Pirâmides econômicas

Produto apresentado como investimento pode ser crime

Autor

  • Wilson Knoner Campos

    é sócio da Bertol Advogados mestrando em Criminology & Criminal Justice (Royal Holloway University of London) e pós-graduado em Criminologia e Ciências Criminais (PUC-RS).

9 de julho de 2013, 7h00

O Brasil vive um momento de proliferação de atividades rentáveis sob a promessa de esforço mínimo, popularmente conhecidas como “pirâmides econômicas”, em que os organizadores arregimentam grupos em um esquema estratégico aparentemente inofensivo, cuja principal característica é a de incutir a falsa esperança de multiplicação de ganhos mediante investimentos de risco “zero”, decorrentes do pagamento de cota de cada nova adesão de participante recrutado, ou por meio de propostas equivalentes.

E a depender de como o investimento é apresentado no “mercado”, a conduta dos dirigentes/organizadores pode vir a caracterizar tipos penais variados, com possibilidade, inclusive, de ensejar a responsabilização do agente por vários crimes em concurso material.

Para que se vislumbre delito contra as relações de consumo, notadamente o descrito no artigo 7º, VII, da Lei 8.137/1990, é imprescindível que a oferta do investimento tenha se operado por meio de empresário de bens ou serviços, uma vez trata-se de crime próprio (vide: NUCCI. Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 1085/1086).

No contexto do aludido tipo legal, protege-se os consumidores de afirmações falsas ou enganosas a respeito do produto ou serviço, que, no caso, seria o suposto retorno financeiro decorrente do “investimento” mínimo. Como geralmente inexistem informações concretas quanto aos riscos e quanto à possibilidade de rompimento sumário da “bolha”, patente seria a infringência ao mencionado artigo 7º, VII, da Lei 8.137/1990.

Mas enfatize-se: para que os dirigentes sejam indiciados e processados por tal crime, mister se apresentem eles como empresários fornecedores de produtos ou serviços no mercado de consumo.

Fora dessas circunstâncias, a qualificação jurídica do ilícito decorrente da obtenção ou tentativa de obtenção de ganhos ilícitos (crime de atentado) mediante processos fraudulentos, pelo princípio da especialidade, atrai a aplicação do artigo 2º, inciso IX, da Lei 1.521/1951, que assim dispõe:

IX – Obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos ("bola de neve", "cadeias", "pichardismo" e quaisquer outros equivalentes);

Não há falar-se em estelionato (artigo 171 do CP), porquanto este tipo penal tem como alvo da ação criminosa uma vítima singularmente considerada, ao passo que o crime contra a economia popular em tela (artigo 2º, IX) pressupõe um número indeterminado de ofendidos, vale dizer, a coletividade[1], sujeito passivo direto do ilícito penal.

Na hipótese de haver identificação de prejuízo à vítima determinada, haverá concurso material de crimes (estelionato + ganhos ilícitos em detrimento da coletividade mediante processos fraudulentos), uma vez que tutelam objetos jurídicos distintos: no primeiro se visa resguardar o patrimônio individual; no segundo, busca-se evitar a obtenção de ganho fácil mediante estratégias escusas de investimento de muitos integrantes e divisão de resultados entre poucos, em prejuízo a um número indeterminado de pessoas.

Em qualquer das hipóteses acima elencadas (crime contra as relações de consumo X crime contra a economia popular X crime contra o patrimônio), é bom que se registre, é extremamente relevante a apuração das circunstâncias fáticas para o escorreito enquadramento da conduta, haja vista que, à exceção do disposto no artigo 2º, IX da Lei 1.521/1951, os demais casos não se submetem aos ditames da “Justiça Criminal Consensual”, por prescreverem penas superiores ao teto da Lei 9.099/1995, de ordem a suprimir do acusado importantes benefícios penais.

Portanto, pode-se afirmar, em apertada síntese, que a responsabilidade criminal dos organizadores de tais práticas orbitará entre os aludidos tipos penais, cuja configuração dependerá em muito da forma da apresentação da oferta do investimento e de execução das propostas.


[1] Rui Stocco. Leis Penais especiais e sua interpretação jurisprudencial. 7ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 1.143.

Autores

  • Brave

    é assessor jurídico de Ministro do Superior Tribunal de Justiça, especialista em Direito/Jurisdição Federal pela Escola da Magistratura Federal de Santa Catarina, bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (2005).

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