Sem dolo

Juiz rejeita denúncia por calúnia contra a ConJur

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29 de julho de 2013, 17h27

A Justiça rejeitou mais uma denúncia do engenheiro Luiz Eduardo Auricchio Bottura contra a revista eletrônica Consultor Jurídico, novamente, sem análise de mérito. Decisão desta quarta-feira (24/7), proferida pela 29ª Vara Criminal de São Paulo, considerou inepta Queixa-Crime por calúnia, injúria e difamação ajuizada contra a equipe da ConJur devido a reportagem publicada sobre as práticas do empresário, autor de quase mil processos contra desafetos e réu em outros mil, acumulando pelo menos 239 condenações por litigância de má-fé. A amostragem confirma que Bottura é um dos maiores litigantes individuais do país, usando habilmente o sistema judicial para tentar imobilizar quem atrapalha seus negócios e, no polo passivo, como alvo das pessoas que prejudica.

A decisão se junta a outras duas, uma cível, proferida no último dia 18 por juiz de São Paulo, negando publicação de texto do empresário e retirada de notícia do ar, e outra desta sexta-feira (26/7), do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, suspendendo liminar que determinou que notícias sobre Bottura fossem apagadas sob pena de bloqueio do site. 

A reportagem intitulada "Engenheiro litigante testa tolerância da Justiça", alvo da Queixa-Crime rejeitada, descreve as táticas usadas por Bottura nos milhares de processos envolvendo seu nome no Judiciário: pedir gratuidade para litigar, fazer petições iniciais longas e juntar milhares de páginas de documentos, a fim de arrastar os processos, informar o endereço errado de suas vítimas, para que sejam tomadas por revéis, e processar juízes que indeferem seus pedidos. 

Segundo a reportagem da ConJur, a mesma técnica foi aplicada aos 531 processos contra advogados; 30 processos contra desembargadores, dezenas de juízes, oito delegados de Polícia e órgãos como a Corregedoria de Justiça do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul; a Associação Paulista de Magistrados; a Ordem dos Advogados do Brasil; empresas e desafetos. Seu alvo preferido é seu ex-sogro, Adalberto Bueno Netto, a quem acionou 215 vezes. Sua ex-mulher ficou com 76 processos. Já o advogado Fernando Eduardo Serec foi “contemplado” com 198 ações. Só no Supremo Tribunal Federal ele é parte em 66 processos. No STJ, em 99, e no CNJ, é autor de 21 representações. A ConJur foi processada oito vezes por noticiar as aventuras jurídicas de Bottura.

Pesquisas pelo seu nome no acompanhamento processual dos sites de tribunais costumam retornar com a informação de que o número de registros é grande demais para exibição de resultado. Segundo o jornal eletrônico MidiaMaxNews, Bottura enfrenta várias ações penais e inquéritos policiais instaurados sobre prática de crimes de estelionato, contra a honra, extorsão, uso de documento falso, coação no curso do processo, denunciação caluniosa e falsidade ideológica. Ele distribuiu dossiês atacando a honra de suas vítimas, segundo a Polícia Civil.

Em todo Brasil, dizia o site em 2009, existem mais de 900 processos instaurados contra Eduardo Bottura: destacam-se 300 processos em São Paulo, dos quais 100 ações cíveis (danos morais e materiais); 120 ações trabalhistas (de ex-funcionários de suas empresas); 94 protestos de títulos; 33 pendências em âmbito administrativo feitas por terceiros prejudicados por ele; e 12 inquéritos e processos criminais abertos por empresários, ex-sócios e outros prejudicados por suas atitudes.

Do que se sabe, ele já ajuizou mais de mil ações contra pessoas que o contrariaram. Mas ele também é campeão de audiências no polo passivo. Acusado de ter vendido produtos pela internet sem entregar as encomendas, só em São Paulo ele foi processado por 500 lesados.

Na sentença desta quarta, a juíza Maria de Fátima dos Santos Gomes Muniz de Oliveira, da 29ª Vara Criminal de São Paulo, considerou que a notícia veiculada não pode ser caracterizada como crime contra a honra de Bottura, devido ao intuito de informar e não de ofendê-lo. “A manifestação deliberada pelos querelados não traduziram o animus de ofender, mas sim reproduziram matérias já publicadas”, reconheceu.

Além disso, segundo ela, a notícia à qual a ação se refere traz informações que já são de conhecimento público. “A matéria publicada já foi discutida em diversas ações e propaladas de diversas formas, inclusive em sede de queixa crime perante este Juízo, nada havendo de inovador na matéria tratada”, relata a decisão.

Maria de Fátima ressalta a necessidade de proteção à imprensa e à liberdade de expressão, quando não há intenção de macular a imagem pessoal de quem quer que seja, senão a de informar. “A liberdade de expressão, princípio consagrado na Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso IX, é um dos pilares do Estado Democrático de Direito e, no caso concreto, as partes bem entendem o sentido amplo aplicado à denominada crítica jornalística e, dessa forma, a possibilidade da crítica ser realizada de maneira contundente”, esclarece.

“Não vislumbrando dolo para promoção continuada da ação penal, o caso é de aplicação do art. 395 do Código de Processo Penal, seja pela inexistência de dolo, seja pelo exercício regular de direito de informar e criticar”, decidiu. O artigo 395 do CPP justifica a rejeição da queixa quando a denúncia é inepta, não há condições para a ação penal ou falta justa causa para a abertura de processo.

