Queda e ascensão

Há 80 anos, Hitler chegava ao poder no Reich alemão

Autor

  • Luís Roberto Barroso

    é advogado professor titular de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Mestre em Direito pela Universidade de Yale. Doutor e Livre-docente pela UERJ. Professor Visitante da Universidade de Brasília (UnB) da Universidade de Poitiers (França) e Universidade de Wroclaw (Polônia). Visiting Scholar na Universidade de Harvard.

31 de janeiro de 2013, 16h54

Albert Einstein declarou que o tempo é uma ilusão. A dificuldade em compreender o que esta frase significa exatamente, em termos físicos e espirituais, me angustia quase tanto quanto a passagem do tempo, veloz e implacável. No espelho e na história. Pois lá se vão 80 anos desde que Adolf Hitler chegou ao poder como Chanceler do Reich alemão, em 30 de janeiro de 1933. Uma década depois de ter liderado uma fracassada tentativa de golpe na Baviera, em 1923, alcançou seu objetivo. Foi ungido por Paul von Hindenburg, segundo presidente sob a República de Weimar, construída após a derrota na Primeira Grande Guerra. O regime enfraquecido e a idade avançada de Hindenburg precipitaram o processo. Poucos epsódios foram mais dramáticos para a Alemanha e para a humanidade. [1]

Às vésperas de encenar a farsa que serviria de pretexto para invadir a Polônia e deflagrar a Segunda Guerra Mundial, em 1939, Hitler produziu a frase que animava seu espírito bélico, expansionista e fantasioso: “Ninguém vai perguntar ao vencedor se disse a verdade.” Dez anos depois de sua ascensão, quando o pêndulo da guerra começou a se inclinar em desfavor das tropas germânicas, com a derrota no front russo, Joseph Goebells, ministro da Propaganda, ainda conclamava o povo alemão à “guerra total”. Mas o fim estava próximo. No ano seguinte, em 1944, Hitler sofreria um atentado e uma tentativa de golpe de Estado. Em 30 de abril de 1945, ao lado da mulher, Eva Braun, cometeria suicídio no bunker do subsolo da Chancelaria do Reich, bombardeado pelas forças aliadas. Seus corpos nunca foram identificados. Uma semana após, a Alemanha apresentou sua rendição incondicional.

Ninguém imaginaria que sobre os escombros de uma Berlim bombardeada e dividida, fosse se reerguer uma potência econômica e democrática. Um Estado social que hoje lidera a Europa, em harmonia com os inimigos de ontem. A reiterada expiação da culpa pelo holocausto do povo judeu, manifestada em diversos momentos e instâncias, simboliza a reconstrução do país sobre outras bases morais e humanistas. A pedido de Alessandro Cristo, da Revista Consultor Jurídico, revisitei o tema da ascensão da Alemanha, após a Segunda Guerra, quando passou de um país derrotado a exemplo institucional em diferentes partes do mundo.

Alemanha: um caso de sucesso do constitucionalismo democrático no século XX[2]
Em 1648, a Paz de Westfalia pôs fim à Guerra dos Trinta Anos e redesenhou a geografia e a política da Europa[3]. Com a dissolução do Sacro Império Romano-Germânico, as comunidades germânicas espalharam-se por mais de 300 principados autônomos, com destaque para a Prússia e a Áustria. Tal situação permaneceu inalterada até o final das guerras napoleônicas, em 1815, quando os principados foram fundidos em cerca de 30 unidades maiores, formando a Confederação Germânica. Em 1866, com a vitória da Prússia na guerra contra a Áustria, formou-se a Confederação Germânica do Norte, cuja Constituição foi promulgada em 1867. No entanto, a unificação alemã só veio a ser formalmente concluída cerca de quatro anos mais tarde, com a vitória sobre a França. Em 16 de abril de 1871 foi promulgada a Constituição do Império[4], tendo Bismarck como chanceler, cargo que ocuparia até 1890.

