Eleições na OAB

"Quero ser o último presidente eleito indiretamente"

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23 de janeiro de 2013, 8h00

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Candidato à presidência do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o advogado Alberto de Paula Machado, atual vice-presidente da entidade, argumenta que, embora a missão institucional da Ordem ultrapasse os interesses da advocacia, é a defesa das prerrogativas do advogado sua razão de ser. Machado sustenta que as manifestações públicas feitas pelo presidente da OAB sobre os mais variados temas da vida da República devem ser restritas àqueles assuntos “referenciais”, cuja pertinência esteja estritamente relacionada à manutenção do Estado Democrático de Direito.

Em entrevista à revista Consultor Jurídico, Alberto de Paula Machado, que disputa a sucessão com atual secretário-geral da OAB, Marcus Vinícius Furtado Coêlho, defendeu a realização de eleições diretas para a presidência do Conselho Federal da entidade. “Eu quero ser o último presidente eleito pelo atual sistema. Propostas não podem ficar sendo debatidas apenas no universo de 81 pessoas. A advocacia brasileira tem interesse em discutir o que pensa o futuro presidente nacional da OAB”, afirma Machado, que presidiu a seccional paranaense da Ordem no triênio 2007-2009.

A despeito do favoritismo do adversário Furtado Coêlho, que tem o apoio declarado de 22 seccionais, Machado fez questão de afirmar que o apoio formal à candidatura para viabilizar o registro da chapa é diferente do apoio político em si. “O apoio político é outra coisa. Há seccionais em que o presidente pode apoiar um candidato, mas dois conselheiros federais apoiarem outro. O importante é que a disputa seja travada com base em ideias, sem procurar unidade de modo artificial”, disse à ConJur, em oportunidade anterior, por ocasião do registro de sua chapa no último dia do ano passado.

Há 15 anos, a eleição para presidir o Conselho Federal da OAB não era disputada. Os últimos cinco presidentes da Ordem foram eleitos sem concorrência, por meio de chapa única. As eleições serão disputadas no dia 31 de janeiro.

À frente da chapa “OAB Ética e Democrática”, o candidato defende a linha de pensamento predominante na própria Ordem, de que a vocação singular da advocacia como atividade profissional justifica que seu exercício seja resguardado de influências comuns a demais atividades empresariais. O fato de a advocacia, no Brasil, “não ser uma atividade meramente comercial”, observa Machado, autoriza normas que vedem, por exemplo, a publicidade de serviços advocatícios ou limitem a abertura do mercado à concorrência estrangeira. Normas e restrições que, em outros segmentos, podem soar injustificáveis, mas que, na advocacia, asseguram a integridade da conduta do advogado, agente central da estabilidade institucional e democrática.

“O advogado deve ser reconhecido pela qualidade dos seus serviços e não por uma estratégia de propaganda ou de marketing”, afirmou. Machado diz que pretende solicitar ao Ministério da Educação maior efetividade no cancelamento de cursos de Direito que não observem os pré-requisitos técnicos para funcionarem, bem, com, por exemplo, o congelamento da abertura de novas vagas. Para o candidato, os pareceres da OAB sobre cursos de Direito devem passar a ter força vinculativa no Ministério da Educação, a fim de garantir a qualidade do ensino jurídico no Brasil.

Leia a entrevista:

ConJur — Qual é o principal papel da OAB hoje?
Alberto de Paula Machado — São vários os papéis da OAB. Eu destacaria três principais. O primeiro é defender a advocacia como atividade essencial ao próprio Estado Democrático de Direito. Essa característica da profissão do advogado é elencada pela própria Constituição Federal como essencial à administração da Justiça e, portanto, decisiva para a manutenção de um dos poderes da República. A segunda missão é defender o aprimoramento da Justiça. O terceiro papel que reputo também entre os principais é a defesa do próprio Estado Democrático de Direito, e com essa expressão eu abranjo o funcionamento do Estado e a democracia brasileira.