O advogado Alexandre Fidalgo, do escritório Espallargas Gonzalez Sampaio Fidalgo Advogados, que defende a ConJur, destacou a importância de a decisão ter sido dada antes mesmo de qualquer citação. "A ação é tão sem fundamento que a juíza negou liminarmente, rejeitando a denúncia e extinguindo o mérito", afirma.  

Efeito dominó
Também na última semana, o ministro Ricardo Lewandowski, no exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, suspendeu liminarmente sentença que determinava a retirada do site da ConJur do ar, caso diversas notícias não fossem apagadas. Em decisão desta sexta-feira (26/7), o ministro viu indícios de que a determinação de tirar o site do ar ofende princípios da liberdade de imprensa, e por isso deveria ser suspensa. A decisão desta sexta foi tomada durante o plantão judiciário, quando o presidente do STF é responsável por analisar os pedidos de urgência. O relator do caso é o ministro Luís Roberto Barroso.

A sentença, do juiz Victor Kümpel, da 27ª Vara Cível de São Paulo, atendeu a pedido de Bottura. Na notícia pela qual Kümpel havia determinado a retirada da ConJur do ar, Bottura atacou o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), entidade que gerencia e organiza os registros de domínios de sites que terminam com ".br". O pedido de Bottura, atendido pelo juiz Kümpel, é que o NIC.br cancelasse o registro da ConJur e de dezenas de outros sites, como Google, Yahoo, Uol e YouTube. A ConJur é representada no caso também pelo advogado Alexandre Fidalgo.

Na decisão desta sexta, Lewandowski afirma que a sentença de Kümpel “parece ter ofendido” a decisão do Supremo no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 130. Naquela ocasião, o tribunal entendeu que a Lei de Imprensa não foi recepcionada pela Constituição Federal por representar um obstáculo à liberdade de imprensa. “Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes de censura prévia, inclusive a procedente do Poder Judiciário, pena de resvalar para o espaço constitucional da prestidigitação jurídica”, dizia o voto do relator, ministro Ayres Britto — hoje aposentado.

Lewandowski também cita voto do decano do STF, o ministro Celso de Mello, em Reclamação ajuizada pelo blogueiro Paulo Henrique Amorim justamente por afronta à decisão na ADPF 130. Nesse voto, Celso de Mello ensinou que “o exercício da liberdade de imprensa não é uma concessão das autoridades, e sim um direito inalienável do povo”. No mesmo voto, o decano afirmou que o exercício concreto da liberdade de imprensa “assegura ao jornalista o direito de expender crítica, ainda que desfavorável e em tom contundente, contra quaisquer pessoas ou autoridades”.

A correção de rumo promovida pelo ministro Lewandowski tem sido comum no STF. O motivo é o desconhecimento, ou resistência, de muitos julgadores de primeira e segunda instância em relação à doutrina e à jurisprudência do Supremo em matéria de dano moral. Para os ministros do STF, é preciso que haja dolo para configurar o dano moral. Se a reportagem limitou-se a narrar fatos — sem desbordar do direito de crítica — ainda que o texto desagrade o personagem da notícia, não há ofensa. Já a primeira e a segunda instância consideram suficiente que o personagem da notícia se diga ofendido. “Com essa noção, caso Hitler ressuscitasse, ele poderia processar todas as pessoas que atribuíram a ele os fatos dos quais ele foi o autor”, afirma o advogado Fabrício de Oliveira Campos. Em sua especialidade, a penal, Campos de Oliveira explica que, para jornalistas ou não, o delito se configura quando a narrativa ou imputação for falsa.

No último dia 18 de julho, Bottura sofreu nova derrota na Justiça, dessa vez, em processo cível contra a ConJur. O litigante ajuizou Ação Cível por reportagem que informava sobre seu processo pedindo que o NIC.br cancelasse o registro da ConJur e de dezenas de outros sites, como Google, Yahoo, Uol e YouTube, caso as publicações não fossem retiradas. 

A ConJur recebeu a notificação da decisão nesta segunda-feira (29/7). Foi a primeira vez que o site foi notificado do caso, depois que duas instâncias da Justiça ordenaram que o NIC.br retirasse o site do ar sem que os prejudicados fossem ouvidos. Somente no Supremo a liminar do ministro Ricardo Lewandowski suspendeu a determinação. 

Na decisão do dia 18, o juiz Paulo Henrique Ribeiro Garcia, da 1ª Vara Cível do Foro Regional de Pinheiros, em São Paulo, indeferiu antecipação de tutela requerida para que o site publicasse texto de Bottura, que o litigante reputou como resposta à reportagem. No entanto, segundo o juiz, o texto indicado como resposta pelo autor não explica nem se contrapõe aos fatos mencionados na reportagem. "A notícia apenas descreve certos acontecimentos, sendo que alguns são reconhecidos como verdadeiros pelo próprio autor, não havendo, portanto, motivo para a retirada da notícia", afirma o juiz. Garcia dá prazo de 15 dias para a Dublê Editorial — que edita a ConJur — apresentar defesa.

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Clique aqui para ler a decisão da juíza Maria de Fátima dos Santos Gomes Muniz de Oliveira.
Clique aqui para ler a decisão do juiz Paulo
 Henrique Ribeiro Garcia.

Processo 0063354-92.2013.8.26.0050
Processo 0011384-73.2013.8.26.0011

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