Diário de Classe

Crise do ensino jurídico e as promessas do MEC e da OAB

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6 de julho de 2013, 8h01

Na primeira edição deste Diário de Classe, mais precisamente em sua conclusão, manifestamos que a inclusão de conteúdos propedêuticos no exame de ordem e nos concursos públicos para as demais carreiras jurídicas constituía um importante passo na formação e qualificação dos profissionais do direito.

Reconheço que foi um raro momento de otimismo. Isto porque, neste curto intervalo de tempo, mostramos em diversas colunas a maneira através da qual os temas de Teoria e Filosofia do Direito vêm sendo questionados no quiz dos concursos jurídicos e, “darwinianamente”, abordados por esta nova “bibliografia especializada” que contaminou o mercado editorial e já invadiu as prateleiras das livrarias.

A título meramente exemplificativo, trago a questão sobre hermenêutica formulada no X Exame de Ordem Unificado:

Questão 11: A hermenêutica aplicada ao direito formula diversos modos de interpretação das leis. A interpretação que leva em consideração principalmente os objetivos para os quais um diploma legal foi criado é chamada de
a) interpretação restritiva, por levar em conta apenas os objetivos da lei, ignorando sua estrutura gramatical.
b) interpretação extensiva, por aumentar o conteúdo de significado das sentenças com seus objetivos historicamente determinados.
c) interpretação autêntica, pois apenas as finalidades da lei podem dar autenticidade à interpretação.
d) interpretação teleológica, pois o sentido da lei deve ser considerado à luz de seus objetivos.

Trata-se de mais uma questão marcada por seu nítido anacronismo. Ao que se vê, minimamente, o examinador desconhece a revolução ocorrida no campo da interpretação jurídica ao longo do século XX, em que se instituiu o paradigma da intersubjetividade. No entanto, ao menos desta vez, a ideia não é analisar criticamente a questão — como feito em outras oportunidades —, mas apenas chamar atenção, a partir dela, para nosso engano ao acreditar que a inclusão destes conteúdos pudesse, de certo modo, sinalizar um avanço na formação dos juristas.

A promessa do marco regulatório
No último Congresso Nacional da Associação Brasileira de Ensino de Direito (ABEDi), realizado no mês de maio, na cidade do Rio de Janeiro, que reuniu professores dos cursos de Direito de todo o país, discutiu-se mais uma vez a qualidade da educação jurídica e o modelo a ser adotado para o Brasil.

Isso porque, atualmente, existem quase 1,2 mil cursos de Direito em funcionamento, com mais mais de 650 mil estudantes em todo território nacional. Tal número decorre do sucesso da política de expansão do ensino superior — fenômeno que, no campo jurídico, mostra-se desordenado e meramente quantitativo —, cujo resultado é a formação de, aproximadamente, 100 mil bacharéis em Direito por ano.

Inversamente proporcional ao crescimento do acesso à educação, todavia, mostra-se a decadência na qualidade do ensino oferecido. O dado mais conhecido de todos continua sendo o baixíssimo índice de aprovação nos últimos Exames de Ordem, o que revela o nível de despreparo da maior parte dos bacharéis em direito recém-formados no Brasil.

Tudo aponta, lamentavelmente, para a falência do ensino jurídico brasileiro, cuja crise vem sendo denunciada por conhecidos juristas — refiro-me, entre outros, a José Eduardo Faria e Lenio Luiz Streck —, há pelo menos duas décadas, especialmente desde o advento da Constituição de 1988.

Boa parte dos cursos de Direito em funcionamento não passa de uma farsa. A educação tornou-se um negócio, no qual a formação é comercializada a partir da lógica do Walmart, como já denunciado inúmeras vezes neste Diário de Classe. Trata-se de um verdadeiro “estelionato” (sic), conforme reconheceu recentemente o próprio presidente da OAB, Marcus Vinícius Furtado Coêlho.

Tanto é assim que, em março, após firmar um acordo de cooperação com a Ordem, o Ministério da Educação interrompeu o processo de abertura de novos cursos e congelou 25 mil novas vagas até que fosse implementado um novo marco regulatório para o ensino jurídico.

Naquela ocasião, o ministro Aloizio Mercadante (PT) prometeu uma modificação radical no sistema. Da mesma forma, informou que os cursos mal avaliados no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) poderão ser fechados, além daqueles que não preencherem os requisitos exigidos.

Formou-se, então, uma comissão paritária voltada à construção de um “novo paradigma do ensino do Direito no Brasil”. Não encontrei, contudo, qualquer informação relativa aos trabalhos desenvolvidos desde então ou mesmo acerca de seus membros. De todo modo, os novos critérios para criação e funcionamento dos cursos seriam divulgados ainda no primeiro semestre.

Até o momento, nada…! Mais de uma centena de solicitações para a criação de novos cursos aguardavam análise. Então, no início de julho, noticiou-se que o MEC enviou comissão de visita ao campus da Universidade Federal do Pampa, em Santana do Livramento (RS), a fim de autorizar a criação de outro curso de Direito.

E as audiências públicas?
A OAB, por sua vez, também prometeu mudanças no Exame da Ordem, não antecipando, contudo, o teor das alterações previstas. O Conselho Federal, através de sua Comissão Nacional de Ensino Jurídico, renovou o apelo para que as seccionais da OAB realizem audiências públicas sobre o ensino jurídico.

A primeira delas, intitulada Audiência Pública pela Qualidade da Educação Jurídica Brasileira, ocorreu no final do mês de junho, em Teresina, na sede da Seccional da OAB. Sua finalidade era discutir a construção do novo marco regulatório para o ensino do direito. Todavia, o balanço do encontro não foi divulgado.

Muito embora os anúncios de que serão realizadas audiências públicas em todos os Estados, com a participação de estudantes, professores e dirigentes das instituições de ensino, para coleta de informações e sugestões relativas ao marco regulatório, não houve a elaboração de nenhuma agenda e tampouco a publicação de qualquer documento que sinalize as diretrizes inicialmente adotadas pelo grupo de trabalho que atua juntamente com o MEC. Onde e quando serão as próximas?

A inércia da comunidade jurídica
É curioso como a onda de manifestações sociais ocorridas em todo o país nas últimas semanas parece não ter sido recepcionada por grande parte da comunidade jurídica. Enquanto milhares de cidadãos saiam às ruas para reivindicar os direitos que lhe são sonegados há 500 anos, poucos foram os professores e estudantes de Direito que aderiram, efetivamente, aos protestos. Por que será?

É verdade que, de um modo geral, os juristas se levantaram imediatamente contra a proposta presidencial de convocar uma constituinte exclusiva, subscrevendo inclusive os manifestos lançados aqui na própria ConJur.

Entretanto, se é chegada a hora de transformar o Brasil, me parece que este também é o momento oportuno de construirmos, de fato, um novo modelo de ensino do Direito. Para isso, contudo, é preciso que os professores e estudantes saiam da inércia, promovam e participem das audiências públicas, discutam seriamente a formação dos juristas e, prontamente, iniciem os trabalhos. Afinal, defendemos ou não um ensino jurídico republicano e democrático?

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