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Limites para o controle judicial de políticas públicas

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3 de junho de 2013, 9h17

Spacca
O direito, qualquer que seja, não é gratuito. Saúde universal, educação básica obrigatória, moradia e meio ambiente, previdência social, esporte, lazer e cultura, entre vários outros direitos fundamentais à vida de cada um de nós, custam caro e exigem planejamento — e recursos financeiros —, sob pena de se tornarem promessas retóricas e inconciliáveis. Quando profere uma sentença, reconhecendo a plena eficácia da prestação de tais direitos, determinando providências e até mesmo prazos para que sejam implementados, o Judiciário participa ativamente do processo de alocação de recursos públicos, tornando o orçamento, cada vez mais, mera peça de ficção.

Políticas Públicas e Direito Fundamentais, de Felipe de Melo Fonte, coloca o dedo nessa ferida, com uma análise crítica, objetiva e inovadora sobre um tema que tem provocado inúmeras discussões, além de sérias ameaças ao planejamento público, especialmente nos setores de saúde e educação, os mais afetados pelas decisões dos tribunais. O livro, recém lançado pela Saraiva, é uma tentativa, segundo o próprio autor, de "imprimir alguma racionalidade aos debates, de modo a acomodar a competência constitucional dos administradores, a supremacia do parlamento em questões financeiras e a demanda por direitos na via judicial". 

Na prática, procura definir quais são os limites para a atuação do Judiciário, sem que a discussão fique limitada à mera escolha de princípios. "É preciso ampliar o debate sobre quem deve legitimamente definir os meios pelos quais os objetivos serão alcançados", afirma Melo Fonte. Como ponto de saída, em busca da tal racionalidade, ele propõe uma questão aparentemente simples, mas que divide muitos doutrinadores: afinal, o que são políticas públicas, como elas se relacionam com os direitos fundamentais e qual o espaço para a atuação do Judiciário? 

Procurador do Estado do Rio de Janeiro, professor de Direito Constitucional e Administrativo e assessor do ministro Marco Aurélio no Supremo Tribunal Federal, Felipe de Melo Fonte diz que debater políticas públicas é, em grande medida, "questionar os meios utilizados para a efetivação de direitos e satisfação de expectativas sociais que quase todos entendem por legítimas". Para ele, umas das objeções centrais à intervenção judicial em matéria de políticas públicas é a sua incapacidade de ter uma visão sistêmica, o que não ocorre com os demais poderes estatais. 

No livro, ele propõe um aprofundamento sobre as categorias do direito que envolvem as políticas públicas e os direitos fundamentais e apresenta as razões que o levam a acreditar que o Brasil tem um Poder Judiciário mais atuante nesse campo. Lembra, como exemplo, que em várias escolas e hospitais, atualmente, só se consegue admissão por meio de decisões judiciais, "fato que representa grave distorção no acesso a bens e serviços públicos, que se espera seja feito sem discriminação e de acordo com critérios bem definidos, ante a necessária observância ao princípio da igualdade". 

Nem sempre foi assim, lembra o autor. Ao se debruçar sobre a jurisprudência histórica dos tribunais superiores, ele encontrou inúmeras decisões que rechaçavam tais pretensões, ao contrário do quadro atual, no qual o judiciário reconhece a plena eficácia de direitos prestacionais contra o Estado, chegando, em casos extremos, ao bloqueio de verbas públicas para fazer cumprir a decisão, com base "em ponderações que implicam, por vezes, o afastamento de regras constitucionais como as do precatório, do dever de licitação e da reserva de orçamento para despesas públicas". 

Como outros autores, Melo Fonte identifica na Constituição de 1988 a origem dessa mudança paulatina. Com a redemocratização, afirma, o Direito passou a ser considerado instrumento a serviço da transformação da realidade social, enquanto doutrinas tradicionais que vinham servindo à ineficácia dos direitos fundamentais, especialmente os de cunho social, foram superadas "em favor de concepções mais modernas, que privilegiam a concretização de tais direitos". 

Na busca pelo equilíbrio, o autor questiona a teoria dos direitos fundamentais como critério exclusivo para o controle judicial de políticas públicas e lembra que é preciso separar nas normas jurídicas o que são princípios e o que são regras. "O Legislativo e a Administração pública não podem desconsiderar aquilo que a Constituição e as leis estipulam sob a forma de regras, mas possuem amplo espaço de conformação no que diz respeito aos princípios", afirma. "É incorreto o Poder Judiciário desconsiderar a carga de eficácia das regras como também pretender a densificação de princípios por ato próprio". 

Superada esta etapa, ele vislumbra no livro dois possíveis modelos de controle judicial de políticas públicas. O primeiro, baseado nos chamados direitos essenciais à vida humana, sobre os quais considera razoável um controle rigoroso para a sua efetivação, uma vez que sua concretização não pode estar inteiramente sujeita aos desígnios do processo político. O segundo se relaciona a como as políticas públicas não essenciais e que estariam na "zona de incerteza" quanto ao princípio da dignidade humana, para os quais defende um controle judicial pela via dos princípios gerais aplicáveis à administração pública. "A adoção da espécie normativa pelo constituinte significa que este delegou aos órgãos políticos a tarefa de intermediar a concretização constitucional, sendo certo que deles não se pode extrair um direito subjetivo em face do Estado", conclui. 

Serviço:
Titulo: Políticas Públicas e Direito Fundamentais
Autor: Felipe de Melo Fonte
Editora: Saraiva
Edição: 1ª Edição — 2013
Número de Páginas: 360
Preço: R$ 82,00

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