Federal e estadual

Inexiste óbice a acúmulo de cargo por vice-governador

Autor

  • Heleno Taveira Torres

    é professor titular de Direito Financeiro e chefe do Departamento de Direito Econômico Financeiro e Tributário da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF) e advogado.

4 de junho de 2013, 9h28

A nomeação do novo Ministro de Estado para assumir a “Secretaria da Micro e Pequena Empresa” ensejou diversas dúvidas sobre existir autorização constitucional para que o vice-governador de São Paulo pudesse prosseguir no exercício do cargo para o qual foi eleito, concomitantemente ao exercício das funções ministeriais. Essa tensão, porém, não encontra qualquer motivo juridicamente relevante.

Antes de tudo, não se pode negar a relevância da “Secretaria da Micro e Pequena Empresa”, criada pela Lei 12.792, de 28 de março de 2013. Um gesto notável em favor do fortalecimento dos pequenos empreendedores, cuja formalização amplia ainda mais a capacidade de arrecadação de tributos, de financiamento da previdência e do nosso crescimento econômico. O Brasil que responde pelo empreendedorismo, onde germinam as médias e grandes empresas, de há muito clamava por políticas e diretrizes para o apoio à microempresa, empresa de pequeno porte e de artesanato, o que exigia uma coordenação abrangente dos programas de incentivo às suas atividades.

Vejamos, porém, se ministro do governo federal pode ser vice-governador de estados.

A resposta é afirmativa. Os cargos de agentes políticos são de preenchimento e demissão ad nutum. Ou seja, neles prevalece a preferência de quem nomeia, na livre escolha dentre aqueles que tenham as melhores condições para o exercício das competências. Essa é basicamente a única diferença entre os cargos políticos e os demais cargos públicos, reservados que estão ao preenchimento por concurso público.

Conforme o artigo 84 da Constituição Federal, compete privativamente ao presidente da República “nomear e exonerar os Ministros de Estado”, e, no artigo 87, que estes serão escolhidos dentre brasileiros maiores de vinte e um anos e no exercício dos direitos políticos. De se ver, a competência presidencial para as escolhas de integrantes dessas elevadas funções ministeriais da República encontra balizas muito amplas, para permitir a plena liberdade de seleção do agente mais qualificado para cada pasta.

A dúvida sobre saber se um vice-governador poderia ocupar as funções ministeriais é sanada pela própria Constituição Federal, que contempla regra objetiva para definir os efeitos da assunção de cargos públicos federais por chefes dos executivos estaduais.

Trata-se do artigo 28 da CF, o qual, após dispor sobre a eleição do governador e do vice-governador, no parágrafo 1º, prescreve que “perderá o mandato o Governador que assumir outro cargo ou função na administração pública direta ou indireta, ressalvada a posse em virtude de concurso público e observado o disposto no artigo 38, I, IV e V”.

Poder-se-ia, ainda, indagar se esta regra alcançaria o “vice-governador” quanto à proibição de assunção de cargos na administração federal. A resposta há de ser negativa, como bem concluiu o parecer da Advocacia-Geral da União. Em termos lógicos, a norma tem apenas um destinatário, cuja proibição alcança unicamente o governador. Ao tempo que o caput do artigo 28 citado menciona ambos os cargos e restringe a consequência da perda do cargo ao “Governador”, de se ver, não se pode estender essa vedação ao “vice-governador”, por ser regra jurídica objetiva e com destinatário determinado.

Pelo reduzido conhecimento da maioria das pessoas sobre as funções do cargo de vice-governador, poucos se dão conta de que este cargo é desprovido de competências para atividades de representação, política ou administrativa do Estado. Restringem-se àquelas funções de sucessão, quando da vacância, ou substituição provisória, nos impedimentos. Em termos políticos, geralmente, são pessoas de notáveis habilidades políticas, ricas em experiência, mas que ficam à margem do processo decisório.

Desse modo, atendidos os critérios constitucionais, o ato presidencial será perfeitamente legítimo, para que o ministro possa cumprir seus misteres, ainda que seja vice-governador de Estado da federação. De igual modo, a Constituição do Estado de São Paulo tampouco contempla alguma reserva quanto à concomitância da ocupação dos cargos de vice-governador e de ministro de Estado.

Conforme o artigo 38 da Constituição paulista, após a eleição do governador e do vice-governador, este substituirá aquele em duas hipóteses: no caso de impedimento ou quando necessária a sucessão. Como esta depende da vacância do cargo, o que não está em exame, resta saber se existe algum impedimento que justifique a disponibilidade permanente do Vice-Governador para cumprir as substituições ou sucessão citadas.

A Constituição paulista trata, ainda, do impedimento do governador, para definir que este poderá ser substituído, em ordem sucessiva, pelo Presidente da Assembleia Legislativa e o presidente do Tribunal de Justiça (artigo 40), sem qualquer condicionamento vinculante para o vice-governador. Deveras, não existe na Constituição nenhuma obrigatoriedade de que essas substituições sejam impositivas.

