Falta de plano

Há um receio de que a importação de médicos se perpetue

Autor

  • Sandra Franco

    é consultora jurídica especializada em Direito Médico e da Saúde membro efetivo da Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico Hospitalar da OAB/SP e presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde.

5 de junho de 2013, 15h24

A saúde brasileira enfrenta uma série de problemas antigos que são percebidos e reconhecidos pelos pacientes. Em pesquisa desenvolvida pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) é possível mensurar a visão dos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) e como eles percebem a situação real em que se encontra a saúde brasileira. A população reconhece medidas positivas que, ao longo da existência do SUS, foram adotadas pelo governo, tais como: imunização em massa contra certas doenças, tratamento de Aids/HIV, o acesso facilitado a medicamentos e, inconteste, o fato de todos poderem se utilizar desse sistema universal de saúde.

Em igual medida, os usuários do SUS reclamam dos problemas que enfrentam para serem atendidos. O principal aspecto está na falta de médicos, seguido da demora para que seja realizada consulta com um especialista e do tempo de espera para ser atendido em hospitais ou mesmo ambulatórios.

Algumas causas estão relacionadas, entre outros fatores, ao subfinanciamento desse sistema, a problemas de gestão e à relação entre o SUS e o sistema privado de saúde, que muitas vezes concorre por recursos humanos, financeiros e físicos.  Para tentar sanar o maior dos problemas, segundo a percepção dos usuários, o Governo Federal anunciou como medida a importação de médicos de outros países, especialmente cubanos, espanhóis e portugueses. Estes profissionais poderão exercer por três anos o ofício no país sem a revalidação do diploma e sem o direito de se transferirem para outras regiões onde já haja médicos o suficiente.

Não parece, entretanto, ser uma solução: a verdade é há duas medicinas sendo exercidas no país, já que se apresenta uma grande diferença entre os atendimentos de pacientes do sistema público e do sistema privado. Não bastasse, dentro do sistema público, também há uma diferenciação no atendimento dos pacientes. Alguns centros de referência se firmam e pessoas de cidades distantes e de outros Estados viajam para buscar tratamento. Médicos em início de carreira, ainda inexperientes, são aqueles enviados para os plantões de pronto atendimento e precisam fazer procedimentos de especialistas, inexistentes nas periferias do país.

Sem dúvida, a decisão do Governo Federal trouxe para ordem do dia um dado já conhecido por todos: a má distribuição geográfica dos quase 372 mil médicos registrados no país. Em 2011, segundo censo demográfico divulgado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), aproximadamente 209 mil estavam concentrados na Região Sudeste, e pouco mais de 15 mil na Região Norte, o cenário fiel da trágica distribuição no território nacional, fator que também estimula a entrada de médicos do exterior, além do baixo índice apresentado na relação de médico por habitantes.

Os médicos brasileiros, em sua maioria, manifestaram-se contrários a essa decisão do Governo. O entendimento é o de que essa providência mascara os problemas reais da saúde que estariam impedindo os médicos de se fixarem em várias regiões do país: a falta de leitos nos hospitais, a impossibilidade de se realizar simples exames para diagnóstico dos pacientes, a falta de equipamentos e de pessoal de apoio técnico. Não se trata apenas de salário.

Não basta ser contrário à entrada de médicos estrangeiros no mercado de trabalho nacional, é preciso apresentar uma solução para a falta de profissionais. Uma ideia discutida seria a de que médicos de universidades públicas, após formados, estivessem obrigados a prestar serviços nesses locais com escassez de profissionais. Para os Conselhos Regionais de Medicina, para se garantir a interiorização da assistência à saúde com qualidade para o paciente está na valorização do profissional com a criação de uma carreira de Estado para o médico do SUS.

O Ministério da Saúde apresentou o Programa de Valorização da Atenção Básica (Provab), que oferece bolsa de R$ 8 mil mensais e bônus de 10% nas provas de residência a quem atua em áreas carentes, e a expansão das vagas em cursos de medicina e de residência para formar especialistas. Nesse aspecto, há que se verificar se somente após  anos se formarão alguns poucos especialistas, ausentes no SUS. O Estado entende que, diante do colapso inconteste da saúde, tornou-se urgente preencher as vagas espalhadas no país. A pergunta é: há quanto tempo manifesta-se essa “urgência”? Não seria possível inflar uma discussão com os interessados em busca de outra saída?

Algumas posições mais contundentes são observadas entre as instituições que representam a classe médica. A Associação Médica Brasileira, por seu presidente Floriano Cardoso, afirmou que vai acionar a Justiça, pois entende que há risco para a sociedade: “responsável direto por erros, complicações e mortes que poderão ocorrer caso médicos incompetentes passem a atender a população”.  O Conselho Federal de Medicina também se  posicionou contrário à proposta de importar de importar médicos estrangeiros sem a devida revalidação de diploma e já apresentou uma representação na Procuradoria-Geral da República nesse sentido.

Outro argumento contrário à importação dos médicos está na formação desses profissionais estrangeiros, em tese, inferior àquela apresentada pelos médicos brasileiros. Não obstante, sabe-se que o próprio Conselho Federal de Medicina têm demonstrando problemas nas Faculdades de Medicina do Brasil, haja vista o desempenho dos egressos na prova aplicada pelo próprio conselho. Na verdade, a bandeira principal levantada pelos opositores da medida esteja na necessidade de o profissional estrangeiro precisar ser avaliado da mesma forma  que os brasileiros, buscando uma isonomia na qualidade dos médicos que serão apresentados à população do Oiapoque ao Chui. Nesse aspecto, médicos ruins seriam ser barrados, e não apenas pela nacionalidade. 

Essencial, sem dúvida, seria exigir que o profissional estrangeiro fizesse uma certificação de proficiência em língua portuguesa, uma vez que é essencial a condição de que médico e paciente se comuniquem. Sem sequer se entenderem já desde uma anamnese, ou no levantamento de um histórico clínico, como não esbarrar em inevitáveis erros de diagnóstico e consequentemente de tratamento? 

O grande receio dos profissionais de saúde, em especial, dos médicos, é o de que um plano do Governo Federal aparentemente transitório se perpetue. Que os médicos estrangeiros, após o tempo de necessário de trabalho em determinada região, se espalhem para os grandes centros, sem serem avaliados. Que não sejam corrigidos os problemas de falta de estrutura e de equipamentos nas unidades de atendimento. O receio é o de que daqui a três anos, nova importação se faça necessária em razão da falta de um plano a longo prazo para a solução de um problema nada atual.

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  • é consultora jurídica especializada em Direito Médico e da Saúde, membro efetivo da Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico Hospitalar da OAB/SP e presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde.

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