ConJur — Advogados, principalmente criminalistas, têm reclamado do fato de a OAB estar confundindo seu papel com o do Ministério Público. Em vez de garantir as prerrogativas dos advogados que defendem acusados de crimes, parte para o ataque contra seus clientes. O caso do governador do Distrito Federal José Roberto Arruda, em que a OAB fez campanha pela derrubada e prisão do governador, é sempre lembrado como paradigma dessa inversão de papéis. O que o senhor pensa sobre isso?
Machado — A OAB deve atuar firme e objetivamente na defesa das prerrogativas. Não adianta ficar apenas no discurso, é preciso atuar na defesa do advogado comum. Quando fui presidente da OAB do Paraná, criei um sistema profissional de defesa das prerrogativas. Implantamos o atendimento profissional, com advogado contratado apenas para atuar nos casos de ocorrências de desrespeito e violação das prerrogativas. Todas as reclamações dos advogados são lavradas em um livro de ocorrências, assim como deve ser registrada também a providência adotada em cada caso. Temos que adotar esse sistema profissional em nível nacional, porque são inúmeras as violações ocorridas no Brasil. Não só no Supremo, no STJ, acontece também em uma Vara cível do interior de Minas, no interior do Paraná, no interior do Piauí e no Ceará.

ConJur — Nos casos de escândalos da República, qual deve ser o papel da OAB?
Machado — Muitas vezes pode ocorrer um aparente conflito entre a tese defendida pela OAB e a do advogado que está atuando na causa. Mas basta lembrarmos que a OAB é subscritora do impeachment do ex-presidente Fernando Collor, quando havia, naturalmente, do outro lado, um advogado de defesa representando Collor. No entanto, havia o entendimento de que cabia à OAB exercer o papel de subscrever o pedido de impedimento do presidente da República.

ConJur — Por que a OAB não presta contas ao TCU como todos os demais conselhos profissionais?
Machado — A OAB não é uma entidade congênere de outros conselhos profissionais. Ela tem características próprias, e isso já foi dito, mais de uma vez, pelo Supremo Tribunal Federal. O próprio TCU decidiu, em 2003, quando a presidência nacional [da OAB] era do Rubens Approbato Machado, que a Ordem, pelas suas características especiais, não se submeteria ao crivo do Tribunal de Contas. O ministro Marco Aurélio, quando apreciou a questão da constitucionalidade do Exame de Ordem, também se manifestou a respeito da natureza jurídica da OAB. Fundamentalmente, a OAB se distingue de outras entidades da sociedade civil, representativas de outras profissões, porque a sua missão extrapola os interesses da advocacia. Não é mero discurso político, na verdade, é o artigo 44 da Lei 8.906 que diz explicitamente que essa é uma atribuição da OAB.

ConJur — Então ela não pode se submeter ao Estado porque tem que fiscalizá-lo?
Machado — Fiscaliza o Estado, critica o Estado e é porta-voz da sociedade civil.

ConJur — O senhor é a favor de eleições diretas para o Conselho Federal da OAB?
Machado — Defendo que os advogados devem ser consultados sobre qual o sistema eleitoral entendem ser mais adequado, se é o atual sistema, ou se é através de uma eleição direta para a presidência da OAB. Recentemente, dei uma entrevista e o repórter perguntou: “O senhor propõe o plebiscito, e, como advogado, como o senhor vota no plebiscito?”. E eu fui muito claro e objetivo dizendo que votava favoravelmente às eleições diretas.

ConJur — O senhor, então, é favorável às eleições diretas?
Machado — Sim.

ConJur — E o senhor vai propor esse plebiscito se for eleito presidente?
Machado — Já consta em meu programa de campanha, distribuído a todos os conselheiros federais. Nós não podemos fugir da discussão, devemos enfrentá-lo diretamente. Eu quero ser o último presidente eleito pelo atual sistema. O atual sistema não é bom.

ConJur — Por quê?
Machado — Não é bom porque temos que ampliar o debate político em torno das propostas dos candidatos. Essas propostas não podem ficar sendo debatidas apenas no universo de 81 pessoas. A advocacia brasileira tem interesse em discutir o que pensa o futuro presidente nacional da OAB. Quais são os temas que para os advogados brasileiros deve ser prioritários na pauta do Conselho Federal. E para que isso ocorra é fundamental que os advogados participem do processo de escolha.