Na vacância do cargo, porém, o vice-governador, ainda que no exercício das funções de ministro do governo federal, poderá optar entre manter-se no exercício ministerial e renunciar à governadoria, o que justificaria a abertura de novas eleições estaduais, reservar-se à função federal, ou renunciar ao Ministério e suceder o governador, pelo impedimento de concomitância do artigo 28, parágrafo 1º, da Constituição Federal. Tudo conforme a melhor jurisprudência consolidada no STF e no TSE.

No que concerne à residência, somente ao governador é obrigatória sua permanência na capital do estado de São Paulo, como prescreve o artigo 45 da Constituição estadual, que não faz restrição ao local de moradia do vice-governador. Nada impede, portanto, que o vice-governador mantenha-se com atuação externa e tenha residência em outro estado da federação. A Constituição paulista exige, apenas, o dever de pedido de licença à Assembleia Legislativa, no artigo 44, a saber: “O Governador e o Vice-Governador não poderão, sem licença da Assembleia Legislativa, ausentar-se do Estado por período superior a quinze dias, sob pena de perda do cargo”. Dito de outro modo, ou bem a exigência de licença não se impõe, acaso o vice-governador regresse ao estado antes de 15 dias, ou bem unicamente cumpriria à Assembleia Legislativa examinar eventual pedido de licença, caso o vice-governador assim a solicite.

A assunção das funções de ministro do governo federal, ademais, não leva o vice-governador a algum crime de responsabilidade, a justificar processo de impeachment, na medida em que os crimes de responsabilidade limitam-se ao governador, na forma do artigo 48 da Constituição estadual, no descumprimento de suas competências (artigo 85 da CF e Lei 1.079, de 10 de abril de 1950), sem nenhuma extensão ao vice-governador.

E no que corresponde aos fatores de ética pública, ao abrir mão da remuneração de um dos cargos, esgota-se qualquer dúvida quanto à lisura e comprometimento do interessado com as funções pretendidas.

Em conclusão, não subsiste qualquer impedimento constitucional, tanto menos prejuízo aos interesses do governo estadual, à continuidade do ministro no exercício do cargo de vice-governador, e sobram benefícios para a democracia e para a qualidade do serviço público, pelos valores que animam os programas de fortalecimento das micro e pequenas empresas, do empreendedorismo e da simplificação. Ao mesmo tempo, assegura-se melhor a governabilidade das necessidades públicas sentidas no âmbito nacional. Diante disso, alegações de crime de responsabilidade e similares devem ser afastados pelo princípio da proibição de excesso, corolário da segurança jurídica, em virtude da ausência de vedação expressa para assunção de cargo político federal pelo vice-governador, como demonstrado.

Afastadas quaisquer restrições jurídicas, remanesce o debate no plano eminentemente político. Neste, sem dúvidas, a questão resolve-se como inerente aos méritos dos governos de coalizão, pela possibilidade de ampliação dos esforços em torno dos grandes desafios na implementação de políticas públicas e da governabilidade do país. Os governos de coalizão coincidem nos melhores valores da democracia, pela fidelidade às escolhas dos eleitores sobre as pautas partidárias prevalecentes, as quais se somarão no apoio ao grupo partidário que vence as eleições majoritárias, responsável por definir os valores e os interesses dominantes. Por isso, no governo de coalizão, o pluripartidarismo assume notável relevo, na representação dos múltiplos anseios da sociedade, assim como a proporcionalidade¹.  É nesse contexto que os partidos de maior sustentação devem contribuir com seus melhores quadros para a governabilidade de estado, no compartilhamento de esforços para assegurar os programas de governo.

Destarte, não se trata de questão menor, o debate em torno das funções do vice-governador e sua concomitância com as funções de ministro do governo federal. Subjacente a este encontram-se os grandes temas inerentes à gestão de Estado e ao papel do federalismo no nosso país, cuja administração deve ser animada menos por disputas políticas e mais por efetivas cooperações recíprocas entre unidades federativas e a União, para o melhor atendimento dos interesses e necessidades nacionais.


1.Como assinala Sérgio Abranches: “Numa estrutura multipartidária, marcada pelo fracionamento, o sucesso das negociações, na direção de um acordo explícito que compatibilize as divergências e potencialize os pontos de consenso, é decisivo para capacitar o sistema político a atender ou conter legitimamente demandas políticas, sociais e econômicas competitivas e a formular um programa coerente e efetivo.” Mais adiante: “A observância desses compromissos, ainda que ajustada às circunstâncias, constitui um dos requisitos essenciais para a legitimidade e continuidade da coalizão.” E segue: “Esse é, naturalmente, um processo de negociação e conflito, no qual os partidos na coalizão se enfrentam em manobras calculadas para obter cargos e influência decisória.” ABRANCHES, Sérgio Henrique Hudson de. Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro. Dados. Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: IUPERJ, V. 31, n. 1, 1988, p. 5-34.

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