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Barroso pode julgar ADI sobre royalties do petróleo

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4 de junho de 2013, 16h30

Foi com grande alegria que a comunidade jurídica de todo o país recebeu, no dia 23 de maio de 2013, a indicação de Luís Roberto Barroso para a cadeira de ministro do Supremo Tribunal Federal. Professor de grande prestígio, seguramente um dos maiores juristas brasileiros, autor de livros essenciais para a disciplina do direito constitucional, o advogado e Procurador do Estado do Rio de Janeiro já havia sido cogitado outras vezes para o posto, mas só agora, já com atraso, Barroso recebe a coroação final de uma carreira brilhante.

Passados os festejos, na certeza de que a sabatina no Senado Federal servirá apenas para confirmar a escolha acertada da presidente Dilma, surge a pergunta: Barroso, que como procurador do estado do Rio de Janeiro foi um dos signatários da petição inicial da ADI 4.917 (já com deferimento parcial de medida cautelar pela relatora ministra Carmen Lúcia), na qual se discute a constitucionalidade da nova divisão dos royalties do petróleo no regime de concessão (Lei 12.734/2012), uma vez sob a toga de ministro do STF, irá se declarar impedido ou suspeito para julgar essa ação?

Muito se especula sobre esse assunto, sendo da opinião de muitos que Barroso deverá mesmo declarar-se impedido, tendo em vista a sua atuação como “advogado da parte” — no caso, o estado do RJ (veremos mais adiante que há equívoco nessa forma de pensar) — e o que prescreve o artigo 134, IV, do CPC. Ou, ainda, que ele se declararia suspeito, por ser “interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes” (artigo 135, V, do CPC).

Contudo, a questão merece maior reflexão, haja vista as peculiaridades do sistema de controle concentrado de constitucionalidade brasileiro, sendo possível defender, com apoio em firmes argumentos jurídicos, que o futuro ministro Barroso se declare apto a votar na ADI 4.917.

Antes de apresentarmos tais argumentos jurídicos, vale a ressalva de que este artigo não busca investigar as razões de fundo ético e moral que poderiam levar o professor Barroso, agora juiz, a se declarar apto a julgar a ADI 4.917, apesar do papel de destaque que certamente exerceu na formulação da tese constante da petição inicial.

Isso porque, em tese, esse fato poderia motivá-lo a declarar-se suspeito, por motivo de foro íntimo (artigo 135, parágrafo único, do CPC). Mas como essa causa de suspeição não é sindicável judicialmente, passemos, enfim, aos argumentos jurídicos que poderiam ser utilizados para sustentar a aptidão do ministro Barroso para atuar no julgamento da ADI sobre os royalties do petróleo.

(i) Primeiramente, é preciso lembrar que a ADI integra um processo objetivo, no qual se discute a validade de uma lei ou ato normativo em tese, não havendo propriamente partes nem interesses subjetivos, mas apenas legitimados à propositura da ação constitucional (artigo 103, da CF). É justamente o caso do governador do estado (inciso V) — e não do ente federativo estadual, o que costuma confundir muita gente.

Dito isso, é possível afastar a suspeição do ministro Barroso por eventual “interesse no julgamento da causa em favor de uma das partes” (artigo 135, V, do CPC), seja por não haver partes propriamente ditas, mas legitimados, seja porque, mesmo que se considerasse esse legitimado como uma verdadeira parte, esta parte seria o governador, e não a pessoa jurídica Estado do Rio de Janeiro, este sim o ente federativo cuja Procuradoria é um de seus órgãos e Barroso, então, um de seus integrantes.

(ii) Pelas mesmas razões, também parece viável sustentar a inexistência do impedimento previsto no artigo 134, II do CPC (“processo em que interveio como mandatário da parte”), uma vez que o agora ministro Barroso, enquanto procurador do estado, não poderia ser considerado formalmente o mandatário da parte em uma ADI.

Isso porque, conforme discorremos acima, o procurador do estado representa o estado nos seus processos judiciais. No caso de uma ADI, além do fato de não haver uma parte propriamente dita, esse legitimado sequer é o estado (ente federativo), mas o governador.

Além disso, exatamente pelo fato do governador integrar o rol de legitimados do artigo 103, da CF, quando ele decide ingressar com uma ADI, é dispensável a subscrição da petição inicial por um procurador do estado.

Bem verdade que o procurador que elaborou a peça processual propriamente dita costuma assiná-la, mas assim o faz por uma questão funcional e, tratando-se de processos do controle concentrado de constitucionalidade, também para dar mais credibilidade à tese jurídica ali versada. Contudo, mostra-se insuficiente e dispensável sua assinatura para a regular propositura da ação, conforme entende o próprio STF:

“ADI proposta pelo governador alagoano contra o artigo 22 do ADCT da Constituição Estadual, que teve negado o seu seguimento no STF por falta de informações essenciais à análise do pedido. O estado de Alagoas recorreu dessa decisão e o ministro não conheceu do Agravo Regimental, ao entender ‘a manifesta ilegitimidade recursal do estado de Alagoas’ haja vista que o estado não é parte legítima no processo. Quem recorreu não foi o governador, foi o estado de Alagoas por meio de uma peça subscrita por um procurador que sequer é o procurador-geral. (Ag Reg na ADI 1.663/AL. Pleno. Rel. Min. Dias Toffoli. 24/04/2013).

Pois bem, e se o ministro Barroso contrariar as expectativas e, valendo-se de argumentos jurídicos semelhantes aos utilizados neste artigo, declarar-se apto a julgar o feito? Nesse caso, de acordo com a jurisprudência do STF, nada poderia ser feito para impugnar tal decisão:

"Trata-se de arguição de suspeição do ministro Eros Grau (…) seria suspeito para atuar no julgamento do mérito da referida ADPF nº 70, por ter o magistrado, conforme divulgado pelo ministro relator, emitido parecer em favor da arguida (…). 4. Nesse sentido, a ADPF constitui-se entre as modalidades de controle concentrado ou objetivo de constitucionalidade, que visa evitar ou reparar lesão e preceito fundamental. 5. Assim, o processo objetivo, na dicção que foi conferida pelo Supremo Tribunal Federal, denota-se pelo seu escopo de defesa da Constituição e de manutenção da ordem constitucional, o que pressupõe a inexistência de interesses subjetivos deduzidos à lide e a ausência de partes propriamente ditas. 6. Sendo assim, observa-se a impossibilidade de exceção de suspeição em face do ministro nas ações diretas de inconstitucionalidade”. (AS 37/DF. Rel.: Ministro GILMAR MENDES Presidente. Decisão: 18/02/2009).

Mas tudo leva a crer que o ministro Barroso deverá mesmo se declarar suspeito para julgar a ADI sobre os royalties do petróleo, que ajudou a redigir quando atuava como procurador, afastando, assim, qualquer possível dúvida quanto à sua imparcialidade como juiz da mais alta corte brasileira. Contudo, não se pode esquecer que existem sólidos argumentos jurídicos que permitiriam a sua participação no julgamento da ADI 4.917, e se e essa for a sua decisão, contra ela não caberia qualquer meio de impugnação.

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