Jogo eleitoral

Conselheiro acusa OAB de afastá-lo por retaliação

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29 de janeiro de 2013, 16h58

Às vésperas da eleição para a Presidência do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, uma decisão política afastou do mandato o conselheiro Danilo Mota por um único motivo: ele declarou voto no candidato Marcus Vinícius Furtado Coêlho. É o que sustenta o conselheiro afastado. “É perceptível que o aspecto político está sendo utilizado como forma de retaliação. É uma tentativa de me impedir de votar porque declarei voto em Marcus Vinícius. Uma atitude lamentável, vergonhosa”, afirma Danilo Mota.

Eleito conselheiro federal titular pela seccional do Ceará, Mota foi notificado da decisão que o coloca na condição de suplente, que não tem direito a voto, nesta segunda-feira (28/1), três dias antes das eleições para a escolha da chapa que dirigirá a OAB nos próximos três anos. Ele foi afastado por decisão do conselheiro Manoel Bonfim, da bancada de Tocantins. A bancada do estado apoia a candidatura do adversário de Coêlho, Alberto de Paula Machado.

Internamente, as eleições para o comando nacional da Ordem estão acirradas e vêm reproduzindo as mesmas práticas das disputas políticas tradicionais (clique aqui para ler sobre os bastidores da disputa). Mas, agora, a contenda irá desaguar no Judiciário. É que o ex-presidente da OAB nacional, Ernando Uchôa Lima, anunciou a disposição de entrar, ainda nesta terça-feira (29/1), com ação na Justiça Federal para tentar reverter a decisão que suspendeu o mandato de Danilo Mota.

Uchôa Lima afirma que decidiu advogar na causa de Mota por estar “estarrecido” com a decisão que transformou o conselheiro em suplente. “Tudo está sendo feito de maneira secreta, à base de traições”, afirma o ex-presidente do Conselho Federal. “Essas ações depõem contra a nossa história na Ordem. São graves ofensas não a este ou àquele conselheiro, mas ao próprio Estatuto da Advocacia. Daí minha responsabilidade de tomar essa providência, como membro honorário vitalício da casa”, reforça.

O advogado de Mota afirma que a decisão de Manoel Bonfim é “teratológica” e contrária ao que o próprio conselheiro de Tocantins havia decidido cerca um mês antes — na época, a chapa com Alberto de Paula Machado ainda não estava formada. Segundo Uchôa Lima, na primeira decisão Bonfim fez “um estudo minucioso, praticamente entrando no mérito da questão e deu razão ao Danilo”. Depois, continua o advogado, “surpreendentemente mudou de ideia ao julgar embargos de declaração, sem sequer ouvir a outra parte”. Ele classificou o fato como “inédito na história da Ordem”.

Direito de voto
Entre a primeira e a segunda decisão de Manuel Bonfim, o conselheiro Danilo Mota conta ter recebido uma ligação do tesoureiro nacional da OAB, Miguel Cançado, candidato a vice-presidente na chapa de Machado. O tesoureiro é também presidente da 3ª Câmara do Conselho Federal, a quem compete decidir os recursos relativos à estrutura, aos órgãos e ao processo eleitoral da OAB.

De acordo com o relato de Danilo Mota, no telefonema, Miguel Cançado perguntou se, no Ceará, já estaria todo mundo fechado com o Marcus Vinícius. "Eu disse a ele que, realmente, essa decisão já era antiga e que já estaria definida a posição do Ceará de apoio ao Marcus”, conta o conselheiro.

Segundo Mota, Cançado lhe perguntou se, ainda assim, poderia se reunir com os conselheiros cearenses em um almoço ou jantar para conversarem sobre as eleições. Mota, então, disse que seria bem recebido, mas que seria difícil haver uma mudança de posicionamento. Ou seja, o apoio dos três conselheiros a Furtado Coêlho estava fechado. Ainda segundo Mota, não houve o almoço. Algum tempo depois, ele teve o mandato suspenso por conta de recurso apresentado por seu adversário, Mário Baratta e julgado procedente por Manoel Bonfim.

De acordo com Ernando Uchôa Lima, há, ao menos, duas irregularidades flagrantes na segunda decisão de Manoel Bonfim. A primeira é a usurpação de competência do colegiado da 3ª Câmara. Isso porque agravo regimental contra decisão monocrática teria de ser julgado por todos os membros da Câmara. No caso, Bonfim converteu o agravo em embargos de declaração, e decidiu sozinho.

A segunda irregularidade, segundo o advogado, é que para modificar frontalmente a decisão anterior por meio de embargos de declaração é necessário notificar e ouvir a parte contrária, de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Danilo Mota não foi ouvido.