ConJur — O Exame de Ordem é alvo de diversos projetos de lei no Congresso Nacional. Alguns querem a sua extinção, outros o modificam de maneira bastante profunda. Por que o Exame de Ordem é necessário?
Machado — O Exame de Ordem é necessário porque nós temos que ter a responsabilidade de garantir que o advogado só entre no mercado de trabalho se possuir as condições mínimas para o exercício da profissão. Com isso, nós estamos protegendo o cidadão, que será atendido por um advogado capaz de responder à demanda judicial, capaz de propor a sua ação, de defender o cliente em torno de algum assunto de seu interesse. 

ConJur — A questão é assegurar institucionalmente a qualidade no nível técnico do advogado?
Machado — Sim. Não temos um curso que forma advogados. Temos um curso de Direito que forma bacharel em Direito. Esse bacharel em Direito tem possibilidade de ampla atuação no mercado de trabalho. Pode atuar futuramente como juiz, pode atuar como membro do Ministério Público, pode atuar como delegado de Polícia. Enfim, são várias as atividades que podem ser exercidas pelo bacharel em Direito. O advogado tem que ter determinado conhecimento técnico e típico para o exercício dessa profissão, e o modo como esse conhecimento é aferido é através do Exame de Ordem.

ConJur — A formação acadêmica não dá conta disso?
Machado — Temos a questão da proliferação de cursos de Direito no Brasil, o que fez inegavelmente com que a qualidade do ensino jurídico seja prejudicada. Há inequívoco prejuízo na formação de muitos bacharéis em Direito e, por isso, o Exame se torna indispensável para o bom exercício da profissão.

ConJur — O que a OAB pode fazer ou o que o senhor pretende fazer em relação a essa proliferação das faculdades de Direito e em relação ao aperfeiçoamento da qualidade do ensino jurídico?
Machado — Penso atuar em duas frentes. Em uma delas, estreitar o diálogo que já é feito com o Ministério da Educação no sentido de que não sejam criados mais cursos de Direito. E que também sejam canceladas as vagas de cursos existentes que não estejam atendendo as exigências técnicas do Ministério da Educação. A outra forma seria levar essa questão ao Poder Judiciário, porque educação é atividade de Estado, portanto é dever do Estado exercer a fiscalização. Ou seja, não debatê-las apenas no âmbito da Ordem.

ConJur — O parecer que a Ordem emite recomendando ou desaconselhando determinados cursos já não vai nesse sentido?
Machado — Esse parecer tem que ter força vinculativa à decisão do Ministério da Educação. Nós já demonstramos, ao longo da história, o nível de responsabilidade que nós temos com esse tema, o que significa dizer que o veto da OAB, quando ocorre, é de modo fundamentado e criterioso.

ConJur — Muitos juízes, hoje, afirmam que o quinto constitucional se desvirtuou. No lugar de a OAB indicar os advogados mais experientes, usa o instituto para premiar amigos. É necessário mudar o sistema de escolha do quinto?
Machado — Eu reputo o quinto constitucional instituto da mais alta relevância, porque nós temos a oportunidade de levar ao Poder Judiciário advogados conhecedores das agruras da advocacia e do cidadão quando bate as portas do Poder Judiciário. Proponho uma discussão sobre o quinto constitucional para que possamos refletir sobre mecanismos de aprimoramento da escolha. Nós não podemos fugir do debate dessa questão. Chego a propor, na minha plataforma de trabalho, que, já no primeiro semestre, realizemos um seminário para discutirmos as propostas de aprimoramento do quinto constitucional.

ConJur — Que tipo de propostas?
Machado — A existência de mandatos para os membros do quinto constitucional à semelhança do que ocorre com os membros da nossa representação no Conselho Nacional de Justiça. A OAB escolheria diretamente o nome do desembargador para o quinto e ele teria um mandato a cumprir dentro do tribunal podendo ser renovado por mais uma vez ou não. Essa é uma das inúmeras propostas que estão sendo apresentadas e que eu estou tendo o cuidado de ouvir os vários conselheiros federais. Penso que a existência do quinto constitucional é tão importante que nós não podemos ficar acomodados, impedindo que esse sistema de escolha seja aperfeiçoado.

