Encontro de contas

Fisco deve atualizar valores de pedidos de ressarcimento

Autor

  • Odassi Guerzoni Filho

    é sócio do Guerzoni Advogados ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) ex-delegado da Receita Federal e ex-auditor fiscal da Receita Federal.

23 de julho de 2013, 11h02

Recente decisão unânime da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, proferida na apreciação dos Embargos de Divergência em Agravo 1.220.942 , reconheceu o direito de atualização monetária dos créditos de IPI e de Pis e Cofins postulados em Pedidos de Ressarcimento (Per) ou indicados em Declarações de Compensação (Dcomp), quando tiver havido uma demora do Fisco na sua apreciação, o que caracterizaria uma forma de resistência ilegítima. 

O voto condutor buscou “espancar de vez as dúvidas a respeito” da correta aplicação do enunciado da Súmula 411 do STJ  quando se está diante de mora da Fazenda na apreciação dos pedidos administrativos de ressarcimento de créditos em dinheiro ou ressarcimento mediante compensação com outros tributos. 

E, para a revisão de posicionamento admitida nesse voto, foram fixadas algumas premissas, como a de que a demora do Fisco na apreciação de um pedido de ressarcimento é caracterizada já no mês do protocolo do pedido. Tanto assim que considerou ser devida a atualização monetária a partir dessa data. Além disso, que essa mora do Fisco seria suficiente para caracterizar a chamada resistência ilegítima a que alude o enunciado da Súmula acima referenciada.

Estabeleceu distinção entre o crédito escritural e o crédito objeto de pedido de ressarcimento, pois, a ver do relator, pelo primeiro, deve ser entendido apenas aquele “crédito de um determinado tributo recebido em dado período de apuração e utilizado para abatimento desse mesmo tributo em outro período de apuração dentro da escrita fiscal”. Essa sistemática denominou de sistemática ordinária de aproveitamento.

Paralelamente, definiu como sendo o crédito objeto de pedido de ressarcimento aquele “crédito de determinado tributo recebido em dado período de apuração utilizado fora da escrita fiscal mediante pedido de ressarcimento em dinheiro ou compensação com outros tributos”. Essa sistemática denominou de sistemática extraordinária de aproveitamento.

Para a sistemática ordinária de aproveitamento, o relator ratificou entendimento já sedimentado no STJ no sentido de que não há que se falar em correção monetária do crédito escritural porque também não há que se falar em correção monetária do valor do tributo a ser abatido na saída, já que o encontro entre crédito e débito ocorre na escrita fiscal antes mesmo do vencimento deste último, o que exclui a incidência da taxa Selic sobre o valor abatido.

De outra parte, para a sistemática extraordinária de aproveitamento, o voto em questão foi bem claro no sentido de que, em se caracterizando a mora do Fisco na apreciação do direito ao crédito postulado (e, para isso, assim entendeu a Turma que basta que a manifestação fiscal não tenha se dado imediatamente), haverá que o ressarcimento ser acrescido de atualização monetária (taxa Selic), mesmo nos casos em que o Pedido de Ressarcimento estiver vinculado a uma Declaração de Compensação (Dcomp).

E é em relação a esse alargamento ou a essa extensão do direito de se proceder a atualização monetária também para os pedidos de ressarcimento vinculados a uma compensação que, respeitosamente, estou em desacordo, visto que, se assim for, haverá um desequilíbrio no encontro de contas regido pelos parágrafos do artigo 74 da Lei 9.430, de 27 de dezembro de 1996, a, chamemos de “compensação ordinária”.

Ora, não se pode, como disse o STJ, para fins de se estabelecer o cabimento ou não de atualização monetária no valor do ressarcimento, colocar no mesmo patamar as regras de operacionalização de um Pedido de Ressarcimento (em dinheiro) e as de um Pedido de Ressarcimento vinculado a uma Declaração de Compensação. E isso por uma razão muito simples: o encontro de contas postulado pelo sujeito passivo se dá na data em que ele próprio assim estabelece. Ou seja, quando formaliza a entrega de seu Per/Dcomp, de sorte que, caso haja uma “resistência ilegítima” por parte do Fisco, caracterizada pela demora na apreciação do crédito colocado sob o seu crivo, nenhum prejuízo financeiro lhe terá sido causado; sua declaração de compensação será homologada expressamente, tendo o débito sido considerado quitado, pelo seu valor original, na data em que fora protocolado o Per/Dcomp. É o que preceitua o parágrafo 2º do artigo 74 da Lei 9.430/96.

Por isso é que haverá desequilíbrio nessa modalidade específica de compensação caso se adote o entendimento da presente decisão do STJ, ou seja, a Fazenda é que sofrerá os efeitos da “lógica perversa” a que aludiu o Ministro relator em seu voto, pois o encontro de contas será realizado entre um débito no seu valor original e um crédito no seu valor corrigido pela taxa Selic.

