Convidados e penetras

Lei eleitoral diferencia criação e fusão de partidos

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4 de junho de 2013, 6h44

Enganam-se aqueles que sustentam que o processo eleitoral de 2014 não começou. Ainda que pela Lei 9.504/97 seu início formal dar-se-á somente no dia 10 de junho do ano vindouro, é certo que, do ponto de vista material, ele já se faz presente. E, a julgar pelas intensas movimentações políticas hoje testemunhadas, é possível suspeitar que as próximas eleições gerais revelarão uma disputa especialmente acirrada pela ocupação dos espaços públicos.

A cada ano pré-eleitoral — e o de 2013 não está fugindo à regra — são perceptíveis as disputas protagonizadas por pré-candidatos que, sem demora, começam a circular entre o eleitorado da circunscrição onde pretendem concorrer, no sentido de viabilizar politicamente sua futura candidatura. São também cada vez mais comuns os flagrantes de desvirtuamento das chamadas propagandas partidárias – reguladas pelo artigo 45 da Lei 9.096/95 – que, muitas das vezes, são usadas para projetar, ainda que subliminarmente, alguma pré-candidatura.

Mas há uma novidade que vem diferenciando o ano pré-eleitoral de 2013 dos demais, qual seja, as sucessivas tentativas de criação das chamadas “janelas” que, em tese, legitimariam as trocas de legenda partidária a tempo de possibilitar a disputa na eleição de 2014, sem risco da perda de mandatos eletivos por infidelidade partidária.

De se registrar que essa novidade é, em grande medida, conseqüência do endosso, pelo Tribunal Superior Eleitoral e pelo Supremo Tribunal Federal, da tese da “portabilidade dos votos proporcionais”. Por ela, os partidos políticos recém-criados — e que, por isso mesmo, não tiveram a oportunidade de disputar eleições gerais para a Câmara dos Deputados — participam do rateio dos 95% (noventa e cinco por cento) dos recursos do Fundo Partidário e dos 2/3 (dois terços) do tempo de rádio e TV, levando-se em consideração o número de deputados federais que, de forma supostamente legítima, tenham migrado para a nova legenda após a obtenção do registro junto ao TSE (STF: ADI 4.430 e 4.795; TSE: Pet. 174.793).

Em boa verdade, o fato é que tais decisões, sob o pretexto de densificar a liberdade constitucional de associação, tiveram a impensada consequência de fragilizar ainda mais o já combalido sistema político-partidário brasileiro, na medida em que os detentores de mandatos públicos eletivos introjetaram a mensagem de que, para novos partidos, podem eles carregar consigo os votos confiados à legenda pela qual concorreram e se elegeram.

Desse modo, passaram a ser cada vez mais frequentes as iniciativas políticas visando à criação de novos partidos políticos em tempo recorde, pois, de par com a atual jurisprudência do STF e do TSE, poderiam eles, uma vez obtido o registro pela corte eleitoral, albergar mandatários eleitos por outras agremiações portando consigo os votos que conquistaram sob a legenda pelos quais foram originalmente eleitos.

Dentro desse contexto, no entanto, uma peculiar e diversa iniciativa vem chamando a atenção dos estudiosos do Direito Eleitoral e da comunidade política. Trata-se, aqui, da criação, pela via simplificada e atalhada da fusão, de um novo partido; tal como ocorre com o denominado Mobilização Democrática – MD, fruto da reunião do PPS com o PMN.

Sem demora, a imprensa passou a alardear que, segundo os seus líderes, o MD teria, num primeiro momento, 14 deputados federais (11 do PPS mais 3 do PMN). Contudo, esse número poderia aumentar significativamente, já que se espera o reconhecimento de um prazo de um mês para que outros parlamentares – não integrantes das agremiações em processo de fusão – migrem para a nova legenda, sem o risco da perda de seus mandatos.

Essa expectativa, porém, não encontra ressonância nos mais recentes pronunciamentos judiciais sobre a matéria. De saída, cumpre considerar que criação e fusão de partidos políticos são situações completamente distintas; que mereceram, inclusive, tratamento em capítulos apartados na Lei Orgânica dos Partidos Políticos. No primeiro caso, como se sabe, é preciso obedecer a todo o rito específico previsto na Lei n9.096/95, valendo aqui destacar a necessidade de obtenção de assinaturas de eleitores correspondente, no mínimo, a 0,5% dos votos dados na última eleição geral para a Câmara, não computados os brancos e nulos, o que corresponde a cerca de 500 mil assinaturas, que deverão, ainda, estar distribuídas em pelo menos nove estados.