ConJur — Por que se gasta tanto nas eleições das seccionais se os cargos da OAB não são remunerados?
Machado — Fui presidente e sou conselheiro da seccional do estado do Paraná, onde as campanhas são reconhecidamente baratas e basicamente focadas em muitas visitas a escritórios de advocacia e telefonemas aos nossos colegas aliados, isso aliado a quase nenhum marketing. Eu ainda acho que esse é o melhor sistema. O sistema do contato direto. Por mais que os estados tenham muitos advogados, nós também temos muitos candidatos, portanto é possível fazer o maior número de visitas e contatos pessoais para apresentar a plataforma de trabalho, para que os eleitores conheçam os candidatos sem muita maquiagem, sem nenhum artífice político.

ConJur — O senhor é a favor de criar regras que restrinjam ou limitem a publicidade nas campanhas da OAB?
Machado — Já existem algumas regras e nós devemos aperfeiçoar o provimento que as criou. Nós experimentamos, nessa eleição, a adoção de normas que tinham claro o propósito de evitar abuso do poder econômico e excesso de gastos, mas ainda temos muito a aprimorar.

ConJur — A OAB já foi uma das mais respeitadas entidades da sociedade civil. Hoje não é sequer lembrada para compor, por exemplo, a Comissão da Verdade do governo federal. Isso seria impensável em outras épocas. A Ordem perdeu o prestígio?
Machado — O critério de escolha para a Comissão da Verdade é rigorosamente da Presidência da República. A OAB exerce e exerceu um papel decisivo independente de integrar ou não a comissão. Por exemplo, propusemos ações junto ao Supremo Tribunal Federal discutindo a lei de arquivos públicos justamente para se permitir o acesso pleno do cidadão a todas as informações catalogadas e referidas ao período militar. Em segundo lugar, nós estabelecemos as comissões da verdade, tanto no âmbito do Conselho Federal, quanto nas seccionais, que também trabalham para esclarecer nossa história sem qualquer tipo de vedação para resgatar os fatos importantes relativos à construção da democracia brasileira que passou por esse período nebuloso a época do regime militar.

ConJur — Advogados reclamam muitas vezes que a OAB anda falando sobre tudo. Criou–se até a figura folclórica do “comentarista-geral da União”, que falaria sobre qualquer coisa, dá opinião sobre os mais variados assuntos. De que forma o senhor pretende conduzir o papel institucional da Ordem em sua gestão?
Machado — A OAB deve reservar as suas opiniões para aqueles assuntos que realmente tenham repercussão nacional e para os quais a opinião da Ordem possa efetivamente ser decisiva. Existem aspectos que estão dentro das atribuições da OAB que nós não devemos nos omitir. Deixar de falar sobre reforma política, deixar de falar sobre a democracia brasileira, deixar de falar sobre o aprimoramento do Estado brasileiro seria omissão da OAB. Mas, de qualquer forma, é preciso ter critérios nas manifestações, especialmente com aquelas elas são referenciais para várias pessoas e para várias entidades do Brasil.

ConJur — Há movimentos no Congresso Nacional em torno de projetos de lei que atingem a OAB. Fim do Exame de Ordem, Ficha Limpa para a OAB, eleições diretas. Há um estranhamento com o Congresso?
Machado — As relações da OAB com o Congresso Nacional devem ser sempre pautadas pelo respeito. Nós temos que ter uma pauta permanente de diálogo com os deputados, o que não significa dizer que, em todos os momentos, a opinião do Congresso será a mesma opinião da Ordem dos Advogados do Brasil.

ConJur — Existe algum tema que o senhor acha que deve que ser discutido primeiro, que o senhor considera prioritário nesse diálogo com o Congresso?
Machado — Aqueles relativos à reforma tributária, à questão da legislação ambiental, da reforma política. Tenho a impressão que esses são os três temas que rotineiramente voltam à pauta e merecem a nossa atenção.

