Instrumento eficiente

Transparência previne planejamento tributário agressivo

Autor

  • Mariana Pimentel Fischer Pacheco

    é pesquisadora do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) professora do programa de pós-graduação lato sensu da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (Direito/GV) e doutora em Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Pernambuco.

11 de julho de 2013, 9h21

Artigo produzido no âmbito das pesquisas desenvolvidas no NEF/DireitoGV. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva dos autores.

Lidar com planejamento tributário agressivo é atualmente um grande desafio para administrações fiscais em todo o mundo. De modo geral, nos diversos países, o tratamento jurídico da questão funda-se em uma norma geral antielisiva (general anti-avoidance rule). Isto é, um princípio normativo estabelece que operações são ilícitas para fins fiscais se, ao invés de realizadas com proposito negocial, têm o intuito preponderante de obter vantagens tributárias[1]. O desafio que tal norma, de sentido bastante vago, deixa aos operadores do Direito é o seguinte: como definir, em situações concretas, a expressão “propósito negocial”?

Diversas reuniões realizada pelo Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (DireitoGV) com empresários, advogados e servidores fiscais evidenciaram que, no Brasil, falta transparência sobre os critérios da interpretação da norma. Falta, principalmente, clareza na interpretação do Fisco da expressão “propósito negocial”. Isso tem gerado um altíssimo grau de contingencia tributária nas decisões concretas.

Os contribuintes dizem que não há como saber de antemão se certas operações serão ou não consideradas lícitas. Eles são colocados, por isso, em uma situação de impasse: se os contribuintes optarem pela posição mais segura — isto é, realizar apenas as operações que sabem que serão consideradas lícitas — não correm riscos fiscais (certamente não terão de pagar multas que chegam a até 150%). Contudo, arriscam-se a não sobreviver no mundo dos negócios, já que terão que competir com concorrentes que, por meio de engenhosas operações (de licitude incerta), pagam menos tributos.

Alguns juristas defendem que criar regras mais específicas, hábeis a definir com nitidez o sentido concreto da norma geral antielisiva, seria a melhor maneira de lidar com o problema. John Braithwaite (Australian National University)[2] mostra, todavia, que esta não é a melhor resposta. O esforço do Estado em elaborar regras detalhadas, supostamente capazes de dar conta de todos os possíveis casos de planejamento tributário, paradoxalmente, acaba por gerar ainda mais insegurança jurídica: o excesso de regras aumenta a complexidade do sistema tributário e a contingência das decisões do fisco.

Se elaborar mais regras não é a melhor solução, como, então, proceder? Braithwaite afirma que os países que encontraram as melhores respostas aos dilemas gerados pelo planejamento tributário agressivo foram aqueles que aprenderam a combinar princípios gerais, regras específicas e procedimentos dialógicos. Os fiscos destes países apostam na transparência e na construção de caminhos institucionais aptos a gerar uma troca eficiente de informações com contribuintes.

O caso holandês ilustra esta ideia[3]. Desde o início da década de 2000, a administração fiscal holandesa utiliza mecanismos de vigilância horizontal (em que os atores atuam lado a lado) como complemento a formas tradicionais de vigilância vertical (em que o Fisco impõe, de cima para baixo, aos contribuintes o cumprimento de regras). Trata-se de uma abordagem baseada na transparência e na confiança (mas que não exclui o enfoque repressivo nos casos em que a confiança é infundada) e na ideia de que a vigilância é uma responsabilidade comum de todas as partes na cadeia fiscal. O objetivo da colaboração é estimular a ação preventiva, capaz de solucionar problemas através de um diálogo informado e evitar o excesso de contencioso.

Um dos instrumentos de vigilância horizontal utilizado pelo fisco holandês para lidar com a tributação de grandes empresas são “convênios reguladores da aplicação” de normas tributárias (compliance agreements). A partir de uma análise do perfil e grau de risco dos contribuintes, o Fisco identifica empresas confiáveis e, com base em discussões com especialistas e dirigentes da empresa (as quais permitem que as decisões tenham em conta as peculiaridades da situação do contribuinte), firma convênios sobre o cumprimento de normas

De um lado, a empresa informa as operações que serão realizadas, as quais envolvem riscos fiscais, e fornece sua opinião sobre as consequências jurídicas do negócio; do outro, o fisco esclarece sua interpretação sobre as repercussões tributárias dos fatos apresentados.

Os acordos geram um ambiente de troca eficiente de informações e garantem que ambas as partes estejam previamente cientes das diferentes interpretações do caso. São, além disso, bastante simples: são firmados em um documento de, aproximadamente, página e meia, em que o posicionamento do Fisco sobre a interpretação da norma e as informações (que podem ser publicizadas) acerca da atuação da empresa são sintetizadas e disponibilizadas para todos (em quatro idiomas).

Após o projeto piloto, as avaliações publicadas pela administração fiscal holandesa demonstram que os atores envolvidos consideram que a iniciativa teve ótimos resultados e que vem sendo capaz de reduzir custos tanto para o Fisco como para contribuintes. Ainda, as avaliações deixam claro que os bons resultados somente foram alcançados porque o Fisco manteve uma postura consistente — mostrou-se merecedor de confiança — e criou instrumentos aptos a assegurar que a transparência e o engajamento no diálogo gerasse vantagens também para os contribuintes: na Holanda, contribuintes confiáveis (mais transparentes) são recompensados com menos burocracia (menos obrigações acessórias) e certeza sobre a interpretação do Fisco (sabem antecipadamente se o seu planejamento tributário será aceito ou não).

Tal como o NEF vem insistindo, o estudo de experiências de outros países deve ser utilizado como fonte de inspiração (e não como modelo a ser copiado) para que possamos encontrar soluções originais brasileiras. As altíssimas multas (que chegam a até 150%), a falta de transparência dos critérios de interpretação das normas tributárias pelo Fisco e a carência de mecanismos eficientes de troca de informações são evidências de que, no Brasil, ainda prepondera o enfoque punitivo. A experiência holandesa mostra a importância de começarmos a discutir formas de equacionar punições e procedimentos de comunicação para a construção de uma administração fiscal mais eficiente e democrática.


[1] No Brasil esta regra está expressa no art. 116 do Código Tributário Nacional.
[2] Cf. BRAITHWAITE, J. “Rules and Principles: a Theory of Legal Certainty”. In Australian Journal of Legal Philosophy, 27, 2002 (p. 47-82). Disponível em: http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=329400.
[3] Cf. BETTE, Marian. “Administración Holandesa de Impuestos y Aduanas Países Bajos” Assembléia Geral do CIAT No. 43 em Santo Domingo (Rep. Dominicana), 2009. Disponível em www.ciat.org.

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    é pesquisadora do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF), professora do programa de pós-graduação lato sensu da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (Direito/GV) e doutora em Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Pernambuco.

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