Essa dificultosa condição — demandante de intensa mobilização política em pelo menos nove estados — não se faz presente na hipótese de fusão de partidos políticos, uma vez que, nesse caso, duas ou mais agremiações apenas aprovam, em convenção, a fusão interpartidária e, em seguida, o órgão nacional buscará o registro do “novo partido” em cartório, para, por derradeiro, requerer o registro no TSE, conforme o § 1º do artigo 29 da Lei 9.096/95. Simples assim.

Não se olvida o fato de o inciso II do § 1º do mencionado artigo 29 haver utilizado a expressão “novo partido”, ao dispor que “os órgãos nacionais de deliberação dos partidos em processo de fusão votarão em reunião conjunta, por maioria absoluta, os projetos, e elegerão o órgão de direção nacional que promoverá o registro do novo partido”. Mas é preciso realçar que essa expressão foi usada pelo legislador para deixar estreme de dúvidas que, com a fusão, desaparecem do mundo jurídico as associações protagonistas do processo de fusão e, em substituição, emerge um partido político até então inexistente. Apenas isso.

Nessa perspectiva, o entendimento no sentido de que os processos de criação de um partido político genuinamente novo (Capítulo I da Lei 9.096/95) e de fusão (Capítulo VI da Lei 9.096/95) mereceram do ordenamento jurídico o mesmo tratamento só pode decorrer de uma leitura açodada e de uma interpretação isolada e literal do inciso II do art. 1º do artigo 29 da Lei Orgânica dos Partidos Políticos.

A reforçar a natural diferença entre criação e fusão de legendas partidárias, impende observar que a própria Resolução TSE 22.610/07, que trata da fidelidade partidária, tratou de separar topograficamente as hipóteses de "fusão e incorporação" da hipótese de "criação":

"Art. 1º – O partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa.

§ 1º – Considera-se justa causa:

I) incorporação ou fusão do partido;

II) criação de novo partido;

(…)"

Logo, diferentemente da hipótese de criação de partidos políticos — na qual há um engajamento significativo de indivíduos e um movimento notório de mobilização política em prol da criação de uma sigla genuinamente nova —, a fusão de partidos políticos é caracterizada simplesmente com a participação das legendas interessadas, cuja vontade é manifestada em convenção. Num ambiente, portanto, muito mais restrito, com número de participantes facilmente determinado.

Exatamente por isso é que, a teor dos recentes pronunciamentos exarados pelo TSE e pelo Supremo, existe a possibilidade de mandatários, ainda que filiados ao partido político pelo qual foram eleitos, trabalhem publicamente em prol da criação de uma nova legenda (ostentando, assim, a condição de fundadores), podendo optar ou não, após a obtenção do registro definitivo, pela filiação à grei recém-criada.

Tanto isso é verdade que, ao responder a Consulta 75.535/2011, que versava sobre criação de partidos, entendeu o TSE que "para aqueles que contribuíram para a criação do novo partido, é razoável aplicar analogicamente o prazo de 30 dias, previsto no art. 9º, § 4º, da Lei 9.096/9517, a contar da data do registro do estatuto pelo TSE" para transferência de partido político. Ou seja, estabeleceu o TSE um prazo dentro do qual somente os participantes do processo de criação do novo partido político podem exercer o direito de migração.

Ora, se é assim, aplicando-se mutatis mutandis o que decidiu o TSE na mencionada consulta, os "razoáveis 30 (trinta) dias" para migração de legenda sem prejuízo do mandato somente protege aqueles que, de algum modo, participaram legitimamente do processo de fusão, ou seja, invariavelmente os mandatários das agremiações partícipes da fusão; no caso ora em andamento, somente PPS e PMN.

Admitir interpretação em sentido contrário, além de amesquinhar a regra da fidelidade partidária, levaria o intérprete ao absurdo de conceber que mandatários de partidos políticos estranhos aos processos de fusão têm condições de participar legitimamente de reuniões políticas e de convenções em que se delibera a criação de nova legenda exatamente por meio dessa fusão. Projetando-se para o caso do MD, seria reconhecer a qualidade de “fundadores” a mandatários que, por não integrarem nem o PPS, nem o PMN, não tiveram voz nem vez nas convenções que deram origem ao novel partido.

Desse modo, dúvidas não há de que a “fusão de partidos políticos” é hipótese de justa causa para desfiliação partidária sem prejuízo do mandato. Mas também não pairam dúvidas de que esse direito só se estende aos mandatários filiados às agremiações partícipes do processo de fusão, os quais poderão exercer o direito de desfiliar-se, uma vez que, em tese, desse processo poderá derivar uma associação político-partidária com uma orientação programática diversa daquela à qual estava o mandatário formalmente filiado. Essa parece ser a interpretação mais adequada do comando normativo veiculado do inciso I do § 1º do art. 1º da Resolução TSE 22.610/07, que, por encerrar uma exceção à regra constitucional da fidelidade partidária, há de ser interpretado estritamente, justamente como recomendam as mais elementares lições de hermenêutica jurídica.

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