A origem do equívoco que insisto em apontar naquela decisão reside no fato de o caso em concreto tratava de outra modalidade de compensação, qual seja, aquela prevista pelo artigo 7º do DL 2.287, de 23 de julho de 1986, a chamada compensação de ofício, cuja operacionalização difere sobremaneira da compensação de iniciativa do contribuinte, prevista nos parágrafos do artigo 74, da Lei 9.430/96, que envolve o Per/Dcomp.

Sim, pois, conforme se verifica na leitura do voto condutor, resta claro que os pedidos de ressarcimento: a) trataram de saldos credores dos períodos de apuração compreendidos entre julho de 1991 e novembro de 1993; b) que esses pedidos foram protocolizados entre outubro de 1992 e janeiro de 1994; e, o mais importante, c) que os ressarcimentos foram efetuados pelo Fisco entre as datas de fevereiro de 1993 e janeiro de 1994 [sem qualquer atualização monetária], época em que a única forma regulamentada de aproveitamento de créditos do contribuinte na quitação de seus débitos perante o Fisco era a mencionada “compensação de oficio”, preceituada pelo referido artigo 7º do Decreto-lei nº 2.287, de 1986 . 

Observe-se então que na época em que o contribuinte teve o seu crédito reconhecido [1993 e 1994] a iniciativa do procedimento da compensação era exclusividade do Fisco [daí a denominação “compensação de ofício”], e tinha como pressuposto o entendimento de que não se deveria devolver nenhum valor a quem estive em débito para com os cofres públicos, sem que se fizesse antes um “encontro de contas”, cujas condições eram previamente propostas ao interessado para, somente após o seu consentimento, ser implementado. 

Então, o que ocorreu no caso analisado pela Corte? 

Antes de devolver o dinheiro ao contribuinte, apurou-se débitos em aberto, os quais, por óbvio, encontravam-se vencidos, e a eles acresceu-se os encargos legais devidos (multa de mora e atualização monetária); tudo conforme mandava o artigo 7º e seu parágrafo 1º acima transcrito.

O contribuinte, por sua vez, ao receber a manifestação do Fisco, primeiro, comunicando-o do reconhecimento de seu crédito (sem atualização monetária, não obstante a demora de um ano ou pouco mais); segundo, informando-o da existência de débitos vencidos (atualizados monetariamente e acrescidos de multa de mora); e, por fim, conclamando-o a se manifestar sobre o “encontro de contas” a ser realizado de oficio, não se conformou e recorreu ao Poder Judiciário.

Foi essa situação que causou indignação ao Ministro relator, o que levou-a a denominar de “lógica perversa” em prejuízo do contribuinte já que o valor do débito fora atualizado e o valor do crédito não. E, imaginando que essa situação também ocorreria nas compensações de iniciativa do contribuinte, as ditas compensações ordinárias, considerou que também nesses casos deveria haver a atualização monetária do crédito indicado no Per/Dcomp.

Ora, está dito no parágrafo 2º do artigo 74 da Lei 9.430/96, que “A compensação declarada à Secretaria da Receita Federal extingue o crédito tributário, sob condição resolutória de sua ulterior homologação”, de sorte que, ainda que o reconhecimento da validade do pedido de ressarcimento se dê com mora do Fisco, a homologação da compensação se consumará na data em que protocolado o Per/Dcomp. Vale dizer: se o crédito for ataualizado, conforme preceitua a decisão do STJ, os efeitos danosos da tal “lógica perversa” se voltarão contra a Fazenda, já que, do encontro de contas originalmente pretendido pelo contribuinte, onde o crédito oferecido era igual ao débito a ser quitado, restará uma compensação onde o crédito será maior que o débito, sugerindo que o Fisco, ao final das contas, figure como devedor. 

Desta forma, a prevalecer o entendimento extensivo do STJ [atualização monetária dos pedidos de ressarcimento quando tiver havido a resistência ilegítima do Fisco, mesmo quando esses pedidos estiverem vinculados a uma Declaração de Compensação], o contribuinte enquadrado nessa situação ver-se-á no direito de formular um pedido complementar de ressarcimento no valor da referida atualização monetária, o que, com todas as vênias, mostra-se em desacordo com a lei.

Concluindo, creio estar correto o entendimento do STJ ao obrigar o Fisco a atualizar os valores dos pedidos de ressarcimento quando tiver incorrido em mora ao reconhecer referido crédito nos casos de pedido de ressarcimento em dinheiro e nos de compensação de oficio. Porém, em desacordo com as regras de compensação quando o pedido de ressarcimento estiver vinculado à sistemática de encontro de contas prevista pelos parágrafos do artigo 74 da Lei 9.430/96.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!