, foram mantidos aqueles que criticados pelo grupo europeu por limitar o poder de atuação do Tribunal Constitucional e permitir a interferência do Legislativo na corte.

Em dezembro do ano passado, o Tribunal Constitucional anulou diversas provisões da nova Constituição, que estavam inseridas num capítulo como regras transitórias. Por não integrar o corpo do texto constitucional, essas regras foram aprovadas com menos votos do que o exigido para a aprovação da carta em si. Ao analisar o capítulo, o tribunal considerou que as medidas lá previstas não tinham nada de provisórias. Eram regras permanentes e, como tais, deviam ter sido votadas durante o processo constitucional, como parte da Constituição. Entre as medidas inicialmente aprovadas como transitórias, estava a definição de casamento como a união entre uma homem e uma mulher.

Em março deste ano, o Parlamento aprovou uma emenda integrando todo o capítulo transitório à Constituição. A manobra foi criticada pela Comissão de Veneza, que continua reconhecendo que a Hungria está falhando na missão de proteger o Poder Judiciário da interferência política. Um dos pontos da emenda aprovada limita o controle de constitucionalidade feito pelo Tribunal Constitucional, ao estabelecer que a corte pode apenas analisar o aspecto formal de emendas à Constituição, e não seu conteúdo.

Exemplo tupiniquim
Com a vertente de dar lições para a democracia, a Comissão de Veneza tem privilegiado a discussão de regras para as eleições. Nesta quinta-feira (13/6), a ministra Cármen Lúcia, que também preside o Tribunal Superior Eleitoral, fez uma exposição do processo eleitoral brasileiro — com direito à exibição do funcionamento da urna eletrônica, com a simulação do voto. Como costuma acontecer, o interesse foi amplo e a palestra, muito aplaudida. A delegação sueca fez diversas fotos do equipamento, uma senadora integrante da delegação francesa se disse maravilhada e a ministra foi convidada pelos mexicanos para uma nova palestra.

Carmen falou de improviso e em francês, mas o grande desafio mesmo foi chegar até Veneza. Por causa da greve dos controladores de voo na França, que impede o sobrevoo no espaço aéreo francês, a ministra teve que passar pela África e Portugal, para só então desembarcar na Itália. Nesta sexta-feira (14/6), ela continua a participar das discussões do grupo.

Na pauta do dia, está o imbróglio vivido pela Ucrânia, que também tem ocupado as discussões da Comissão já há mais de dois anos. A Ucrânia tenta desde 2011 redesenhar seu sistema judicial e legislativo para atender ao padrão exigido pelo Conselho da Europa. Em janeiro deste ano, a Corte Europeia de Direitos Humanos reconheceu que o Judiciário ucraniano sofre pressões e interferência direta do Parlamento e precisa, urgentemente, de uma reforma (clique aqui para ler mais). Os constitucionalistas da Comissão de Veneza já examinaram o código eleitoral do país e consideraram que as regras não garantem transparência nem preservam a independência dos partidos.

A Comissão de Veneza não se propõe a atuar como tribunal. Seu papel é apenas consultivo, mas dada a sua representatividade, sua manifestação expressa a percepção internacional sobre legislações e atos em termos de legitimidade. O México, este ano, apresentou uma série de consultas sobre questões em discussão no país. No final de setembro, o grupo volta a se reunir para a terceira conferência mundial, dessa vez, em Seul. A primeira, em 2009, foi na Cidade do Cabo e a segunda, em 2011, no Rio de Janeiro.

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