Ideias do Milênio

Israel precisa construir instituições civis da paz

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19 de julho de 2013, 8h01

Entrevista concedida pelo jornalista norte-americano Patrick Tyler ao jornalista Luís Fernando Silva Pinto, para o programa Milênio, da Globo News. O Milênio é um programa de entrevistas, que vai ao ar pelo canal de televisão por assinatura Globo News às 23h30 de segunda-feira, com repetições às 3h30, 11h30 e 17h30. 

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Em mais de seis décadas de existência, Israel conseguiu deixar de ser um país agrário para se tornar um exportador de alta tecnologia, com alto padrão de vida. Mas isso teve um preço também alto. Uma história marcada por guerras, uma política externa militarizada e uma relação conturbada e violenta com os palestinos. Recentemente, os ministros mais conservadores do governo de Benjamin Netanyahu declararam que já não concordam com a criação de um estado palestino e disseram que tentarão que isso aconteça. Até hoje, Israel não deixou de lado os muros que demarcam o território e reforçam a imagem de uma fortaleza às margens do Mar Morto. As pesquisas do autor Patrick Tyler começaram com uma pergunta: a paz naquela região é possível? E a investigação o levou aos bastidores dessa fortaleza. Tyler tentou entender as forças que movem esse país que está no centro das tensões do Oriente Médio. Veterano jornalista do Washington Post e do New York Times, ele, como tantos que cobriram eventos em Israel, se acostumou a observar posturas radicais de muitos israelenses com a mesma facilidade que se apaixonou pelo caleidoscópio de raças,culturas e religiões da Terra Santa, um ingrediente poderoso de conflito, mas potencialmente mais poderoso ainda de entendimento.

Luís Fernando Silva Pinto — A premissa do seu livro — corrija-me se estiver errado — é a de que Israel é, intrinsecamente, um país que não pode fugir de um enquadramento mental militar ou militarista, sendo, portanto, um prisioneiro de si mesmo. Isso está correto?
Patrick Tyler — Acho que nos grandes ataques da História, é possível falar de um país preso em uma construção política que surgiu porque líderes poderosos, quando o Estado foi criado, fizeram escolhas fundamentais e profundas sobre como iriam organizar o país. Pense em Esparta e Atenas, na democracia e na sociedade militarizada. São modos de pensar criados pela percepção da ameaça, pela influência dos líderes e dos militares. Israel não é diferente, nesse sentido. É um país que foi construído por um grupo de homens poderosos que faziam parte do comando militar, da liderança militar. Era a única coisa que existia entre os cidadãos e a ameaça. Eles estavam ali, na fronteira, e, por isso, se tornaram uma instituição dominante e preeminente no país.

Luís Fernando Silva Pinto — E a ação era levar a guerra para fora, para outro lugar, conquistar territórios, garantir territórios.
Patrick Tyler — Se possível.

Luís Fernando Silva Pinto — Então é isso? Essa é a lógica?
Patrick Tyler — Na construção do Estado, surgiram os princípios de como ele funcionaria como uma sociedade militarizada e um dos princípios era: se houver guerra, é preciso transferi-la rapidamente para o território de outro país, ou seus centros populacionais, seus locais pequenos e isolados estariam ameaçados. Também é preciso identificar quais são seus objetivos principais. Para David Ben-Gurion e os fundadores de Israel, o objetivos principal era construir o sonho sionista, um Estado judeu, que fosse lar de até 10 milhões de judeus no longo prazo. E para fazer isso, eles precisariam de todos os recursos aquíferos, agrícolas, minerais e aéreos de que pudessem dispor. Portanto havia uma ambição inerente àqueles primeiros líderes. “Nós precisamos de mais terra. Teremos rodadas de guerras.” A primeira rodada foi em 1948, mas logo haveria outra.

Luís Fernando Silva Pinto — Em suma, o que você está dizendo é que a delimitação do território de Israel, em 1948, na cabeça deles, já não bastava.
Patrick Tyler — Não. Era um Estado de armistício transitório. Um armistício não é um tratado, é um cessar-fogo acordado segundo alguns termos e condições. David Ben-Gurion e Moshe Dayan, os primeiros generais, gostavam de pensar em termos de primeira rodada, segunda rodada, terceira rodada. E eles estavam de olho nos ricos recursos agrícolas das Colinas de Golã, nas nascentes do Rio Jordão…

Luís Fernando Silva Pinto — No Mar da Galileia.
Patrick Tyler — Sim. Perto da Síria. Na fronteira da Síria, na Galileia, no Vale de Jezreel, no norte etc. Eles estavam de olho no deserto de Neguev, em avançar no Sinai, se conseguissem. Eles estavam de olho em metade do Líbano, até o Rio Litani, pois consideravam o Líbano um Estado artificial, que não poderiam governar bem aquele território.