Esta Carta só seria superada pela Constituição de Weimar, de 11 de agosto de 1919, promulgada após o fim da Primeira Guerra Mundial[5]. Considerada um marco do constitucionalismo social, com um extenso rol de direitos fundamentais, que incluíam normas de proteção ao trabalhador e o direito à educação, essa Carta jamais logrou verdadeira efetivação. Sua vigência se deu sob condições econômicas precárias, resultado da política de reparações de guerra imposta pelo Tratado de Versailles[6]. Tais obrigações e a própria atribuição de culpa exclusiva pela guerra à Alemanha criaram o caldo de cultura adequado para a ascensão do regime nazista[7]. Com a chegada de Adolf Hitler ao poder, deu-se a superação da Constituição de Weimar pela realidade política. Em março de 1933, foi publicada a “lei de autorização” (Ermächtigungsgesetz), que permitia a edição de leis diretamente pelo governo imperial — na prática, pelo Chanceler Adolf Hitler —, ainda quando divergissem do texto constitucional[8].

Após a derrota da Alemanha e os julgamentos do Tribunal de Nuremberg, foi promulgada a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, em 23 de maio de 1949, marcada pela reafirmação dos valores democráticos e dos direitos fundamentais. Desde então, essa Constituição sofreu mudanças significativas, porém pontuais, sobretudo para se adaptar à reunificação alemã (emendas de agosto e setembro de 1990) e ao desenvolvimento do processo de integração europeia (e.g., emenda de 1993 para permitir a extradição de nacionais para países membros da União Europeia ou tribunais internacionais). Em 2006, foi aprovada uma reforma abrangente do sistema federativo, com o objetivo de adequar certos procedimentos internos à dinâmica da União Europeia e alterar a distribuição de algumas competências. Trata-se de Constituição analítica, mas não casuística, que contém 146 artigos, distribuídos em 14 (quatorze) partes, a saber: I — Os direitos fundamentais; II — A União e os Estados; III — O Parlamento Federal (Bundestag); IV — O Conselho Federal (Bundesrat); IV-A — O Comitê Conjunto (Gemeinsamer Ausschuss); V — O Presidente Federal; VI — O Governo Federal; VII — A legislação federal; VIII —A execução das leis e administração federal; VIII-A — Tarefas coletivas; IX — A jurisdição; X — Finanças; X-A — Estado de defesa; e XI — Disposições transitórias e finais[9].

A Lei Fundamental adotou a forma de Estado federal. Embora, do ponto de vista formal, esse modelo viesse desde a unificação, em 1871, jamais funcionara adequadamente, dado o centralismo do período da chancelaria de Bismarck, a turbulência que arrastou a Constituição de Weimar e a concentração de poder que caracterizou o Estado nazista. A Lei Fundamental de 1949 reputou a opção pela forma federativa como um dos pilares da ordem instituída e protegeu-a com o status de cláusula pétrea[10]. Atualmente, o país é dividido em 15 estados, sendo duas cidades-estado (Berlim e Hamburgo). A repartição de competências entre governo federal e estados prevê a existência de atribuições privativas e concorrentes, modelo que veio a influenciar o constituinte brasileiro de 1988.

A forma e o sistema de governo são os da República Parlamentar, organizada sob o princípio da supremacia da Constituição. A Constituição estabelece um modelo de separação de Poderes, com as superposições próprias do parlamentarismo, dividindo o exercício do poder político nas três funções clássicas. O Poder Legislativo organiza-se em duas câmaras, a saber:

a) o Parlamento Federal (Bundestag), órgão da representação popular, é a principal casa legislativa. Seus membros são eleitos pelo voto direto e o número de cadeiras pode sofrer ligeira alteração de eleição para eleição, girando em torno de 600 deputados;

b) o Conselho Federal (Bundesrat) é o órgão de representação dos Estados. Seus membros são nomeados (e destituíveis) pelos governos estaduais, em número proporcional à população[11].


