Autoridade questionável

Poderes de comissão antivandalismo no RJ são ilegais

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23 de julho de 2013, 18h20

Preocupado com as manifestações populares que tomam as ruas da capital, o governo do Rio de Janeiro aposta em medidas inconstitucionais para contê-las. O Diário Oficial do estado publicou na segunda-feira (22/7) decreto que cria a Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas (Ceiv). Especialistas ouvidos pela revista Consultor Jurídico são unânimes em afirmar que os poderes atribuídos ao novo grupo afrontam diretamente direitos e garantias constitucionais.

Apelidada de "DOI-Codi do governo Sérgio Cabral", a comissão será integrada por membros da Secretaria de Segurança Pública, Ministério Público, Polícia Civil e Polícia Militar. Cada órgão pode indicar quantos representantes quiser. Entre seus poderes estão “tomar todas as providências necessárias” para a investigação de atos de vandalismo, inclusive praticar "quaisquer atos necessários à instrução de procedimentos criminais com a finalidade de punição de atos ilícitos" praticados durante as manifestações.

O decreto também estabelece que as solicitações e determinações da Ceiv a outros órgãos da administração têm "prioridade absoluta", mesmo em relação a suas atribuições legais. O membro do Ministério Público presidirá a comissão.

A comissão também tem poderes sobre as operadoras de telecomunicações e provedores de acesso à internet. As empresas, pelo que diz o decreto, têm 24 horas para atender aos pedidos da Ceiv.

Para a advogada Ana Paula de Barcellos, professora de Direito Constitucional da Uerj, o decreto determina a violação do sigilo telefônico e de dados, o que depende de autorização judicial. “O Estado não pode requisitar dados telefônicos ou de e-mails, protegidos por sigilo, via decreto. A quebra de sigilo telefônico e de dados/e-mails continua a depender de decisão judicial, nos termos da Constituição e da legislação, como acontece na investigação de qualquer outro ato criminoso”

A professora diz que o governador pode expedir ordens aos órgãos da administração pública estadual (polícias e secretaria de segurança), mas não para o Ministério Público, que tem autonomia. “E entidades privadas só podem ser obrigadas a fazer alguma coisa se houver fundamento legal para a determinação”, ressalta.

Na avaliação do criminalista Luis Guilherme Vieira, o governador “errou e errou feio” com o Decreto. “Esses dados são sigilosos e só podem ser requeridos por ordem judicial. Nem o MP pode requerer esses dados tampouco a Polícia, muito menos uma comissão criada pelo governador do estado”, afirma.

Segundo ele, a comissão “usurpa a competência” da autoridade policial. “Se quer investigar crimes cometidos nas manifestações, instaure inquérito policial para tal. Autoridade policial tem todos os poderes para apurar o crime”, defende.

Em nota, o SindiTelebrasil, o sindicato nacional de empresas de telecomunicações, reitera que toda quebra de sigilo deve ter autorização judicial e que estão impedidas de atender scolicitações por decreto. A entidade diz ainda que cabe apenas à União legislar sobre o setor.

O advogado Wadih Damous, conselheiro federal da OAB e ex-presidente da seccional do Rio de Janeiro da autarquia, também é veemente em sua crítica. Para ele, o decreto confronta diretamente a Constituição". "O governador usa de órgãos ordinários da administração para criar um órgão de exceção. Poder de investigação tem a polícia e o Ministério Público, e não outro órgão que se crie por decreto", declarou.

Wadih também se preocupa com a previsão de que as empresas de telefonia e de internet devem atender às solicitações da Ceiv em 24 horas. Para o ex-presidente da OAB-RJ, "está implícito" no decreto que as companhias "devem repassar ao governo informações que dizem respeito à intimidade das pessoas". E isso, continua o advogado, "só pode ser feito com justo motivo e autorização judicial".

Procurada pela ConJur, a Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro disse que ainda não tem posicionamento a respeito do tema. A entidade informou que a Comissão de Estudos em Direito Penal foi incumbida de fazer um parecer sobre o decreto. Só deopis da análise do documento é que a OAB vai se pronunciar.

O governo do Rio de Janeiro não se pronunciou até a publicação desta reportagem.

*Noticia atualizada às 19h30 desta terça-feira (23/7) para acréscimo de informações.

Clique aqui para ler o Decreto 44.302/2013.

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