Manifestações populares

Direito é ferramenta fundamental de trasformação social

Autor

  • Marcus Abraham

    é desembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª Região e professor de Direito Financeiro da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

3 de julho de 2013, 12h03

As manifestações populares que eclodiram recentemente originam-se de inúmeros fatores, essencialmente por uma insatisfação geral com os bens e serviços públicos oferecidos à população, especialmente nas áreas de saúde, educação, segurança, transporte público, habitação e saneamento básico, tudo em dessintonia com a elevada carga fiscal a que os brasileiros estão submetidos, circundados por uma evidente crise de representatividade no atual modelo partidário e por uma irresignação diante da impunidade dos constantes escândalos de corrupção e de desvio de dinheiro público. Não foi por apenas 20 centavos!

Mas não é à toa que tais fatos se dão neste momento, em que a nossa Constituição Federal está para completar 25 anos no próximo mês de outubro. O que se percebe é um amadurecimento da democracia brasileira, com a inquestionável conscientização da população dos seus direitos de cidadania, decorrentes do texto e do espírito da nossa Carta Cidadã de 1988 que representou a consolidação da redemocratização do Estado brasileiro após 20 anos de ditadura militar, a qual fora antecedida, por sua vez, das alternâncias de regimes democráticos e autoritários ao longo do século XX.

Estamos longe de qualquer ruptura institucional, porém bem perto de um cenário de aperfeiçoamento do modelo democrático brasileiro, tudo por um único e em nada singelo objetivo: a melhoria nas condições de vida de todos.

A Constituição brasileira de 1988, forjada no ferro dos direitos sociais e no fogo dos valores liberais, estabelece no seu art. 3o os objetivos da República Federativa do Brasil: construir uma sociedade livre, justa e solidária, desenvolver o país, acabar com a pobreza e a marginalização e minimizar as desigualdades sociais e regionais, promovendo o bem de todos. Estes desígnios têm como fundamentos, consignados no art. 1o, a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e a valorização do trabalho e da livre iniciativa.

Mas, diante de tantas pretensões, recursos financeiros se fazem mais do que imprescindíveis. Porém, não basta arrecadar o necessário, de forma equitativa e equilibrada. A administração de tais recursos deve ser feita de forma eficiente. E, na mesma linha, a sua aplicação precisa ser realizada criteriosamente, para que se possa atender às necessidades públicas da maneira mais ampla e satisfatória possível.

Arrecadar com justiça, administrar com zelo e gastar com sabedoria são os comandos que subjazem às normas da nossa Constituição Federal e que se encontram espraiados no nosso Direito Financeiro brasileiro.

Mas as manifestações demonstram uma inequívoca consciência popular da incapacidade crônica dos governos, em todos níveis federativos, em atender a tais objetivos, seja no viés arrecadatório, seja no da destinação, especialmente pelo contingenciamento injustificado das dotações orçamentárias e pela inadequação das suas escolhas.

Por outro lado, essas demandas sociais não levam em consideração uma premissa básica das finanças públicas: a de que tudo tem um custo, mesmo que não seja visível a olho nu. Como dizia Milton Friedman, no título de uma de suas obras, "não existe almoço grátis". 

Assim, para atender a todas as demandas, o governo se deparará com o velho dilema do "cobertor curto": de um lado a pressão e o apelo social para o aumento dos gastos públicos, no que se denominou chamar de "conta das ruas"; por outro lado, as limitações financeiras e a necessidade de se encontrar fontes alternativas para custear as novas despesas.

Temos que lembrar que a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000) trata com muito cuidado o tema das despesas públicas, já que seu objetivo principal é garantir a responsabilidade na gestão fiscal pelo equilíbrio das contas públicas, através do cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas, inclusive impondo obediência a limites e condições por ela estabelecidos, no que se refere à renúncia de receita.

A partir da LC 101/2000 confere-se maior efetividade ao ciclo orçamentário, por regular e incorporar novos institutos na lei orçamentária anual e na lei de diretrizes orçamentárias, voltadas para o cumprimento das metas estabelecidas no plano plurianual. Impõe-se a cobrança dos tributos constitucionalmente atribuídos aos entes federativos para garantir a sua autonomia financeira e estabelecem-se condições na concessão de benefícios, renúncias e desonerações fiscais.

Obriga-se a indicar o impacto fiscal e a respectiva fonte de recursos para financiar aumentos de gastos de caráter continuado, especialmente em se tratando de despesas de pessoal. Fixam-se limites para a ampliação do crédito público com vistas ao controle e redução dos níveis de endividamento. E criam-se sanções de diversas naturezas em caso de descumprimento das normas financeiras.

Simultaneamente a tudo isso, a LRF vem a estimular o exercício da cidadania fiscal, através dos mecanismos que incitam e permitem a participação ativa da sociedade nas questões orçamentárias, desde o processo deliberativo até o acompanhamento e avaliação da sua execução, conferindo maior efetividade à democracia brasileira.

O fato é que sempre houve maior preocupação com a arrecadação das receitas públicas, especialmente a tributária, do que com a gestão e a aplicação de tais recursos. Os gastos públicos acabavam sempre por ficar em segundo plano de importância se comparados com a tributação mas, hoje, o foco está sendo redirecionado, ganhando destaque o Direito Financeiro como ferramenta de mudança social, capaz de direcionar positivamente os atos dos governantes e influenciar para melhor a vida em sociedade.

Acredito no Direito como fundamental instrumento de transformação social, por oferecer ao cidadão os mecanismos necessários para a criação de uma sociedade mais justa e digna.

Mas para isso ocorrer, não basta conhecê-lo. É imperioso exercê-lo com sabedoria, aproximando os seus ideais utópicos da nossa realidade fática e telúrica.

Autores

  • Brave

    é desembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, doutor em Direito Público pela Uerj e professor-adjunto de Direito Financeiro da mesma instituição.

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