O sistema eleitoral é o distrital misto, no qual o eleitor tem dois votos simultâneos: o primeiro em uma eleição pelo sistema majoritário, realizada no âmbito de cada circunscrição eleitoral, e o segundo dado a um partido, em lista fechada, em uma eleição proporcional[12]. O processo legislativo ordinário normalmente envolve a aprovação de um projeto pelo Parlamento Federal e a revisão pelo Conselho Federal, embora não seja incomum o surgimento de tensões nas relações entre ambos. O processo de emenda à Lei Fundamental exige maioria de 2/3 (dois terços) em ambas as casas. São cláusulas pétreas: a divisão da Federação em estados, a participação dos mesmos na produção legislativa federal e o elenco de direitos fundamentais constante dos artigos 1 e 20 (LF, art. 79, 2 e 3). O sistema é multipartidário, com proeminência de duas agremiações: o SPD (Sozialdemokratische Partei Deutschlands) e a CDU/CSU (Christlich Demokratische Union/ Christlich Soziale Union, esta última restrita à Baviera). Normalmente, nenhum deles obtém maioria suficiente para governar sozinho, impondo-se a necessidade de formarem coalizões.

O Poder Executivo na Alemanha é dual, como é próprio dos sistemas parlamentares. Pela mesma razão, a separação entre o Executivo e o Poder Legislativo é mais tênue do que a existente nos sistemas presidenciais, já que a chefia de governo é exercida pela facção majoritária no Parlamento. O Poder Executivo na Alemanha divide-se entre:

a) O presidente da República (Bundespresident), eleito para um mandato de 5 anos, indiretamente, pela Assembleia Nacional (Bundesversammlung), que se reúne unicamente para esse fim e é composta por todos os membros do Bundestag e por igual número de representantes escolhidos pelos Estados. O presidente exerce as funções típicas de chefe-de-Estado, como representar o país nas relações externas, acreditar diplomatas, nomear juízes e outras autoridades;

b) o governo federal (Bundesregierung), composto pelo primeiro-ministro ou chanceler federal (Bundeskanzler) e pelos ministros do seu gabinete, nomeados e destituídos pelo presidente mediante proposta do chanceler. O primeiro ministro é eleito pelo Parlamento, por proposta do presidente. O governo federal conduz a política interna, exercendo todas as competências atribuídas ao ente central. Tanto o Chanceler quanto os ministros são responsáveis politicamente diante do Parlamento.

Quanto ao Poder Judiciário, a Constituição assegura a independência dos juízes, submetidos apenas à Lei e ao Direito (LF, art. 97), embora a supervisão administrativa do Poder Judiciário seja exercida primariamente pelo Ministério da Justiça, no plano federal e nos estados. A regra geral, extraída da Constituição e reproduzida em lei federal é a competência estadual, quer na chamada jurisdição comum, quer nas Justiças especializadas (Administrativa, Financeira, Trabalhista, Social). No entanto, a própria Constituição estrutura cinco tribunais federais superiores, encarregados da uniformização das decisões em cada uma das áreas em que se divide a jurisdição. São eles:

— o Tribunal Federal (Bundesgerichtshof)

— o Tribunal Federal Administrativo (Bundesverwaltungsgericht)

— o Tribunal Federal Financeiro (Bundesfinanzhof)

— o Tribunal Federal Trabalhista (Bundesarbeitsgericht)

— o Tribunal Federal Social (Bundessozialgericht)

O controle de constitucionalidade é exercido de forma concentrada. No plano federal, pelo Tribunal Constitucional Federal (Bundesverfassungsgericht), cujos membros são nomeados, em igual proporção, pelo parlamento e pelo Conselho Federal; nos estados, pelos Tribunais ou Cortes Constitucionais estaduais(Landesverfassungsgerichte). Antes de passar ao estudo do papel da corte constitucional no sistema alemão, faz-se um registro acerca dos direitos fundamentais.

A Constituição alemã enuncia os direitos fundamentais logo em sua abertura, com foco nos tradicionais direitos de liberdade, como a inviolabilidade corporal, de locomoção, liberdade de expressão e consciência, dentre outros. O artigo 1º diz respeito à proteção da dignidade da pessoa humana, definida como intangível (“unantastbar”). O termo foi escolhido propositalmente e difere do adjetivo que qualifica os direitos fundamentais de forma geral, ditos invioláveis (“unverletzlich”). O objetivo é destacar a especial proteção conferida à dignidade humana, que não poderia ser objeto de restrições[13]. Não há previsão clara de direitos sociais, mas a sua existência tem sido reconhecida, sobretudo com base na cláusula do Estado Social[14], aliada à eficácia irradiante dos direitos fundamentais e à teoria dos deveres de proteção[15]. Em certas áreas, como educação, existe a previsão da atuação do Estado, reputando-se a atividade privada como claramente subsidiária e dependente de aprovação e supervisão estatal.