ConJur — Como o senhor vê a pressão pela abertura do mercado da advocacia brasileira para escritórios estrangeiros?
Machado — Com o crescimento da economia brasileira, há muito interesse internacional no mercado brasileiro. Nós devemos ter em conta, contudo, que a advocacia brasileira é regida por normas próprias. A OAB, há alguns anos, avançou no assunto da advocacia estrangeira quando editou um provimento que permite a atuação no Brasil de consultores em Direito estrangeiro. São advogados que, eventualmente, acompanham clientes internacionais com negócios no Brasil e que atuam restritamente na consultoria do Direito do seu próprio país. Foi um avanço significativo esse provimento, aprovado a época do presidente Reginaldo Oscar de Castro.

ConJur — Mas o debate foi retomado…
Machado — O debate rotineiramente volta ao Conselho Federal. Recentemente nós tivemos uma audiência pública discutindo a advocacia estrangeira, quando então o Conselho Federal reafirmou a atualidade e a pertinência das regras estabelecidas no provimento existente que disciplina a atividade do consultor em Direito estrangeiro. É preciso compreender que a advocacia no mundo tem características diferentes para cada país. Há países que admitem a advocacia como uma atividade nitidamente empresarial, atividade organizada numa sociedade de ações, em que não só advogados participam, como também empresas são acionistas de grandes bancas de advocacia. Essa característica não é a da advocacia brasileira.

ConJur — A OAB ainda veda publicidade de serviços advocatícios. Em um mercado cada vez mais competitivo, não está na hora de repensar essas regras?
Machado — A advocacia é uma profissão, e como profissão as pessoas sobrevivem dos seus rendimentos. Entretanto, a advocacia é uma profissão que tem, como já disse repetidas vezes, características especialíssimas, entre as quais a de que a profissão não se confunda como uma atividade comercial qualquer. A advocacia se submete a um código de ética, e esse código de ética, ao distinguir a advocacia de uma atividade comercial comum, acaba vedando determinadas condutas.

ConJur — Então, a advocacia não pode ser considerada uma atividade empresarial qualquer?
Machado — Exato. Algumas profissões abriram a possibilidade ou minimizaram as regras éticas, por exemplo, e isso fez mal a essas profissões, repercutindo em certa desfiguração, muitas vezes não sendo possível sequer distinguir quem é o profissional que presta o serviço. Pelo contrário, passamos a conhecer apenas uma marca, uma grande marca, e isso não me parece adequado ao perfil da advocacia.

ConJur — Professores dizem perceber em sala de aula, nos cursos de Direito, que a maioria dos estudantes está interessada em concursos. A advocacia privada está em crise? O profissional liberal é uma espécie em extinção?
Machado — O que houve nos últimos anos, especialmente a partir de 1988, foi um enorme crescimento de vagas no âmbito da Advocacia Pública, no âmbito das procuradorias, do próprio Poder Judiciário. Esse aumento de vagas de oferta e o aumento da remuneração atraíram muitas pessoas. Existe ainda um bom mercado para a advocacia de um modo geral. O que está a ocorrer é a modificação das áreas de atuação, dos níveis de especialização. Há muita gente hoje praticando advocacia não contenciosa, aquela consultiva, enfim, existem nichos que estão sendo gradativamente ocupados pelos novos advogados.

ConJur — E a situação do advogado empregado, que prefere trabalhar para um escritório do que empreender? A exemplo do que vem ocorrendo com outros ramos, faltam empreendedores na advocacia? Hoje se fala em proletarização da profissão do advogado. Onde entra a OAB nisso?
Machado — Em primeiro lugar, a advocacia é distinta nas várias regiões do país e, muitas vezes, em uma mesma região, muda bastante o perfil entre o advogado da cidade grande e o do interior. Fiz alguns estudos na época em que estive na direção e na presidência da seccional paranaense, sobre o perfil do advogado brasileiro. Esse, inclusive, é um dos itens da nossa plataforma de trabalho para que tracemos o perfil do advogado brasileiro. Quando fizemos esse estudo, há alguns anos, percebemos que ainda compõem a maioria dos advogados brasileiros aqueles que trabalham em pequenos escritórios de advocacia, com um ou dois advogados.

ConJur — O senhor é a favor de um piso salarial para advogados?
Machado — Sou a favor de um piso salarial. Deve ser debatida a forma como seria implantado. Porém, para se estabelecer em nível nacional, apenas por lei. No âmbito dos estados, alguns deles já obtiveram o piso através de negociação coletiva.

