Princípios da administração

Estudo do Ipea é parcial e tecnicamente equivocado

Autores

  • Antonio César Bochenek

    é juiz federal de Ponta Grossa (PR) ex-presidente da Ajufe e da Associação Paranaense de Juízes Federais diretor do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus) mestre e doutor em Direito pela Universidade de Coimbra.

  • Nino Oliveira Toldo

    é desembargador federal doutor em Direito pela USP ex-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).

12 de junho de 2013, 12h30

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou nota técnica com o objetivo de “discutir possíveis impactos, em termos de litigiosidade e eficiência, da reorganização da Justiça Federal prevista na Emenda Constitucional 73/2013”, que cria quatro Tribunais Regionais Federais. A leitura dessa nota, no entanto, aponta para a parcialidade das variáveis utilizadas: custo e eficiência.

Com efeito, não há nenhum componente significativo de abordagem da questão da prestação jurisdicional sob o enfoque do serviço público oferecido em contrapartida ao monopólio da jurisdição, tampouco há referência às decorrências do pacto federativo. Ao contrário, propõe-se um rearranjo da Justiça Federal pelo deslocamento territorial sem qualquer consideração a critérios de territorialidade. Pode-se dizer que o estudo parte da lógica economicista sem considerar as peculiaridades do objeto avaliado: o Poder Judiciário.

Os estudos financeiros e econômicos são consideráveis, sem dúvida, mas não são os únicos a ser utilizados para avaliar a estrutura judicial. Há uma variável de suma importância na análise de custo dos TRFs que foi desprezada ou omitida pelo Ipea: a carga de trabalho de cada desembargador federal em comparação com os desembargadores do trabalho e estaduais. A quantidade média de processos em tramitação por desembargador no ano de 2011 (ano referência da pesquisa Ipea) foi de 13.605 (federal), 2.036 (trabalho) e 2.410 (estadual), segundo dados do Conselho Nacional de Justiça.

No mesmo ano, os casos novos nos tribunais foram 3.919 (federal), 1.233 (trabalho) e 1.164 (estadual), enquanto os processos julgados foram 4.350 (federal), 1.465 (trabalho) e 1.227 (estadual). A presunção do Ipea de ineficiência do TRF1 não considera a carga de trabalho do TRF1, no ano 2011 (19.550 processos), em comparação com os outros tribunais (federais, do trabalho e estaduais).

Ainda, a nota técnica do Ipea foi elaborada a partir de números de processos acumulados (número de processos em tramitação que representam a carga de trabalho) na Justiça Federal no ano de 2011, quando a metodologia mais adequada para dimensionamento dos novos TRFs deve pautar-se nos dados dos processos distribuídos num período determinado (três ou cinco anos), pois refletem o perfil da demanda da sociedade por serviços jurisdicionais. Evitam-se, com isso, eventuais distorções derivadas de ondas de litigiosidade que não refletem um cenário estável e autêntico. As conclusões do IPEA, por isso, partem do cenário mais congestionado e ineficiente, e não na distribuição mais equânime da força de trabalho no âmbito federativo e dos Tribunais.

Há incongruência, ademais, entre o subtítulo da nota – “uma avaliação da Emenda Constitucional 73” – e o conteúdo e as conclusões do texto: “Apresentação de dois cenários de rearranjo institucional”. A EC 73/13 tramitou por 12 anos no Senado e na Câmara dos Deputados e, nesse longo período, diversos estudos, notas técnicas e debates foram apresentados até a aprovação da Emenda Constitucional. Todo debate democrático e participativo é salutar para a tomada de decisão deliberativa dos representantes políticos eleitos. Soa, por isso, estranho que se apresente trabalho avaliativo com proposta de alternativa desarrazoada como essa depois de promulgada a EC.

O momento político de discussão a respeito da necessidade ou não de novos TRFs já foi superado pela aprovação da proposta pelo Congresso Nacional e, principalmente, pela promulgação da Emenda Constitucional.

Por outro lado, ainda que se considere apenas a vertente econômica (custo e eficiência), o estudo do Ipea é insubsistente e apresenta diversos equívocos, como a errônea indicação do número de desembargadores dos atuais TRFs. Além disso, é simplista demais afirmar que tribunais ineficientes, uma vez desmembrados, darão origem a tribunais igualmente ineficientes.

A nota técnica do Ipea, após apresentar três cenários, conclui que “a reformulação ideal seria realocar seções do tribunal ineficiente para o mais eficiente, respeitando a contiguidade territorial” e “disseminando benefícios da alta produtividade”. A medida é despropositada, pois, desse modo, aquele órgão ineficiente seria premiado (redução da carga de trabalho), enquanto o órgão eficiente ganharia mais carga de trabalho.

Surpreende essa conclusão, pois entrega-se um prêmio àquele que é ineficiente e mais trabalho para quem é eficiente, o que, em princípio, ofende a moralidade administrativa. Ademais, a contiguidade territorial precisa de novos contornos e conceitos da geografia, pois o TRF-1, com sede no Distrito Federal, de acordo com a sugestão do Ipea, ficaria ilhado, já que o estado de Goiás, onde se encontra, passaria para o TRF-3, com sede em São Paulo. Certamente, a subversão da ordem geográfica não é o meio mais adequado para fazer frente à ineficiência de nenhum órgão jurisdicional.

Portanto, para além dos equívocos técnicos e da parcialidade do trabalho, a proposta não é condizente com princípios da administração, tais como o da moralidade, eficiência, eficácia, legalidade e impessoalidade, assim como não considera o pacto federativo.

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  • Brave

    é juiz federal de Ponta Grossa (PR), presidente da Associação Paranaense de Juízes Federais e diretor do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus). Mestre e doutor em Direito pela Universidade de Coimbra.

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    é desembargador do Tribunal Regional da 3ª Região, doutor em Direito pela USP e presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe)

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