Tributação de renda

É preciso criar a advocacia individual e melhorar Estatuto

Autor

  • Thiago Pimenta Louro

    é advogado com experiência em Direito Societário e Impactos Tributários em Planejamentos de Restruturação Societária. Formado na PUC-SP e pós graduando em Direito Público pela Escola Paulista de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo.

18 de julho de 2013, 8h51

Tema não tão recente, porém, atualmente discutido pelas entidades representativas dos advogados, a advocacia individual esta para iniciar seus passos no ambiente legislativo. Ainda sem Projeto de Lei específico, pelo menos até o momento de envio deste artigo, já há rascunhos que começam a nortear esse novo instituto jurídico.

Apesar de já tramitar um Projeto de Lei na Câmara dos Deputados (PL 4.318/2012, do deputado federal Aelton Freitas – PR/MG), com o objetivo de alcançar o princípio constitucional da igualdade no tratamento tributário, promovendo a equiparação entre advogados e sociedade de advogados para fins fiscais, as entidades querem mais.

A ideia inicial é equiparar o advogado individual à pessoa jurídica para fins tributários e de responsabilidade civil. O pontapé da discussão foi a criação da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), instituto próprio das atividades empresárias.

Na proposta em discussão pelas entidades representativas, constam algumas sugestões um pouco peculiares, que se afastam dos fins tributários, vejamos:

1. Introduzir o conceito de sociedade simples às Sociedades de Advogados — ainda que seja um conceito implícito, não há expressão no Estatuto ou no Regulamento da Advocacia;

2. Criar o Instituto Jurídico da Advocacia Individual. Seria uma espécie de sociedade unipessoal de prestação de serviço de advocacia, com a obrigação de integralização de capital social mínimo — por enquanto em discussão, fixou-se em 100 salários mínimos; e

3. Inovar o Estatuto trazendo o conceito de responsabilidade limitada somente ao instituto da advocacia individual.

Propõe-se, portanto, a criação de uma nova pessoa jurídica, dotada dos mesmos direitos e deveres da sociedade de advogados, porém cuja titularidade seria detida por um advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados.

Diante do esboço de proposta legislativa, salta-nos aos olhos diversas questões além da criação de uma nova pessoa jurídica, tais como, introdução ao Estatuto dos conceitos de: capital social, responsabilidade limitada e capital social mínimo proposto somente às Advocacias Individuais.

Cumpre dizer que, o Estatuto da Advocacia foi promulgado durante a vigência do Código Civil de 1916. A partir do Novo Código Civil (Lei 10.406/02), o Estatuto não foi atualizado, sendo mantido quase que em sua integralidade, sofrendo apenas mudanças pontuais por meio das Leis 11.767/08, 11.902/09 e 11.179/05, além da ADIs 1.127-8, 1.105-7 e 3.026-4.

Importante comentar antes de avançar no assunto que, com a vigência do novo Código Civil, desapareceram as sociedades civis e comerciais, e em substituição surgiram as figuras das sociedades simples (registradas nos cartórios de títulos e documentos) e as sociedades empresárias (registradas nas juntas comerciais).

A distinção entre sociedade simples e empresária não se faz pelo fator “objeto social”, pois em ambas é possível transacionar bens ou serviços. Mas sim, distinguem-se pelo exercício da atividade, organizado ou não, sendo atividade organizada a essência da sociedade empresária.

As sociedades simples são, em princípio, aquelas em que a atividade econômica é exercida unicamente pelos sócios. Por isso, esse tipo societário admite sócio de serviço e sócios que sejam casados entre si, ainda que em comunhão universal. Sociedades empresariais estão sujeitas às regras da recuperação judicial e extrajudicial, e à falência. As sociedades simples não, sendo sujeitas apenas à insolvência civil.

Frisa-se que no contrato social de sociedade simples restou consignado pelo Código Civil vigente a obrigação de se constar a opção dos sócios com relação às obrigações sociais, se respondem subsidiariamente ou não.

Ademais, se os bens da sociedade simples não cobrirem as dívidas contraídas, respondem os sócios pelo saldo, na proporção em que participem das perdas sociais, salvo cláusula de responsabilidade solidária firmada no contrato social.

Tem-se assim, que em paralelo às sociedades simples e às empresárias existe a sociedade de advogados, sendo essa uma espécie da primeira – veja, é entendido pela doutrina e pela jurisprudência que sociedade de advogados é uma sociedade simples uniprofissional, apesar do Estatuto permanecer desatualizado.

Nesse contexto, o artigo 15 e seguintes do Estatuto da Advocacia disciplinam que advogados podem constituir sociedade civil de prestação de serviço, sendo o ato constitutivo registrado na seccional respectiva à sede social. Portanto, sociedade de advogados é uma sociedade sui generis, aplicando-se no que não conflitar com o Estatuto os termos pertinentes às sociedades simples. Destaca-se, também, que tanto no Estatuto quanto no Regulamento Geral da Advocacia, não há disposição acerca de capital social e outras temáticas atribuíveis ao contrato social.