Titular e suplente
Danilo Mota foi registrado como conselheiro federal titular representando a seccional do Ceará na chapa liderada por Valdetário Monteiro, que foi reeleito no dia 19 de novembro. Dias antes das eleições, seu nome foi substituído pelo do conselheiro Mário Baratta. Mota ficou como suplente e Baratta como titular.

Danilo Mota recorreu então à Comissão Eleitoral da própria seccional, que lhe devolveu o cargo de titular ao considerar irregular a substituição, já que a chapa já havia sido registrada no Diário da Justiça. Neste caso, segundo as regras da OAB, haveria apenas três possibilidades que justificariam seu afastamento: inelegibilidade, morte ou desistência. Ele não se encaixa em nenhuma das três.

Mário Baratta, então, recorreu ao Conselho Federal da OAB. Sustentou que a Comissão Eleitoral da OAB-CE encerrou os trabalhos no dia 19 de novembro, com a declaração do resultado das eleições. Como a decisão que devolveu o cargo de titular a Mota foi tomada depois dessa data, seria nula.

O processo foi distribuído à 3ª Câmara, responsável por julgar as questões eleitorais da Ordem. Miguel Cançado, o presidente da Câmara, distribuiu o processo a Manoel Bonfim. Na primeira decisão (clique aqui para ler), Bonfim manteve o posicionamento da Comissão Eleitoral do Ceará e afirmou que ela tinha legitimidade para decidir o caso.

“Não vislumbro qualquer vício capaz de macular de nulidade a decisão fustigada pelo motivo de que a Comissão Eleitoral não mais teria competência ou legitimidade para tal, pelo simples fato de haver declarado o encerramento seus trabalhos. Pelo contrário, incide sobre a Comissão Eleitoral, tenha ou não cumprido sua missão, o poder-dever de rever seus próprios atos, mormente quando violados o principio da legalidade e da legitimidade do ato revisto. Do contrário, macularia o sistema de grave insegurança jurídica”, decidiu Bonfim, em 24 de dezembro de 2012.

Já na segunda decisão (clique aqui para ler), tomada em 25 de janeiro, o relator decidiu que a Comissão Eleitoral não poderia ter decidido em favor de Mota: “A prática do último ato de suas atribuições exaure por completo a sua existência”. Segundo Bonfim, após o encerramento dos trabalhos da Comissão Eleitoral, “todos os questionamentos somente podem ser dirigidos ao Juízo Eleitoral que a designou ou ao Tribunal Regional Eleitoral”. O conselheiro também afirmou que “encerradas as atribuições da Comissão Eleitoral a reforma de seus atos somente poderia ser dirigida ao Conselho Seccional ou à 3ª Câmara, no caso de impedimento daquele”.

Para o conselheiro Danilo Mota, não há outra explicação para a mudança de decisão, senão uma retaliação por ele ter declarado seu voto em Furtado Coêlho. “Eu recebi em primeira mão o comunicado (da decisão favorável) pelo Dr. Alberto. Ele me telefonou e disse que teria sido indeferido o recurso de quem pretenderia ocupar o meu lugar”, conta Mota. Depois, diz que foi notificado por e-mail da decisão contrária à primeira sem nenhum fato novo para a mudança.

Lisura eleitoral
Procurado pela revista Consultor Jurídico, o tesoureiro da OAB, Miguel Cançado, afirmou que não praticou qualquer ato no processo que levou ao afastamento de Mota da condição de conselheiro titular. “O processo foi distribuído por mim muito antes de pensar em qualquer candidatura. Efetivamente, não cometi qualquer irregularidade e conduzi a questão com a mesmo lisura que marcou meu trabalho na OAB”, afirmou Cançado.

O tesoureiro disse que refuta qualquer dedução ou imputação e que é necessário provar que ele trabalhou para prejudicar alguém. “Tive atuação absolutamente transparente e não sou o relator do referido processo. O relator responde pelos seus atos”, respondeu.

Cançado confirmou que ligou para Danilo Mota para informar que iria à posse da diretoria da seccional da OAB do Ceará: “Como, de fato, fui. E, lá, conversei sobre política com os conselheiros com a mais absoluta lisura”.

Ainda de acordo com o tesoureiro, o fato de a primeira decisão tomada por Manoel Bonfim datar de 24 de dezembro mostra que ele não foi designado relator, antes, por ser do estado de Tocantins, já que na ocasião as chapas não estavam registradas e o tesoureiro ainda não havia pensado em se candidatar a vice-presidente. Nem sequer sabia se integraria alguma chapa. “Respeito o conselheiro Danilo Mota e espero que ele me respeite”, concluiu.