A existência do Tribunal Constitucional Federal é prevista expressamente na Lei Fundamental (art. 92), que institui algumas de suas competências (art. 93) e disciplina sua composição (art. 94). Sua estrutura, no entanto, é detalhada pela Lei Federal de 12.03.1951, que constitui a Lei Orgânica do Tribunal (BVerfGG)[16]. Lei federal pode atribuir outras competências para a corte, além das que figuram na Lei Fundamental, sendo que as regras procedimentais de atuação junto a ela foram estabelecidas por lei datada de 15.12.1986. O tribunal não funciona como corte de cassação ou revisão das decisões dos tribunais inferiores. Sua atuação se restringe à jurisdição constitucional, não lhe cabendo a interpretação ou aplicação do direito infraconstitucional aos casos concretos[17].

O Tribunal Constitucional é dividido em 2 “Seções” (Senate)[18], compostas, cada uma, por 8 juízes. Tais Seções dividem as matérias de competência do Tribunal Constitucional, nos termos da sua Lei Orgânica(BVerfGG). Quando houver divergência de entendimento entre as Seções, a decisão deverá ser proferida pelo Plenário (§16, BVerfGG). Há certa flexibilidade quanto à possibilidade de modificação das competências, em razão de eventual excesso de processos em alguma das duas Seções, o que se fará por meio de decisão do Plenário (§14, BVerfGG). Cada Seção ainda deliberará sobre a formação de Câmaras (Kammern), compostas por 3 juízes (§15a.1, BVerfGG). Uma de suas atribuições é fazer o exame de admissibilidade da remessa ao Tribunal Constitucional das questões constitucionais e das queixas constitucionais. A subdivisão em Câmaras é um importante mecanismo de “barragem” dessas vias de acesso ao Tribunal, em que se concentra grande parte do seu trabalho[19].

As principais competências do Tribunal Constitucional Federal alemão incluem:

a) o controle abstrato de constitucionalidade, que tem por objeto a discussão em tese de norma federal ou estadual impugnada em face da Lei Fundamental. A legitimação para suscitar essa modalidade de controle é extremamente restrita, limitando-se ao governo federal, aos governos estaduais e a pelo menos 1/3 (um terço) dos membros do Parlamento. O controle abstrato tem sido utilizado com parcimônia na prática constitucional alemã;

b) o controle concentrado de constitucionalidade. Na Alemanha, ao contrário do que ocorre no Brasil, o controle de constitucionalidade em relação à Lei Fundamental é concentrado em uma corte constitucional. Assim, caso qualquer juízo ou tribunal, no exame de um caso concreto, admita a argüição de inconstitucionalidade de uma lei federal, deverá suspender o processo e encaminhar a questão constitucional para ser decidida pelo Tribunal Constitucional Federal;


c) o julgamento da queixa constitucional (Verfassungsbeschwerde), notadamente nas questões envolvendo violação de direitos fundamentais por autoridade pública. Podem ser impugnados por essa via decisões judiciais, administrativas e até atos legislativos. A maior parte dos pedido é apresentada contra decisões de tribunais. A queixa constitucional responde pela grande maioria dos casos apreciados pelo Tribunal Constitucional Federal alemão.

Nos últimos anos, com a retração da Suprema Corte americana, fruto de uma postura mais conservadora e de autocontenção, o Tribunal Constitucional Federal alemão aumentou sua visibilidade e passou a influenciar o pensamento e a prática jurisprudencial de diferentes países do mundo. Muitas de suas técnicas de decisão passaram a ser utilizadas por outros tribunais, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro[20]. Decisões do Tribunal Constitucional Federal são referidas e comentadas em todo o mundo, dentre as quais o caso Lüth, o caso Lebach, o caso Mephisto, os dois casos sobre a legalização do aborto e o caso do Crucifixo[21].