Ademais, a sociedade de advogados não é isolada de seus sócios, pelo contrário, é estritamente vinculada às pessoas, aos sócios. A sociedade de advogados é uma união de profissionais com o intuito de promover o intercâmbio de cooperação profissional, um aperfeiçoamento na recíproca prestação de serviços (Zuliani, Ênio Santarelli. Responsabilidade Civil do advogado. Revista da EPM, ano 4, nº 1, 2003. p.156).

Logo, a atividade da sociedade de advogados não pode ser confundida com a desempenhada pelas sociedades mercantis ou simples. Sua natureza constitutiva é estritamente vinculada ao labor e empenho dos profissionais especializados que a compõem, não sendo prestado serviço pela sociedade em si, mas por um ou mais de seus sócios.

Dentre os doutrinadores mais considerados, é uníssono que não é cabível à sociedade de advogados o instituto da responsabilidade limitada, logo não o poderia ser atribuído à advocacia individual. Muito menos aceitável a imposição de capital social mínimo ao novo instituto jurídico.

As mudanças ainda em discussão interna pelas Entidades representativas não podem extrapolar o espírito que norteia a atividade do advogado, entorpecendo-se pela vontade de saciar os anseios da classe. Isso porque, a propositura de uma alteração legislativa da alcunha da criação de nova figura jurídica, demanda mais alterações do que tão somente sua inclusão no texto legal.

É sabido que, no Brasil, o instituto de sociedade de advogados é recente. Ainda que a Ordem dos Advogados tenha sido instituída em 1930, por meio do Decreto 19.408, promulgado pelo então presidente Getúlio Vargas, a partir de incentivos do Dr. Osvaldo Aranha, somente em 1950 houve o surgimento da primeira sociedade de advogados, constituída por um norte americano, Dr. Richard Momsen, e um brasileiro o Dr. Edmundo Miranda Jordão, tendo futuramente como sócios os Drs. Raja Gabaglia, Monteiro de Barros e Fernando Velloso, dentre outros.

Naquele momento, a ausência de legislação própria, obrigou-os a respeitar o artigo 1.371, do CC/1916, que tratava das “sociedades particulares para exercer certa profissão”.

Somente 13 anos após o surgimento da primeira sociedade de advogados, a constituição deste tipo societário foi regulamentada pela Lei 4.215/63 — à época, o novo Estatuto da Ordem dos Advogados.

Importante destacar que, naquele diploma as diretrizes gerais aplicáveis às sociedades de advogados ainda se fazem presentes, vejamos: (i) sociedade civil de trabalho, em que há colaboração profissional recíproca entre seus membros, no âmbito da prestação de serviço exclusivamente restrita à advocacia; (ii) espírito não mercantil; (iii) a atividade é realizada pelos membros da sociedade, nunca pela sociedade em si; entre outros.

É notório o anseio da advocacia brasileira em ver atualizado o Estatuto que norteia sua atividade, inclusive quando o compara à realidade em outros países. Desde 1994, na Alemanha, é possível adoção do tipo societário com limitação de responsabilidade pelas sociedades de advogados.

No início do século XXI, a União Europeia passou a unificar as normativas e diretrizes destinadas à atuação da advocacia. Portugal, como exemplo, promulgou a Lei 80/2001, seu novo Estatuto da Ordem dos Advogados, pela qual criou dois institutos relacionados à sociedade de advogados, que em norma própria as regula (Decreto-Lei 229/2004): o de responsabilidade limitada e o de responsabilidade ilimitada, ainda resguardando o princípio da natureza não mercantil.

A Lei que organizou a nova Ordem dos Advogados em Portugal, já com 12 anos, se destaca em outros pontos: (i) liberdade contratual entre a sociedade e os membros que a integram; (ii) mecanismos de integralização de capital, considerando a probabilidade de ingressos futuros em razão de carteira de cliente de um único sócio; (iii) plano de carreira que estabelece critério de progressão do advogado membro; (iv) obrigatório o depósito na Ordem dos Advogados das contas anuais das sociedades de advogados que optem pela responsabilidade limitada — uma espécie de depósito garantia; e (v) seguro obrigatório tanto às sociedades quanto aos advogados.

Diante deste cenário, nacional e internacional, faz-se necessária não só a criação do instituto da advocacia individual, como também o aperfeiçoamento do Estatuto da OAB aos tempos modernos.

Não optando pela discussão mais aprofundada, o melhor caminho é apoiar o Projeto de Lei 4.318/2012 que tramita na Câmara dos Deputados. Assim, far-se-á valer o princípio da igualdade, visto que se aos empresários é atribuído o direito de ter sua renda tributada como se pessoa jurídica fosse, por que não atribuir o mesmo aos advogados individuais?

Autores

  • Brave

    é advogado, com experiência em Direito Societário e Impactos Tributários em Planejamentos de Restruturação Societária. Formado na PUC-SP, e pós graduando em Direito Público pela Escola Paulista de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!