Demora em julgar

Concessões petrolíferas tornaram-se balcão de negócios

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25 de julho de 2013, 11h24

Com o marco regulatório da indústria de petróleo, através da Lei 9.478, de 1997 (Lei do Petróleo), a transferência de concessões petrolíferas tornou-se uma prática muito comum. O artigo 29 do dispositivo legal permitiu “a transferência do contrato de concessão, preservando-se seu objeto e as condições contratuais, desde que o novo concessionário atenda aos requisitos técnicos, econômicos e jurídicos estabelecidos pela ANP, conforme o previsto no  artigo 25”. E ainda, no parágrafo único do referido artigo, estabeleceu, também, que a transferência do contrato somente poderá ocorrer mediante prévia e expressa autorização da ANP.

Assim, é comum manchetes sobre a alienação dos contratos de concessão para exploração petrolífera (de participação, de ativos ou de operação). Não é raro constatar que as empresas petrolíferas que vencem os certames e depois alienam a concessão para outras empresas, em alguns casos até mesmo para a Petrobras. Ao verificar, como exemplo, a situação das 14 empresas vencedoras da Primeira Rodada de Licitações promovida pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), constatamos que somente duas permanecem titulares da concessão até hoje.

A negociação de concessões não se restringe somente à indústria do petróleo, outras concessões de âmbito federal, estadual e municipal, e outros setores, também praticam esta modalidade. Atualmente, encontramos diversas concessionárias que assinam contrato com o Poder Concedente, sem ao menos terem participado de processo licitatório. 

Para melhor entender esta situação, comecemos analisando o artigo 175 da Constituição Federal, que incumbiu o “Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”. Além de estabelece o regime das empresas concessionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão, através de lei. 

Com a regulamentação da matéria através da Lei 8.987, de 1995 (Lei de Concessões), ficou estabelecido que a “concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado;” (artigo 2º, II da Lei 8987/95).

No  artigo26 da Lei de Concessões, estabeleceu-se que a outorga de subconcessão “… será sempre precedida de concorrência.”. Além da expressa autorização do Poder Concedente. Mas, o legislador quando trata da transferência da concessão, prevista no  artigo 27, estabelece a necessidade de apenas uma prévia anuência do Poder Concedente. 

Portanto, fica patente a inversão de valores, pois verifica-se o rigidez legal para os casos de subconcessão e o abrandamento para os casos de transferência de concessão. 

Em 2003, o procurador-geral da República ajuizou, perante o Supremo Tribunal Federal, a Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.946, questionando a constitucionalidade do artigo 27 da Lei 8.987, de 1995, visto que este contraria o disposto no artigo 175 da Constituição Federal. 

Na peça preambular, o procurador-geral da República cita o jurista Doutor Celso Antonio Bandeira de Mello (opcit Curso de Direito Administrativo – 10ª Edição – Pág,471), que diz o seguinte: “A concessão depende de licitação – ate mesmo até mesmo por imposição constitucional – e como o que está em causa, ademais, é um serviço público, não se compreenderia que o concessionário pudesse repassá-la a outrem, com ou sem a concordância da Administração. Com efeito, quem venceu o certame foi o concessionário, e não um terceiro – sujeito, este, pois, que, de direito, não se credenciou, ao cabo de disputa aberta com quaisquer interessados, ao exercício da atividade em pauta. Logo, admitir a transferência da concessão seria uma burla ao princípio licitatório, enfaticamente consagrado na Lei Magna em tema de concessão, e feriria o princípio da isonomia, igualmente encarecido na Constituição”.  

Nos referidos autos do ADI, a Advocacia-Geral da União alega em sua manifestação  que, “no caso em apreço, observa-se uma aparente colisão entre dois princípios constitucionais, quais sejam, o da obrigatoriedade da licitação e o da continuidade da prestação dos serviços públicos. Para solucionar esta aparente colisão, deve-se não somente aplicar um princípio em detrimento do outro, mas, sim, compatibilizá-los de forma com que os dois sejam atendidos”. 

E ainda, conclui que: “Desta forma, a solução mais adequada é a que entende que a obrigatoriedade do procedimento licitatório restou satisfeita quando da realização do certame, e posterior celebração do contrato de concessão de serviço público com o licitante vencedor, e, por outro lado, a continuidade da prestação de serviço restou atendida quando se estabeleceu que eventual cessão daquele contrato de concessão celebrado anteriormente com o licitante vencedor possa ocorrer se preenchidos os requisitos previamente estabelecidos, e desde de que o contrato cumprido com todas as cláusulas anteriormente acordadas.”.

A ADI 2.946, de 29 de julho de 2003, vem se arrastando pelo tempo sem que haja decisão. Mas, enquanto isso, nas entrelinhas da Lei 11.196/2005, que trata da matéria de âmbito tributário, tais como Regime Especial de Tributação para a Plataforma de Exportação de Serviços de Tecnologia da Informação – REPES; Regime Especial de Aquisição de Bens de Capital para Empresas Exportadoras – RECAP; Programa de Inclusão Digital; incentivos fiscais para a inovação tecnológica; entre outros assuntos, foi incluído um artigo, o 119, que altera a redação do artigo 27 da Lei de Concessões. 

O caput do artigo 27 da Lei de Concessões, ficou inalterado o que dispõe sobre a caducidade da concessão, caso haja a transferência de concessão ou do controle societário da concessionária sem prévia anuência do poder concedente. Porém foi incluída até a figura do “Pretendente”, e ainda, impõem obrigação a este, tais como: (a) atender às exigências de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal necessárias à assunção do serviço; e (b) comprometer-se a cumprir todas as cláusulas do contrato em vigor.

Nestes dez anos de dormência da ADI 2.946, a tese da AGU predomina, e, deste modo, diversas concessões petrolíferas foram (e estão sendo) transferidas com fundamento no princípio da continuidade da prestação dos serviços públicos.

Ora, o artigo 27 da Lei de Concessões é inconstitucional, tanto para o serviço público de exploração de petróleo e gás como para os serviços públicos essenciais, elencados estes na Lei 7.783, de 1989. No mesmo sentido, o Doutor Toshio Mukai em sua obra Concessões, Permissões e Privatizações de Serviços Públicos  conclui que: “Não resta dúvida de que o  artigo 27 e seu parágrafo único são inconstitucionais, na medida em que possibilitam a burla ao princípio da licitação, com a consequente infração ao  artigo 175 da Constituição”. 

Portanto, enquanto não for julgado a ADI 2.946 permaneceremos assistindo como o mercado das concessões petrolíferas transformou-se num verdadeiro balcão de negócios.

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