[1] Este texto é adaptado do meu livro Curso de direito constitucional contemporâneo. Sua elaboração beneficiou-se amplamente de pesquisa realizada por Eduardo Mendonça, no âmbito do Grupo de Pesquisa Institucional por mim coordenado no Programa de Pós-Graduação em Direito Público da UERJ, no ano de 2005, sob o título “Experiências Constitucionais Contemporâneas”. As traduções do alemão para o português, constantes das notas de rodapé, são de sua autoria.

[2] V. Reinhold Zippelius, Kleine deutsche Verfassunsgeschichte – Von frühen Mittelalter bis zur Gegenwart, 1994; Konrad Hesse, Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha, 1998; Gilmar Mendes, Jurisdição constitucional, 1999; Jürgen Schwabe, Cincuenta años del Tribunal Constitucional Federal alemán, 2003; Klaus Stern, Das Staatsrecht der Bundesrepublik Deutschland, 2000; Vogel, Maihofer e Benda, Handbuch des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland, 1994; Battis e Gusy, Einführung in das Staatsrecht, 1991.

[3] A Guerra dos Trinta Anos terminou com a vitória dos príncipes alemães protestantes sobre o Imperador Ferdinando II, que pretendia impor novamente a religião católica a todo o império. O Tratado de Westfalia é apontado por diversos autores como o marco inicial do Estado moderno.

[4] “Lei relativa à Constituição do império alemão” (Gesetz betreffend die Verfassung des deutschen Reiches).

[5] A rendição alemã foi assinada em 20.10.1918. Dias depois, em 28.10.1918, a Constituição foi alterada para retirar, na prática, os poderes do imperador. Em 7.11.1918, o imperador foi obrigado a fugir e sua dinastia foi declarada destituída.

[6] Ilustrativamente, v. Henry Kissinger, Diplomacia, 1999, p. 275: “Só em 1921 – dois anos após a assinatura do Tratado de Versailles – chegou-se a um número para as reparações. E era absurdamente alto: 132 bilhões de goldmarks (cerca de 40 bilhões de dólares, o que representa 323 bilhões, em valores de 1994), importância que exigiria pagamentos alemães pelo resto do século. Como era de se prever, a Alemanha alegou insolvência; mesmo se o sistema financeiro internacional pudesse acomodar uma transferência de recursos tão grande como esta, nenhum governo democrático alemão sobreviveria se concordasse com ela”.

[7] A culpa exclusiva da Alemanha foi formalmente consignada no art. 231 do Tratado de Versailles, que causou revolta na Alemanha e veio a ser utilizado por Hitler para mobilização popular: “Os aliados e os governos a eles associados esclarecem, e a Alemanha reconhece, que a Alemanha e seus aliados são responsáveis como autores por todas as perdas e danos sofridos pelos aliados, pelos governos associados e pelos cidadãos dos mesmos em razão da guerra a que foram forçados pela agressão da Alemanha e de seus aliados”.

[8] Art. 2º: “As leis imperiais aprovadas pelo governo imperial podem divergir da Constituição imperial, desde que não tenham por objeto a instituição do parlamento e do conselho imperiais. Os direitos do Presidente do Império permanecem intocados”. Como se sabe, tais limitações foram posteriormente superadas na prática. Ainda em 1933 os nazistas provocam o incêndio do Parlamento, atribuído a comunistas, como pretexto para fechá-lo. Em 1934, com a morte de Hindemburg, Hitler unifica a chancelaria e a presidência, auto-intitulando-se Führer (líder/guia).

[9] Emenda de 24.06.68 acrescentou as partes X-A, relativa à decretação de Estado de Defesa em razão de agressão ou iminência de agressão externa, e IV-A, sobre o funcionamento de um Comitê Conjunto para acompanhar a execução do Estado de Defesa. Tal órgão é composto por membros provenientes do Parlamento Federal e do Conselho Federal, na proporção de 2/3 e 1/3, respectivamente. Emenda de 12.05.69 acrescentou o título VIII-A, intitulado “Tarefas Coletivas”, nas quais se prevê um regime especial de cooperação entre o ente central e todos os entes locais para a consecução das tarefas de interesse geral que enumera.

[10] Lei Fundamental, art. 79.

