Estado transparente

Sigilo sobre decisões do BNDES não tem respaldo legal

Autor

  • Alexandre Fidalgo

    é doutor em Direito pela USP mestre em Direito pela PUC-SP advogado e sócio do escritório Fidalgo Advogados. Integrante do conselho jurídico da Fiesp e do conselho de liberdade de expressão da OAB Federal.

4 de julho de 2013, 14h57

Os brasileiros foram contemplados no ano passado com uma lei que veio ao encontro das aspirações do país neste momento. Trata-se da Lei 12.527/2011, denominada Lei de Acesso às Informações Públicas, que franqueia a todos as informações de seu interesse. Mas nem todos os setores do poder público sentem-se afetados por essa obrigação. Um deles é o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

Há na Justiça Federal da 2ª Região pelo menos duas ações judiciais em que a essência da discussão é a mesma que hoje a sociedade cobra nas ruas: a transparência, o saber onde e o porquê o dinheiro público é gasto. Em palavras jurídicas, discute-se, nas duas ações mencionadas, a aplicação do princípio da publicidade em atos que envolvem empresa pública e dinheiro público.

Especificamente as duas ações buscam saber quais os critérios técnicos que justificam o BNDES a investir em determinados projetos e empresas. O banco argumenta haver sigilo bancário que impede a revelação dos critérios que adota para franquear o dinheiro público, mantendo, assim, como num cofre, as suas razões e motivações do destino de bilhões de reais.

Qual seria o motivo de tanta resistência? O motivo somente pode ser político, já que por razões jurídicas, à luz de um estado democrático e republicano, não há como sustentar a manutenção desse segredo.

Em qualquer regime democrático o princípio da publicidade é imanente, sequer há a necessidade de uma previsão textual para a sua aplicação. No Brasil, além de termos como regime político a democracia, o citado princípio tornou-se garantia constitucional, previsto expressamente no artigo 37 da Constituição Federal, cujo texto impõe à administração pública, direta ou indireta, de qualquer um dos entes públicos, obediência ao princípio da publicidade.

Vale dizer que a aplicação do princípio da publicidade não se limita a dar a público tão somente a notícia dos atos da administração pública. Na verdade, a sua aplicação diz respeito ao Estado ser transparente, a estar obrigado a dar a público efetivamente as razões de seus atos. A mais disso, os incisos XXXIII e XIV do artigo 5º, também do texto constitucional, garantem que a sociedade tem o direito de ter acesso às informações pessoais e coletivas, que consultem seus interesses.

Inquestionavelmente o BNDES é uma empresa pública federal, como se colhe do seu Estatuto Social, aprovado pelo Decreto 4.418, de 11 de outubro de 2007, e tem por finalidade principal apoiar projetos, programas, obras e serviços que se relacionem com o desenvolvimento econômico e social do país, sendo o principal instrumento de execução da política de investimento do governo federal, donde se conclui ser defeso se furtar à observância do artigo 37 da Constituição Federal.

Além de ser empresa pública, o Banco conta com diversas fontes de recursos públicos, que vão desde as transferências diretas da União, como também recursos advindos de fundos especiais, como o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), o PIS (Programa de Integração Social), o Pasep (Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público), o FMM (Fundo da Marinha Mercante) entre tantos outros, o que torna o interesse da sociedade ainda mais legítimo (artigo 5º, XXXIII e XIV, CF).

Não fosse o princípio da publicidade e a sua aplicação garantida pelo constituinte a guiar o Estado em função dos valores republicanos, propiciando à sociedade a fiscalização do uso do bem público, desde o ano passado o país ganhou um novo instrumento jurídico que está a reforçar esses valores. A Lei 12.527/2011, denominada Lei de Acesso às Informações Públicas, em seus artigos, reforça como preceito geral a observância da publicidade, a divulgação de informações de interesse público, o fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública e o desenvolvimento do controle social da administração pública, dispondo, ainda, que as empresas públicas (BNDES) subordinam-se ao regime da Lei.

O valor da publicidade e o da transparência encontra exceção nas informações que coloquem em risco a segurança da sociedade ou a do Estado. O sigilo, defendido pelo BNDES para não revelar as razões de suas decisões, somente encontraria amparo legal se colocasse em risco a segurança nacional, o que, evidentemente, não se cogita. Não há outro substrato legal que dê legalidade ao comportamento do BNDES de esconder da sociedade informações de interesse público.

Os recentes movimentos de rua que estamos a assistir, a Comissão da Verdade instaurada e a Lei de Acesso às Informações Públicas são um prelúdio de novos ares. Representam a aspiração da sociedade por um Brasil transparente e estão a constituir uma nova era no país. A Justiça Federal brasileira tem a possibilidade de também marcar pontos nesse novo momento político, fazendo cumprir a vontade do constituinte e do legislador infraconstitucional, impondo transparência ao BNDES e determinando obediência ao princípio da publicidade, que como disse nossa presidente, funciona como o inibidor eficiente de todo mau uso do dinheiro público. Comemoremos!

Autores

  • é sócio titular do escritório Fidalgo Advogados, doutorando em Direito Constitucional na USP; mestre em Processo Civil pela PUC-SP; especializado em Direito da Comunicação e Direito Penal.

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