ConJur — Por que a OAB proíbe a formação de cooperativas de advogados?
Machado — Voltamos àquelas regras que orientam a advocacia brasileira já há muitos anos. Os advogados podem se reunir em sociedades de advogados desde que essas sociedades sejam inscritas na OAB e se submetam às regras éticas e disciplinares previstas na Lei 8.906. As cooperativas de trabalhos não se amoldam às regras da nossa lei especial porque têm outras características. A grande questão me parece ser trazermos a advocacia para uma atividade que se assemelhe a outra comercial qualquer. Eu continuo a defender e insistir que, por essas características especiais da advocacia, nós devemos ter regramentos que nos afastem da atividade comercial comum. O advogado deve ser reconhecido pela qualidade dos seus serviços e não por uma estratégia de propaganda ou de marketing.

ConJur — Por que é necessário impor uma tabela mínima de cobrança de honorários?
Machado — A tabela da OAB é referencial, é uma tabela apenas para orientar o advogado de quais seriam os padrões razoáveis para a cobrança dos honorários. Não há uma tabela de cumprimento obrigatório. É uma tabela apenas referencial.

ConJur — A OAB é a favor da advocacia pro bono? E da Defensoria Pública?
Machado — O tema da advocacia pro bono está permanentemente em debate no âmbito da OAB. Existem conceituados advogados com história na OAB que defendem a advocacia pro bono e um outro segmento da advocacia que se manifesta contrariamente. A preocupação dos que se manifestam contrariamente é a possibilidade de, sobre a roupagem da advocacia pro bono, você praticar captação indevida de clientela. Me parece que a matéria está a exigir uma disciplina própria exatamente para coibir uma eventual captação de clientela e, ao mesmo tempo, permitir que pessoas que queiram praticar o bem, ou advogar para entidades, que possam fazê-lo sem qualquer risco.

ConJur — Qual o papel da OAB na discussão sobre a Defensoria Pública?
Machado — A OAB vem defendendo a instalação da Defensoria Pública e sua ampliação nos vários estados brasileiros. Nós tivemos, no meu estado, uma luta intensa, na época que estive na presidência [da seccional da Ordem], para que se implantasse a Defensoria. A norma constitucional era desrespeitada já há muitos anos. A batalha foi vitoriosa, tivemos a instalação da Defensoria no estado e a sua gradativa ampliação.

ConJur — E as seccionais que combatem a instalação da Defensoria nos estados?
Machado — Tenho a impressão de que esse discurso contrário à Defensoria perdeu muita força e hoje quase inexiste dentro do sistema OAB. De um modo geral, os dirigentes da OAB defendem a implantação das defensorias e convênios tendem a cada dia diminuir mais na mesma proporção de que se amplia a defensoria.

ConJur — A Ordem é machista? O Conselho Federal da OAB é formado por 81 conselheiros. Apenas seis são mulheres. Dada a ampliação da atuação de mulheres na advocacia, o quadro de conselheiros não está desequilibrado?
Machado — A composição do Conselho Federal não depende apenas de um comando, a composição do Conselho Federal depende das articulações nos estados. De fato, há um número muito menor de mulheres do que aquele relacionado à presença feminina na advocacia brasileira. Isso depende da inserção política da mulher advogada no âmbito das seccionais. Mas não posso dizer que a OAB seja machista. Devemos, sim, é estimular a inserção da mulher na política da OAB.

ConJur — O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em recente decisão, fixou que cliente pobre não precisa pagar advogado. O cliente, que foi declarado pobre pelo próprio advogado, tinha um contrato que previa o pagamento de honorários de 20% sobre o valor da causa em caso de êxito. Recebeu uma quantia pequena, que não alterou seu patrimônio, e não pagou o advogado. O TJ gaúcho entendeu que não precisava pagar mesmo. Se fosse presidente da OAB, como o senhor agiria nesse caso?
Machado — Não falo sobre o caso específico, porque não tenho conhecimento dos detalhes da causa. O que digo genericamente é que me parece muito claro que se a ação judicial resultar em proveito financeiro ao cliente, é possível a cobrança dos honorários. Esse tem sido o entendimento de vários Tribunais de Ética e Disciplina do país.

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