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Nem só com royalties se melhora qualidade da educação

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30 de julho de 2013, 8h01

Nas últimas semanas a mídia tornou a trazer para o centro do debate a sempre presente questão dos gastos com educação. A destinação de porcentual do PIB, bem como dos royalties de petróleo para a educação, associadas às manifestações recentes, em que se observou uma quase unanimidade nas reivindicações pela melhoria no sistema, são alguns dos assuntos recentes que fizeram o tema voltar à discussão. Uma excelente oportunidade para tratar do tema sob o prisma do Direito Financeiro.

A educação é indiscutivelmente uma prioridade, não só do Brasil como de qualquer país do mundo que seja ou pretenda ser considerado desenvolvido. Não se vislumbra possível atingir os objetivos fundamentais fixados em nossa Constituição (artigo 3º), construindo uma sociedade livre, justa e solidária, garantindo o desenvolvimento nacional, com erradicação da pobreza e desigualdades, promovendo o bem de todos, sem uma educação universalizada e de qualidade.

Investir na educação, alocando os recursos públicos maciçamente neste setor é verdadeiramente uma obrigação de todo e qualquer administrador público, não há dúvida. O que importa destacar é como fazer isso. A educação, no Brasil, e as respectivas políticas públicas voltadas ao setor, compõem um sistema complexo e que precisa ser muito bem estruturado, organizado e gerido.

Somos uma República Federativa presidencialista, com três esferas de governo bem definidas e três poderes independentes, mais as várias instituições dotadas de autonomia administrativa e financeira, o que torna mais complexa e delicada a tarefa de estruturar um sistema de forma organizada e eficiente para alcançar suas finalidades.

A educação, tema caro ao nosso legislador constituinte, que dele tratou longamente em nosso texto constitucional, com uma seção inteiramente dedicada a este setor (Capítulo III, Seção I, artigos 205 a 214, sem contar outros dispositivos ao longo do texto), previu ser a educação um direito de todos e dever do Estado e da família, assegurando-se pleno acesso a todos, com gratuidade do ensino público e garantia de padrão de qualidade, entre outros princípios.

Tudo isto a ser executado pelas três esferas de governo, cabendo à União, aos Estados e Distrito Federal e aos Municípios, em regime de colaboração (CF, artigo 211), sem prejuízo da participação da iniciativa privada (CF, artigo 209). E com compartilhamento de recursos entre todos, especialmente por meio do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação — CF, ADCT, artigo 60), em uma clara política pública a ser realizada no âmbito de nosso sistema de federalismo cooperativo, que caracteriza nosso Estado.

Gerir todo esse sistema de modo a fazer com que todos caminhem no mesmo sentido, e se voltem a um objetivo único, que é aplicar bem os recursos para melhorar este serviço público fundamental para o desenvolvimento econômico e social do país não é, a toda evidência, tarefa simples.

Requer, primeiramente, um planejamento bem elaborado e eficiente, o que, no caso da educação, já conta com um tratamento diferenciado, na medida em que a Constituição prevê lei de caráter nacional estabelecendo o Plano Nacional de Educação (PNE), para o período de dez anos. Trata-se de um instrumento da maior relevância para a gestão desse sistema, pois define, para todos os entes da federação, as diretrizes, objetivos e metas e estratégias para o setor, bem como os meios a serem utilizados para alcançá-los (CF, artigo 214).

O primeiro PNE surgiu com a Lei 10.172/2001, para o período 2001-2010, estabelecendo as principais regras para o setor, a serem seguidas por todos os entes da federação, determinando aos entes subnacionais que elaborem seus respectivos planos decenais (artigo 2º), exigindo que os planos plurianuais de todos os entes federados sejam elaborados de modo a dar suporte às metas estabelecidas (artigo 5º) e que todos os poderes se empenhem para a realização dos objetivos e metas dos planos (artigo 6º).

Vê-se que o prazo do referido plano já expirou, e, não obstante tenha sido apresentado o projeto de lei para sucedê-lo no período 2011-2020, este permanece em discussão no Congresso Nacional, que está falhando gravemente ao não lograr aprová-lo, fazendo com que já entremos no terceiro ano de verdadeira “anomia legislativa” nesta área fundamental, e em período no qual a população clama por mais educação e com qualidade.

O prejuízo é enorme para todos, pois causa insegurança e desordem no sistema jurídico. Veja-se que o PPA (plano plurianual) da União, que planeja a administração pública federal, elaborado para o período 2012-2015, bem como os dos estados e Distrito Federal, também elaborados para o mesmo período, foram feitos com base no projeto de lei do PNE ainda não aprovado. E não será diferente com os municípios, que deverão no segundo semestre deste ano fazer o mesmo, apresentando suas propostas de PPA para o período 2014-2017 sem que tenha sido aprovado o PNE no qual devem se basear. Mais do que insegurança jurídica, causa desordem na administração pública e respectivos orçamentos e contabilidade pública, gerando ineficiência geral, com prejuízos ao andamento de projetos, contratações e licitações.