Luís Fernando Silva Pinto — Quando diz isso, quais são suas fontes? O que leva você a tirar essa conclusão?
Patrick Tyler — É preciso entender que a História do Oriente Médio e o papel de Israel, além de seu desenvolvimento, é uma história que agora esta sendo revelada. Porque muito do que acontecia foi confidencial por várias décadas. Nem os israelenses dominam bem sua própria história, porque o impulso de segurança, o impulso militar, exigem que a população entenda e absorva as linhas propagandistas básicas que o governo transmite à comunidade internacional. Assim, houve acontecimentos e planos que não foram revelados. As fontes deste livro são os arquivos existentes, os diários, além de fontes secundárias, a historiografia hebraica dos últimos 20 anos, e relatos de líderes em inglês, suas biografias etc.

Luís Fernando Silva Pinto — Você traz à luz o segundo primeiro-ministro de Israel, Moshe Sharett, como um animal político diferente de Ben-Gurion. É possível, por favor, falar deles dois e qual era o objetivo de cada um deles
Patrick Tyler — Eu acho que Ben-Gurion, antes de qualquer coisa, foi um homem visionário, com um grande intelecto, que, em vários aspectos, era um homem do século 19, com suas visões sobre as reformas do mundo durante a I Guerra Mundial, não a II Guerra. Ele via o mundo como um choque de grandes potências e era um sionista dedicado desde muito jovem. E sofreu grande influência da filosofia dos intelectuais judeus que acreditavam que seria um caminho longo e árduo o da criação de um Estado judaico. Por isso, a preocupação dele era o povo judeu. Sharett pensava na integração do sonho sionista naquela federação semita que o Oriente Médio se tornava. E ele achava que o único caminho era engajar as comunidades árabes e tentar superar os conflitos construídos ao longo de um século em que os sionistas e seus rivais entraram em conflito por causa da imigração judaica para a Terra Santa. Ele estava disposto a ser duro, mas era um filósofo totalmente diferente. Por isso, ele se tornou uma frustração para Ben-Gurion no âmbito da Agência Judaica. Eles brigavam acerca da estratégia antes de Israel se tornar um Estado.

Luís Fernando Silva Pinto — Permita-me fazer um salto e lhe pedir para traçar um paralelo entre duas outras personalidades: Moshe Dayan, que falava árabe, a quem Golda Meir se referia como “meu general árabe”, e Yitzhak Rabin, que foi muito mais linha-dura, em determinado momento de sua carreira, e muito mais aberto a um processo de conciliação mais tarde. Como você vê esses dois personagens?
Patrick Tyler — Dayan se tornou um estrategista e um general brilhante. Ele era um homem totalmente laico, mas lia a Bíblia incessantemente, principalmente o Antigo Testamento, não por ser religioso. Ele o via como um manual de guerra. Ele adorava histórias como as de Sansão, de Davi e Golias e a conquista narrada no Livro dos Juízes. Ele viu que vivia onde os antigos haviam entrado em conflito e lutado. Os dois eram linha-dura. Dayan era um predador militar. No campo de batalha, ele queria ver sangue. Rabin construiu o exército que venceu a Guerra dos Seis Dias, em 1967. Ambos, mais tarde passaram por transformações ao ver que não havia solução militar para tudo na vida. A transformação de Rabin foi muito mais profunda. Rabin chegou depois, era mais jovem, era praticamente um protegido de Dayan. E foi a Intifada, a rebelião de 1987 que começou espontaneamente, que convenceu Rabin de que não havia solução militar para a questão palestina. Isso o colocou no caminho dos Acordos de Oslo e da ideia de que só é possível construir a paz com o inimigo. Assim, ele precisou negociar com o homem que ele demonizara a vida inteira, Yasser Arafat, para construir a paz.

Luís Fernando Silva Pinto — Pagando com a vida.
Patrick Tyler — Exatamente. Porque a direita o considerava um inimigo após os acordos de paz. A retórica, em Israel, se tornou tão acalorada e contestadora, com a direita se tornando tão perniciosamente contrária ao que Rabin estava fazendo, que começou a incitar os jovens, bastando uma mente impressionável se deixar dominar por isso e atirar nele naquele dia, naquela praça, que hoje se chama “Praça Rabin”.