[11] Lei Fundamental, art. 51, 2: “Cada Estado tem pelo menos três votos, os Estados que possuem mais de dois milhões de habitantes têm quatro, os que contam com mais de seis milhões de habitantes têm cinco, aqueles com mais de sete milhões de habitantes têm seis”.

[12] Esse segundo voto servirá para calcular a proporção em que as cadeiras serão distribuídas entre os partidos que houverem ultrapassado a cláusula de barreira, fixada em 5% dos votos válidos. Os candidatos eleitos com o primeiro voto, majoritário, têm direito ao mandato ainda que seus partidos não tenham obtido número suficiente de cadeiras. Isso faz com que o número de parlamentares seja variável.

[13] Não é o caso de ingressar, aqui, na complexa discussão teórica acerca da possibilidade de que a dignidade da pessoa humana seja objeto de ponderação com outros elementos constitucionalmente protegidos. Sobre o tema e o signficado da dignidade humana na ordem constitucional alemã, como instrumento de reconstrução moral do Estado após o período nazista, v. Dieter Grimm, A dignidade humana é intangível, Revista de Direito do Estado n.19/20, 2012.

[14] Nesse sentido, reconhecendo que o constituinte alemão conscientemente deixou de prever direitos a prestações positivas do Estado – à exceção do direito das mães à proteção e amparo da sociedade – mas consagrou diversos elementos objetivos que abrem espaço para uma interpretação voltada à garantia de um patamar mínimo de igualdade fática, v. Robert Alexy, Teoria de los derechos fundamentales, 1997, p. 420-21.

[15] Sobre as origens e fundamentos da teoria do dever de proteção na Alemanha, v. Dieter Grimm, A função protetiva do Estado. In: Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento (coords.), A constitucionalização do Direito – Fundamentos teóricos e aplicações específicas, 2006, pp. 149-165.  

[16] A Lei Fundamental prevê que os membros do TCF são eleitos, metade pelo Parlamento Federal, metade pelo Conselho Federal. Já a Lei Orgânica prevê que serão 16 (dezesseis) os juízes e que terão um mandato de 12 anos.

[17] V. Gilmar Ferreira Mendes, Jurisdição constitucional, 1999, p. 14; Jutta Limbach, Función y significado del recurso constitucional en Alemania, Cuestiones Contitucionales 3:67, 2000, p. 75; Peter Häberle, El recurso de amparo en el sistema germano-federal de jurisdicción constitucional. In: Domingo Garcia Belaunde e Francisco Fernández Segado. La jurisdicción constitucional en Iberoamerica, 1997, p. 251-2; Leonardo Martins, Introdução à jurisprudencia do Tribunal Constitucional Federal alemão. In: Jürgen Schwabe, Cinqüenta anos de jurisprudencia del Tribunal Constitucional Federal Alemán (vários tradutores), 2005, p. 36.

[18] A tradução literal de Senat é Senado. Contudo, como a palavra Senado, na língua portuguesa, assume significado completamente diverso, preferiu-se aqui adotar como sinônimo o termo “seção”, em analogia à estrutura do Superior Tribunal de Justiça brasileiro.

[19] V. Peter Häberle, El recurso de amparo en el sistema germano-federal de jurisdiccion constitucional. In: Domingo Garcia Belaunde e Francisco Fernández Segado. La jurisdiccion constitucional en Iberoamerica, 1997, p. 265.

[20] Como, por exemplo, a interpretação conforme a Constituição, a declaração de nulidade sem redução de texto, a declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade e o apelo ao legislador.

[21] Para uma exposição sistemática das principais decisões do Tribunal Constitucional Federal alemão, v. Donald P. Kommers, The constitucional jurisprudence of the Federal Republic of Germany, 1997 e Jürgen Schwabe (org.), Cincuenta años de jurisprudencia del Tribunal Constitucional Federal Alemán (vários tradutores), 2005. 

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    é advogado, professor titular de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Mestre em Direito pela Universidade de Yale. Doutor e Livre-docente pela UERJ. Professor Visitante da Universidade de Brasília (UnB), da Universidade de Poitiers (França) e Universidade de Wroclaw (Polônia). Visiting Scholar, Universidade de Harvard (2011).

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