Segunda Leitura

Polêmica sobre a criação dos novos TRFs prossegue

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

21 de julho de 2013, 8h00

Spacca
O Projeto de Emenda Constitucional 544/2013, que criou quatro novos Tribunais Regionais Federais, objeto de anteprojeto de lei do Conselho da Justiça Federal, foi suspenso no último dia 17 de julho por decisão liminar do ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal, quando sua excelência se achava no exercício do plantão por encontrarem-se os demais ministros da Corte em gozo de férias coletivas.

A suspensão, dada em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta pela Associação Nacional de Procuradores Federais (Anpaf), suscitou o inconformismo da Associação dos Juízes Federais do Brasil, da Ordem dos Advogados do Brasil e de membros do Poder Legislativo.

É que  o presidente do STF já havia exteriorizado sua posição pessoal contra os TRFs, posição tornada pública em 8 de abril. Nesta coluna se fará a análise do tema sob um único e exclusivo foco: pode o magistrado que antecipou sua opinião sobre determinada matéria, decidir o conflito quando ela lhe é submetida em ação judicial?

Portanto, fique bem claro que aqui não serão discutidos os demais aspectos que geram debates, entre eles o quanto se gastaria com os novos TRFs, a legitimidade da Anpaf para propor ADI, a oportunidade, necessidade e localização dos novos TRFs, a possibilidade de se criarem turmas regionais,  enfim tudo o mais que se relacione com o assunto.

Repito: o foco aqui é única e exclusivamente sobre um aspecto de grande relevância, ou seja, se o juiz pode exteriorizar seu pensamento antes de proferir decisão. E, caso o faça, se torna-se ou não suspeito para o exame da causa. Vejamos as normas sobre a matéria.

As Ordenações Filipinas, que foram a base da legislação civil e processual do Brasil de 1603 a 1916 quando entrou em vigor o Código Civil, tratou no Capítulo III, Título XXI, “Das Suspeições postas aos Julgadores”. Nele não se vê qualquer referência à hipótese de ser o juiz suspeito por adiantar sua posição sobre o caso.

Proclamada  a República, os estados passaram a editar seus Códigos de Processo Civil. Só em 1939, tempos de Estado Novo, foi promulgado um CPC com vigência em todo o território nacional. E assim ele dispunha: “Art. 185. Considerar-se-á fundada a suspeita de parcialidade do juiz quando: III – particularmente interessado na decisão da causa”.

Aquele Código ditou as regras do processo civil até 1973, quando o chamado “Código Buzaid”, assim tratou a matéria: “Art. 135. Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando: V – interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes”.

Em 1979 a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, LC 37/1979, dispôs que: “Art. 36 – É vedado ao magistrado: III – manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério”.

Como se vê, as Ordenações foram omissas e os Códigos de Processo Civil falam, genericamente, em juiz interessado na decisão da causa. Já a LC 37/79 veda manifestação “sobre processo pendente de julgamento”.

O motivo da proibição imposta aos magistrados é manter a imparcialidade do juiz, atributo primeiro e do qual dependem todos os outros. A imparcialidade é  o que mais espera  quem tem uma causa em juízo. Tal conclusão não reclama consulta aos grandes hermeneutas. Basta conversar com a primeira pessoa que encontrarmos ao acaso.

O julgador não só deve ser imparcial, isento e distante das partes, como deve parecer imparcial, isento e distante das partes. Tal qual Pompéia, mulher de Cesar, que teria sido assediada por Clódio nas ausências prolongadas do marido e que acabou sendo, por ele, repudiada só por terem suspeitado de sua fidelidade.

É por isso que o juiz só pode ser professor universitário e em uma só faculdade (Constituição Federal, artigo 95, parágrafo único, inciso I). Nada mais. Juiz não pode ser presidente de federação de futebol, dono de curso preparatório para concurso, membro de comissão criada no Executivo ou Legislativo, mesmo que tenha os mais nobres objetivos (v.g., tratar de assuntos ligados à Segurança Pública).

Alguns países são ainda mais rigorosos no trato do assunto. Nos Estados Unidos, é proibido ao juiz federal ser professor. Na Índia, não pode estar inscrito no Facebook. No Peru, não deve ter cartão de visitas e, se o tiver, no verso deverá estar inscrito que não presta qualquer serviço particular. Tudo isso é para preservar quem julga e evitar que se torne vulnerável a críticas, suspeito de parcialidade.

É óbvio que um bom escritório de advocacia sempre tentará saber qual a orientação política, as preocupações sociais e o perfil psicológico do juiz que vai decidir a causa. E, para tanto, se valerá de todas informações possíveis, desde consulta ao Google até informações de quem gozar de sua privacidade. Isso está dentro da normalidade.

O problema surge quando a opinião for externada pelo magistrado sem freios. Por exemplo, por decisões emocionais nos processos, declarações à mídia ou artigos apaixonados — juiz, ao escrever, deve ser técnico. Neste caso,  será conhecida, de antemão, sua posição. E daí a imparcialidade poderá ser posta em dúvida.

Em casos extremos pode haver até a busca de um juiz parcial. Por exemplo, o CNJ decidiu casos em que liminares eram concedidas no plantão de fim de semana para levantamento de vultuosas quantias depositadas em estabelecimentos bancários. Fraude flagrante ao princípio do juiz natural.

Este é um dos problemas mais complexos nas corregedorias. A conclusão é sempre difícil, pois há uma zona cinzenta que medeia uma decisão parcial e uma dada por absoluta convicção pessoal, mesmo que destoante da jurisprudência.

No atual estágio de evolução do nosso sistema judicial, há que se prestigiar a regra cautelosa da LC 37/1979, que veda ao juiz emitir opinião sobre o caso concreto. Neste sentido é a lição de Antonio Carlos Marcato, que afirma categoricamente não ser taxativo o artigo 135 do CPC (Código de Processo Civil Interpretado, 2ª edição, Atlas, 2005, página 414). E, como é evidente, pouco importa se a opinião foi dada antes ou durante a tramitação do processo.

Aliás, o Código de Ética da Magistratura Nacional, editado pelo Conselho Nacional de Justiça de 6 de agosto de 2008, no artigo 12 recomenda aos magistrados “abster-se de emitir opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem”. Esta referência se faz a título de ilustração, registrando-se que os ministros do STF não estão sujeitos ao referido Código.

Encaminhando a conclusão, penso que, em termos gerais,  uma manifestação prévia a uma decisão, desde que explícita e não em tese (v.g., manifestada em livro), gera a suspeição do magistrado, mesmo não sendo expresso a respeito o CPC. É que ao externar publicamente o que pensa, o magistrado gera fundada suspeição de parcialidade, como mencionado no caput do artigo 135 do CPC.

Nem se diga que a norma  não deve ser aplicada a ações originárias que versam sobre direitos coletivos ou que as regras de suspeição devem ser interpretadas de forma restritiva, como afirmado pelo Superior Tribunal de Justiça (Ag. Reg. no AI 520.160, 4ª. Turma, j, 21/10/2004). Com a devida vênia, a espécie reclama rigor e abrangência maior em interpretação histórico-evolutiva. Hoje, mais do que nunca, do Judiciário exige-se absoluta e evidente imparcialidade.

De resto, resta apenas lembrar a máxima forense que dizia: “juiz só fala debaixo da conclusão”. Era uma recomendação salutar aos juízes para que só falassem sobre os casos a serem julgados nos autos do processo e não em conversas particulares, entrevistas ou artigos. Seria bom revigorá-la.

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