Luís Fernando Silva Pinto — Portanto podemos concluir, do seu livro, que uma cultura militarista determina um caminho de impossibilidade de paz. Você acaba de dizer que dois dos mais brilhantes generais de Israel, quando quiseram a paz, mais tarde na vida, não tiveram tanto sucesso. Um mais do que o outro. A crítica ao seu livro é a de que parece haver uma crença unilateral, que Israel está determinando sua incapacidade de ter paz. E os vizinhos? E o mundo árabe? E a invasão da Guerra dos Seis Dias? E a Guerra do Yom Kippur?
Patrick Tyler — Bem, eu acho que é uma crítica justa, mas o ponto mais fundamental que tentei mostrar com essa história, que eu aprendi ao pesquisá-la e passando muito tempo em Israel, foi que uma nação tão tomada por essa estrutura militar, com a preeminência e a predominância da organização militar, sem, ao mesmo tempo, construir aquelas instituições paralelas que permitam a paz, a negociação e o ajustes, terá muito mais dificuldade para fazer a paz. O subtítulo do meu livro resume isso um pouco, com a frase “Por que não podem fazer a paz”. Não é impossível fazer a paz. E, ao final do governo Clinton, eles chegaram muito perto de assinar um acordo de paz. Se analisar a História, não é impossível fazer a paz. Eu escrevi esse livro para estimular as pessoas a pensarem nesse problema e em como podem ajudar Israel a chegar ao final dessa corrida, e, para chegar lá, é preciso construir essas instituições civis da paz.

Luís Fernando Silva Pinto — No entanto, os palestinos estão como estavam em 1948. Qual é a solução para isso, para a relação entre israelenses e palestinos?
Patrick Tyler — A solução é a paz. Mas há um ponto crítico, que muitos ignoram.

Luís Fernando Silva Pinto — Paz com o Hamas é bem diferente de paz com o Fatah.
Patrick Tyler — Com certeza, mas as pessoas diziam que a paz com Arafat seria impossível, no entanto, ele foi o parceiro que deu o passo adiante e foi reconhecido no gramado da Casa Branca. A paz só é possível com intervenções potentes vindas de figuras políticas cujos próprios eleitores lhe dão poder para agir. Em outras palavras, quando as estrelas se alinharem da maneira certa, haverá outra oportunidade. Acho que o presidente Obama é um grande exemplo disso. Ele assumiu o governo como um novo presidente idealista esperando tirar vantagem do que ele viu que Clinton quase conseguiu no Oriente Médio, achando que seria fácil, ou pelo menos possível, preencher essa lacuna e deixar esse legado prematuro. Meu Deus, ele ganhou até o Prêmio Nobel por apenas pensar em uma solução! Mas seu idealismo o empurrou, o levou adiante. E ele ficou decepcionado quando chegou a um muro de concreto, pois as estrelas não estavam alinhadas em Israel. Benjamin Netanyahu era um novo primeiro-ministro rígido, obcecado com o Irã e que não queria negociar a questão palestina. Certamente, ele não quis parar de construir assentamentos, que era a pré-condição para começar as conversas com os palestinos. E os próprios palestinos continuam divididos entre o Hamas, em Gaza, o Fatah, na Cisjordânia, e ninguém os une.

Luís Fernando Silva Pinto — Quando você diz que as estrelas precisam estar alinhadas, há uma estrela enorme em Israel que não se alinha com nada, que são os assentamentos. Eu viajei do Cairo até Jerusalém depois do assassinato de Sadat, e a primeira coisa que chamou minha atenção na Cisjordânia foi a velocidade com que o Gush Emunim os construía.
Patrick Tyler — É verdade.

Luís Fernando Silva Pinto — Desde então, isso não parou, e estamos falando dos anos 1980.
Patrick Tyler — Está bem melhor agora.

Luís Fernando Silva Pinto — Como se alinha essa estrela?
Patrick Tyler — As pessoas continuam a se perguntar o que Netanyahu está esperando. E eu acho que é preciso entender que, arraigada na ideologia de direita, que ele defende à frente de uma longa lista de ancestrais da mesma filosofia, há pessoas que acreditam que, se esperarem o bastante, se se mantiverem na terra tempo o suficiente, ainda que tenham que abrir mão de um pequeno pedaço dela, terão um Estado palestino minúsculo e controlarão a maior parte do território. E acho que essa ilusão ainda dá força aos partidos à filosofia de direita em Israel. E, até que isso mude, não creio que estrelas se alinharão de novo. Ou até um presidente americano resolver assumir a questão, o que irá exigir muito capital político.