Neste ponto cabe uma ponderação importante. Repetindo o que já escrevi anteriormente (Responsabilidade orçamentária precisa de melhorias, publicada em 12 de março de 2013), novamente ressalto que devem as preocupações se concentrar mais na qualidade do gasto do que na quantidade, o que não parece estar ocorrendo.

Em todos os fatos mencionados no início desta coluna, o que se vê é um foco em procurar o aumento dos recursos para a educação, pelas mais diversas vias — criando uma obrigação de gastar 10% dos recursos públicos em proporção do PIB com a educação, e pretensão de alocar 100% das receitas arrecadadas com royalties de petróleo no setor. São todas medidas, que, com a melhor das intenções, se imaginam suficientes para resolver o problema. E, por mais estranho que possa ser, comprovadamente não são.

O maior problema da administração pública, por mais curioso que possa parecer, não é a quantidade de recursos, mas sim conseguir administrá-los de forma eficiente. Na educação a situação não é diferente. Também já falei sobre isso anteriormente, há exatamente um ano, e nunca é demais voltar ao tema (Não falta dinheiro à administração pública, falta gestão, publicada em 31 de julho de 2012). As recentes notícias mencionadas no início desta coluna apontam claramente neste sentido: “As principais falhas na área educacional no Brasil, segundo pesquisadores, estão relacionadas à má distribuição e à gestão ineficiente dos recursos”[1]; dados de recente levantamento da OCDE[2], mostrando que o aumento nos gastos com educação que o Brasil fez nos últimos anos não estão resultando em efetiva melhoria em nossos índices, e “deveriam ser lidos com muita atenção por governantes e pelos manifestantes que forma às ruas clamar por uma educação melhor, sob pena de insistirmos na tecla errada: aumentar o volume de gastos no setor não deve trazer a qualidade educacional de que precisamos”[3]. Mailson da Nóbrega, em recente coluna publicada, é claro e preciso ao afirmar que o problema da educação não é a falta de dinheiro, pois o que a educação brasileira precisa é “de uma verdadeira revolução gerencial e de prioridades, inclusive para gastar melhor os recursos disponíveis”[4], no mesmo sentido do apelo de Gustavo Ioschpe[5].

Maior prova disso é ver que a preocupação com a quantidade de recursos para a educação é antiga, já vem pelo menos desde a promulgação da Constituição, que em seu texto original, publicado em 1988, prevê que a União deverá aplicar anualmente, no mínimo, 18% da receita de impostos e transferências obrigatórias na manutenção e desenvolvimento do ensino, e estados, Distrito Federal e municípios, o mínimo de 25%, destacando-se ainda entes da federação que, por legislação própria, preveem valores ainda mais altos, como é o caso do estado de São Paulo, cujo percentual é de 30% (Constituição Estadual, artigo 255), e do município de São Paulo, com percentual de 31% (Lei Orgânica, artigo 208).

E não se pode dizer que, após todos esse anos, a questão da educação, que sem dúvida experimentou avanços nesse período, esteja próxima do ideal almejado pela nossa sociedade, que tem se mostrado atenta a esta questão, como se vê nas ruas.

Não será somente pela obrigação de elevar a meta de aplicação de recursos públicos em educação em proporção do PIB, como determina a Constituição (artigo 214, inciso VI) e debate-se no projeto do novo — e já atrasado — Plano Nacional de Educação, nem pela destinação dos recursos dos royalties de petróleo do pré-sal, que a questão será resolvida.

A sociedade, por todos os seus órgãos representativos, fazem muito bem, e realizam o excelente trabalho, nesta luta pelos recursos para a educação. Certamente isto poderá resultar, ao menos, em aumento de salário aos professores, que precisam e merecem. Poucas causas podem ser mais nobres do que essa, e essa deve ser uma luta incessante de todos.

Todo o apoio deve ser dado aos parlamentares e membros do Poder Executivo no sentido de conseguirem aprovar mais recursos para a educação, mas já passou da hora de canalizarem suas energias para aperfeiçoar a gestão dos recursos que já estão sendo aplicados, sob pena de mandar mais dinheiro para um sistema que ainda não está conseguindo administrar bem o que já tem. E isto pode começar com a aprovação do Plano Nacional de Educação.


[1] “Aprendendo a gastar”. Folha de S.Paulo, 30 de junho de 2013, p. B8,
[2] Education at a glance 2013.
[3] “Dados novos, problema antigo”. Revista Veja, ed. 2330, 10 de julho de 2013, p. 100.
[4] “O problema da educação não é a falta de dinheiro”. Revista Veja, ed. 2331, 24 de julho de 2013, p. 32.
[5] “Dilma, não desperdice nossos recursos nesse sistema educacional”. Revista Veja, ed. 2331, 24 de julho de 2013, p. 104.

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