Já o conselheiro federal Manoel Bonfim atribui ao momento político que a Ordem vive a conotação política colada à sua decisão. Bonfim lembrou que sua decisão diz respeito apenas ao juízo de admissibilidade e apreciação de pedido preliminar, cabendo ainda à 3ª Câmara confirmar ou reformar o entendimento. “Em termos de disputa política, é conveniente colocar meu voto sob suspeita. Nesse contexto, é normal ele (Danilo Mota) dizer que foi uma decisão política, assim como o outro (Mário Baratta) deve ter dito a mesma coisa na ocasião da primeira decisão, antes de eu reconsiderar”, disse.

“Esse argumento é uma tentativa de justificar a contrariedade. Estamos vivendo um momento político extremamente significativo. Com certeza, na hora que a emoção arrefecer, o Danilo vai poder verificar que a decisão foi técnica. Danilo é um excelente conselheiro e um advogado brilhante”, disse Bonfim à ConJur.

O conselheiro afirma que quando decidiu a favor de Danilo Mota na primeira ocasião já conhecia a posição política do colega em relação à eleição nacional e que, nos Embargos de Declaração, percebeu que havia cometido um erro ao entrar no mérito do direito sem antes se ater à questão de que a Comissão Eleitoral da OAB-CE já havia sido extinta e por isso não poderia reformar sua própria decisão.

“É possível que, no mérito, o Danilo tenha razão. Mas errei, no primeiro momento, porque entrei no mérito do direito material do Danilo quando eu deveria apreciar se a decisão foi proferida por um juízo competente. Só percebi isso nos Embargos de Declaração”, disse, afirmando ainda que a “contundência dos argumentos” deviam afastar qualquer iniciativa de colocar seu voto sob suspeita.

Ainda de acordo com Bonfim, “por ser um órgão temporário (a Comissão Eleitoral), quando encerrou suas atividades e lavrou sua ata, extinguiu também seus poderes. Seus atos não poderiam mais ser revistos pelo próprio órgão. Deveriam ser revistos por quem o nomeou, o Conselho Seccional do Ceará.  Quando Danilo entrou com o pedido de revisão, a comissão já havia sido extinta”, observou Bonfim.

O conselheiro lamenta que sua decisão seja vista como esforço de afastar Danilo Mota da eleição, para colocar alguém favorável à chapa de Alberto de Paula em seu lugar. Bonfim também respondeu às críticas sobre o fato de ter convertido o agravo regimental impetrado por Baratta em embargos de declaração e decidir sem ouvir as partes, mesmo com os efeitos modificativos de sua decisão.

“O agravo regimental é uma figura que não existe no âmbito da OAB. É uma medida para que o voto do relator seja ouvido pelo colegiado. No âmbito da OAB, quando a decisão é urgente, ela deve ser submetida ao referendo do próprio colegiado, por isso dispensa a figura do agravo regimental”, afirmou. “E aplicando o principio da fungibilidade, eu recebi o agravo regimental como embargos de declaração para sanar a omissão de não ter cuidado antes da preliminar da competência. É só se ater aos argumentos para perceber que reconsiderá-la (a decisão) não envolve qualquer influência política”, insistiu.

Apesar de reconhecer que o jogo político leva a estranhamentos e desentendimentos como esse, Bonfim lamentou que a questão seja levada à Justiça. “É uma decisão que pode ser revista. Lamento se forem mesmo judicializar. Matérias como essa, embora sejam de cunho processual, são matéria interna corporis. Deveriam ser resolvidas nas instâncias administrativas previstas pelo ordenamento”, lamentou.

O conselheiro de Tocantins também disse que seu voto será submetido à 3ª Câmara, que dirá se a decisão se sustenta ou não. “Aí então irão mandar citar as partes para poder apresentar o contraditório, seguindo assim a instrução  normal. Até aqui era questão de juízo de admissibilidade e apreciação de pedido preliminar. Nosso regimento não prevê audiência de justificação prévia nessa fase” afirmou.

“Fiz com dor no coração. Quero bem aos dois (Mota e Baratta).  Tenho uma história de nove anos no Conselho Federal e raramente tive uma decisão ou voto reformados”, reforçou. Sobre a crítica de que a decisão pode ser revista, mas até que seja tira das eleições o conselheiro Danilo Mota, que declarou voto em Marcus Vinicius, Bonfim afirma: “Essa matéria de competência é uma questão muito séria. Tive que enfrentá-la, pois estamos acima da política”.

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