Solução extrajudicial

Juizados podem homologar acordos na área de família

Autor

  • Andre Luis Alves de Melo

    é promotor em Minas Gerais doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP mestre em Direito pela Unifran e associado do Movimento do Ministério Público Democrático.

22 de julho de 2013, 15h32

O momento atual segue no sentido de tentar obter a valorização da conciliação como solução de conflitos. Contudo, faz-se importante incluir neste discurso a implantação do Juizado Especial da Família. Ocorre que tanto a conciliação como o Juizado Especial sofrem resistência enérgica, embora silenciosa, notadamente na área de direito de famílias, oriunda de setores corporativos do meio jurídico.

Contudo, enquanto não são implantados os Juizados Especiais da Família, é de destacar que o artigo 57 da Lei 9.099/1995 permite que os Juizados Especiais Cíveis homologuem acordos de divórcio, alimentos e guarda (embora guarda nem seja tecnicamente ação de estado, a maioria a exclui do julgamento do Juizado Especial).

Nesse sentido, transcreve-se o texto do artigo 57 da Lei 9.099/1995:

Art. 57. O acordo extrajudicial, de qualquer natureza ou valor, poderá ser homologado, no juízo competente, independentemente de termo, valendo a sentença como título executivo judicial. (grifo nosso)

Parágrafo único. Valerá como título extrajudicial o acordo celebrado pelas partes, por instrumento escrito, referendado pelo órgão competente do Ministério Público.

A vedação no artigo 3º, parágrafo 2º, da Lei 9.099/1995 de excluir da competência do Juizado as ações de Estado (o que não inclui as ações de guarda) não se aplica à homologação de acordos. Oportuno citar o teor do artigo:

Art. 3º

§ 2º Ficam excluídas da competência do Juizado Especial as causas de natureza alimentar, falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública, e também as relativas a acidentes de trabalho, a resíduos e ao estado e capacidade das pessoas, ainda que de cunho patrimonial.

Ressalta-se ainda a inconstitucionalidade dessa exclusão legal, conforme expresso no artigo 57 da Lei 9.099/1995. Aliás, nem poderia ter excluído as ações de Estado quando de menor complexidade, mas em razão de lobby corporativista, ocorreu. Porém, a Constituição Federal fala em causa de menor complexidade. Logo, se o divórcio, mesmo que litigioso, for de menor complexidade, não poderia ter sido excluído do Juizado Especial.

O acesso ao Judiciário tem sido dificultado por interesses corporativistas. De um lado alguns não querem mais serviço, de outro setores jurídicos ojerizam o Juizado Especial. E nesse meio poucos cidadãos conseguem informação sobre esta possibilidade, e quando conseguem, são impedidos de protocolarem os pedidos pelos servidores da atermação, os quais alegam “orientações verbais superiores” e que não podem ser questionadas.

As resistências ao Juizado Especial decorrem do fato de que reduziu burocracia, logo reduziu poder de alguns atores tradicionais. Além disso, desvirtuaram a finalidade do Juizado Especial que era destinado às pessoas físicas como autoras e atualmente tornou uma espécie de Serasa judicial de cobranças ajuizadas por empresas como MEs e EPPs, além das empresas de fato.

Soma-se a isso uma interpretação equivocada de que no Juizado Especial não se paga despesas e taxas, pois confundem estes com custas. O artigo 55 é claro ao definir que na sentença em primeira instância não se paga apenas custas. Ademais, o artigo 54 da Lei 9.099/1995 dispensa custas, taxas e despesas apenas para ajuizar ação e não na sentença, esta apenas exclui as custas (art. 55 da Lei 9.099/95).

A rigor, não há uma definição legal sobre o que seriam “ações de Estado”, o que fica a cargo da doutrina e sem aprofundamentos teóricos, o que acaba sedimentando em mitos e dogmas.

Outros dizem que a matéria de Direito de Família iria assoberbar os Juizados, mas ninguém reclama do excesso de cobranças de notinhas de dívida no Juizado. O Juizado virou balcão de cobrança, mas aplicando o artigo 57 pode retornar a ter o seu papel social e na área de família. Ademais, homologar acordos já elaborados pelas partes ou pelo setor de conciliação não consuma tempo exagerado.

Também bastaria cumprir a legislação e nomear mais conciliadores e juízes leigos para auxiliarem neste trabalho.

Em tese, o próprio MP poderia pedir a homologação de acordos de divórcio,alimentos e guarda. Inclusive quando se fala em homologar o acordo extrajudicial nada impede que se faça a audiência de conciliação no juizado, o que se impede é sentença em caso de demanda litigiosa.

No tocante ao termo “competência judicial” refere-se ao ato de julgar, o que implica em instrução, loco não estão vedadas as homologações e as conciliações, conforme expresso no já citado artigo 57 da Lei 9.099/1995 e no artigo 98, inciso II, da Constituição Federal, cujo teor reproduz-se:

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos,competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau.

Afinal, se é possível aos cartórios extrajudiciais homologarem divórcio consensual, nada impede que o Juizado Especial também o faça. E em SP até mesmo acordos em alimentos estão sendo homologados pelos cartórios.

Não é crível imaginar que todo divórcio ou toda ação de alimentos é de maior complexidade, principalmente se consensual.

Em tese, no Juizado Especial poderia ser homologado acordos até mesmo envolvendo interesse de incapazes, desde que haja prévia manifestação do MP. Caso contrário, em tese, não haveria necessidade de atuação ministerial.

Com relação à figura do advogado prevalece a facultatividade da assistência jurídica, se o valor do pedido de homologação for inferior a 20 salários mínimos e a obrigatoriedade se a causa for superior a 20 salários mínimos, embora seja recomendável a parte estar assistida por advogado.

Importante ressaltar que geralmente as pessoas contratam um advogado, independente do valor do pedido, do acordo ou do objeto, sendo constatado em pesquisa que 80% das pessoas ingressam por meio de advogado no Juizado Especial Federal e mais de 50% dos advogados brasileiros atuam na área trabalhista, nestas áreas a contratação de advogado é facultativa, mas não tem gerado problemas para a advocacia, logo melhor seria a OAB divulgar na mídia de massa (TV e rádio) a importância da contratação de um advogado, em vez de apenas cartazes, do que simplesmente pleitear leis obrigando a contratação.

Por fim, com a aplicação do artigo 57 da Lei 9.099/1995 ocorreria a revolução do acesso ao Judiciário, sem necessidade de ativismo judicial, pois divórcios consensuais, dissoluções de união estável, alimentos consensuais, guardas consensuais poderiam ser homologadas no Juizado com base no artigo 57 da Lei 9.099/1995, ou até mesmo realização de audiências de conciliação, ainda que tenha incapazes e neste caso bastaria a manifestação prévia do MP que atua no Juizado Especial.

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