Luís Fernando Silva Pinto — E quanto ao Irã? A capacidade nuclear, de acordo com o senhor, é real, não tem importância, é apenas útil a um governo em Israel que queira desviar a atenção ou o quê?
Patrick Tyler — Em primeiro lugar, essa é uma questão muito complexa. Eu não creio que você encontrará um chefe da inteligência israelense que diga que o Irã quer a arma nuclear por causa de Israel. Eles querem uma arma nuclear porque vivem em uma região nuclearizada. Há a Rússia, a China ao norte, a Índia e o Paquistão ao leste. Há os sauditas pensando em adquirir capacidade nuclear com os paquistaneses. Há o exército americano, a marinha, fazendo pressão no Golfo Pérsico. Eles vivem em uma região nuclearizada e se sentem ameaçados. Mas acho que o que se vê em Israel, principalmente entre os militares, na comunidade da Inteligência, é a crença no 1%. Se houver 1% de chance de eles terem uma arma nuclear, é preciso detê-los, é preciso mobilizar o mundo, levar os EUA a assumirem a liderança ou a armar Israel, para que possa assumir essa operação de maneira bem-sucedida.

Luís Fernando Silva Pinto — Quem dá a maior tacada hoje em Israel? Não é Netanyahu. A menos que essa tacada seja a espera da qual você falou.
Patrick Tyler — Sim, mas há muitas pessoas… Eu gostaria de dar um nome como o de Yitzhak Rabin, como exemplo de alguém que dará a maior tacada, mas ele está morto, foi assassinado. Mas há muitos rabinistas nas forças armadas israelenses e no âmbito político.

Luís Fernando Silva Pinto — E os palestinos? Com quem você conversou e o que você fala deles no seu livro?
Patrick Tyler — Meu livro é sobre Israel, mas eu passei grande parte da minha carreira de repórter no mundo árabe, então passei muito tempo com Arafat, com Abu Jihad, que foi assassinado em 1988, com Abu Iyad, assassinado em 1991, com Saeb Erekat, com Navil Shaath, com muitos líderes do movimento palestino, Mahmoud Abbas – o Abu Mazen –, o atual presidente. Minha impressão é a de que há uma obsessão com a divisão, uma obsessão com a divisão dentro da comunidade israelense, entre o Hamas e o Fatah. Essas feridas ainda não se fecharam, e o problema do Hamas em Gaza não foi resolvido, a reconciliação não está no horizonte. E a decisão de Abu Mazen de ir à ONU e elevar a Palestina a Estado levou-os ao colapso econômico que levou Fayyad a deixar o cargo de primeiro-ministro. E ele era uma das figuras mais construtivas dentre os líderes palestinos.

Luís Fernando Silva Pinto — Você descreveu a jogada do lado israelense. Como é a jogada do lado palestino?
Patrick Tyler — Eles viveram cada acordo de paz feito com Israel como uma troca de terra por paz. Eles viram Sadat, que levando seu país a duas guerras duradouras, conseguir de volta cada pedaço de seu território. Eles viram, no sul do Líbano, que, após a invasão israelense de 1982, Israel acabara se retirando totalmente. Eles querem o melhor acordo que possam conseguir levando em conta as fronteiras de 1967.

Luís Fernando Silva Pinto — E eles vão conseguir?
Patrick Tyler — Se vão conseguir? Eles irão conseguir algo híbrido. Ou seja, não há como expulsar 400 mil colonos judeus de todos os assentamentos em volta de Jerusalém. A parte israelense de Jerusalém será aumentada. Mas eles podem insistir em trocas equilibradas de terra. Para cada hectare que Israel usar para seus colonos em Jerusalém, eles terão um hectare em algum outro lugar, como em Hebron, em Neguev, naquela fronteira. E acho que eles insistirão nessa troca de terras e pode ser que consigam isso ou que cheguem perto. Eles chegaram a mais de 95% nas negociações intermediadas por Clinton, ao final de seu governo.

Luís Fernando Silva Pinto — Por fim: você morre, vai para o Céu — esperamos — e, ao chegar lá, lhe perguntam: “O que fazemos com aquele lugar chamado Israel e Palestina? O que vai acontecer lá?” Qual seria a sua resposta?
Patrick Tyler — Esse é, provavelmente, o conflito mais complicado com que o mundo tem que lidar na modernidade, e há muitas pessoas boas de ambos os lados. Israel é um país poliglota e o lugar mais diversificado do planeta. Os palestinos são as pessoas mais calorosas e bondosas que se possa querer conhecer. Eles têm radicais, têm todo o espectro da humanidade em seus campos. Muitas pessoas lutaram e falharam, algumas tiveram sucesso, mas não conseguiram terminar isso, mas não podemos desistir de um conflito desses, pois, para o Ocidente e para o mundo, se os conflitos entre as três religiões monoteístas não se resolverem, podem nos destruir no futuro, tornando essa guerra um incessante e religioso choque de civilizações, como já foi escrito. E nós temos que tentar acabar com isso. Nós temos todas as características de um conflito religioso infinito, de uma guerra religiosa, e temos que continuar trabalhando nisso e nunca achar que a paz é impossível.

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