Medida desnecessária

Plebiscito sugerido por Dilma é um engodo político

Autor

  • Kleber Couto Pinto

    é especialista e mestre em ciências jurídico-políticas pela Universidade Clássica de Lisboa professor de Direito Constitucional e Teoria Geral do Estado procurador de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.

7 de julho de 2013, 9h29

Em meio às inúmeras manifestações cívicas espalhadas pelos quatro cantos do país, muito se tem discutido sobre reforma política. O plebiscito encontra simpatizantes e ferozes combates. A ideia de convocação de uma constituinte, ao que tudo indica abandonada pelo executivo, divide os constitucionalistas. Alguns acreditam na impossibilidade de se convocar um poder constituinte originário e ao mesmo tempo limita-lo e condiciona-lo. Outros, entretanto, não vislumbram qualquer obstáculo técnico para a convocação plebiscitária e o efetivo exercício deste poder. Realmente, há bons argumentos para os dois pontos de vista.

Os primeiros argumentam que: a) Para alterar o texto constitucional da CF/88 já existe o poder constituinte derivado exercido pelo Congresso Nacional que reforma a CF através das chamadas PECs (projetos de emendas à Constituição); b) A convocação de novo poder constituinte, destarte, seria desnecessária, até mesmo porque há determinadas matérias, na esperada reforma política, que poderiam ser tratadas por legislação infraconstitucional, leia-se, lei complementar ou mesmo ordinária; c) Não exercendo o poder constituinte derivado, esta “assembleia constituinte” exerceria, em tese, o poder constituinte originário. Este poder, por tradição técnica, é ilimitado e incondicionado. Assim, estaria criado um impasse. Como seria possível exercer o poder constituinte originário com poderes somente para fazer a reforma política? Esta inadequação técnica caracterizaria flagrantemente uma inconstitucionalidade desta convocação e deste exercício; d) O poder constituinte originário para ser exercido pressupõe um rompimento com a ordem institucional estabelecida pela constituição em vigor, o que, no caso, não ocorre.

Os segundos sustentam que: a) O titular do poder soberano é o povo. Em seu nome é exercido o poder constituinte que, em ultima ratio revela a expressão da sua vontade, seja ele o constituinte originário, derivado, revisional, ou qualquer outro que queira e venha criar; b) Não existe uma formula única de poder constituinte originário. Cabe ao seu titular (o povo) decidir como ele deve ser exercido.

A razão, incontestavelmente, encontra-se com a segunda corrente.

De início, devemos lembrar que os conceitos técnicos são meras construções doutrinárias, que variam ao sabor do tempo, da realidade e necessidades jurídicas de cada estado. Servem tão somente para dar o necessário suporte teórico. O parlamentarismo inglês, por exemplo, é totalmente diverso do parlamentarismo francês. O primeiro existe dentro de uma monarquia e o segundo dentro de uma república. Nem por isto deixam de ser assim classificados como sistema de governo.

Do mesmo modo, não há um poder constituinte originário que seja puro em seu conceito técnico. As variantes são múltiplas. Cabe ao titular do poder soberano decidir quando, como e por quem deverá este poder ser exercido. Como bem nos lembra o ministro Luiz Roberto Barroso, na Itália, por plebiscito prévio, o povo impôs a forma de governo republicana como limite ao poder constituinte originário, deixando que ele estabelecesse todos os demais aspectos do estado italiano. Ademais, para alguns juristas, suas limitações não param por aí. Vão desde os princípios do direito natural com os jusnaturalistas até os direitos fundamentais do homem com os universalistas.

Deve ser lembrado, da mesma forma, que para fazer uma reforma política como clama a voz das ruas, faz se necessário uma reforma profunda e abrangente que, inevitavelmente, modificará o exercício dos poderes políticos que se revelam nas três funções soberanas.
A reforma política poderia, por exemplo, alterar o período do mandato presidencial ou quem sabe proibir a reeleição ou mesmo limitar a edição de medidas provisórias. No âmbito do legislativo, poderia transformar o senado em um longa manus do executivo de cada unidade federativa. O senador, sem o aparato ostensivo e dispendioso que possui hoje, seria escolhido pelo governador e somente atuaria nas questões relativas ao chamado pacto federativo. Tal mudança evitaria a vergonha da suplência e adequaria o senado ao seu verdadeiro papel constitucional. Por outro lado, traria maior celeridade e eficiência ao processo legislativo. Poderia, de igual sorte, alterar o sistema eleitoral proporcional para distrital, ou até mesmo adotar o parlamentarismo. Poderia, no que se refere ao judiciário, dar nova roupagem ao Supremo Tribunal Federal tornando-o mais representativo e democrático, como, aliás, pretende a PEC 33.

Ora, como fazer uma reforma de tal profundidade sem esbarrar nos limites expressos e implícitos do texto constitucional existente? Sem um bom tempo de discussão e maturação das eventuais propostas de reforma os riscos de uma deslegitimação, como advertiu a ministra Carmem Lúcia, não é só possível, como provável. Cada alteração discutida e proposta pela constituinte, apesar de considerarmos exercício de um poder constituinte originário, poderia ser submetida a um referendum sem qualquer obstáculo técnico intransponível.

Por outro prisma, sem amplos poderes para alterar a relação das funções políticas, amplitude típica do poder constituinte originário, a reforma seria apenas uma maquiagem, portanto, enganosa. Neste aspecto, vale afirmar que a proposta de um plebiscito abordando somente cinco temas básicos, segunda via mal escolhida pela Chefe do Executivo, se mostra politicamente inoportuna, tecnicamente inadequada, utilitariamente desnecessária e de difícil execução. Mais um engodo político a ser cobrado de forma combativa pela voz das ruas.

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    é especialista e mestre em ciências jurídico-políticas pela Universidade Clássica de Lisboa, professor de Direito Constitucional e Teoria Geral do Estado, procurador de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.

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